O ar fresco da manhã e o balançar das folhas nas árvores do parque só me trouxeram ainda mais melancolia. Todas aquelas árvores, milimetricamente enfileiradas, me fizeram voltar mais de 8 anos no passado, quando meus pulmões ardiam, clamavam por oxigênio ao percorrer aquela floresta para impedir a Alison de ir embora da minha vida depois da pior merda que fiz na minha vida.
Eu não tenho ideia de quanto tempo alguém pode remoer tanto o passado e sofrer por ele até que finalmente possa se perdoar. Só sei que os meus erros parecem me machucar mais a cada vez que lembro deles, a cada vez que me recordo do quanto a fiz sofrer.
Tenho ciência de que mereço passar por tudo isso. Se não é fácil pra mim lembrar, imagino como deve ter sido doloroso para Alison enfrentar todas as verdades sobre mim quando suas lembranças voltaram.
O que me deixou intrigado ao ler o livro dela foi que, apesar de algumas partes serem sobre nossa história, nele não há um final tão ressentido quanto o nosso. Os personagens dela, apesar de não ficarem juntos, superaram e resolveram suas diferenças em uma longa e conflitante conversa. Talvez esse tenha sido o diferencial para ele ter tido tamanho reconhecimento. Nem toda história de amor tem um final feliz, mas os protagonistas podem se resolver, encontrar a paz e seguir em frente.
Será que era isso que ela esperava de nós?
Cheguei em casa e a Melanie já estava na mesa, tomando café da manhã.
- Bom dia! - fui até a mesa, puxei uma cadeira e sentei, de frente para ela.
- Bom dia. - seu tom não foi nem um pouco animado, o que demonstra que ela não está contente com alguma coisa.
- Você dormiu bem? - puxei do centro da mesa uma tigela de salada de frutas e comi um pedaço de melão. Ela respondeu apenas com um sorriso forçado. - Desculpe por não ter me juntado a você durante a noite. Acabei não conseguindo dormir, de qualquer forma.
- Entendo. - seu tom seco ainda persiste.
- Está aborrecida com alguma coisa? - ela finalmente me encara, baixa lentamente a xícara e pousa delicadamente sobre o pires. O olhar que vem a seguir, faz meu estômago embrulhar.
Eu nunca vi a Melanie agir desse jeito. Com ela as coisas sempre foram muito fáceis de conduzir ou resolver. Nada que uma conversa pacífica não deixasse tudo em ordem. Mas hoje, tudo parece diferente.
- Você perdeu o sono por causa da Alison?
Me engasguei com um pedaço de fruta e fui obrigado a tossir para não perder de vez o controle. Ouvir aquele nome sair da boca dela foi praticamente um choque. Eu senti meu sangue gelar. Não que tenha medo de falar sobre ela com a Melanie, mas eu não esperava que fosse de forma tão súbita.
Durante esse tempo em que Melanie e eu estamos...nos relacionando, de certa forma, eu tive muitas oportunidades de dissolver esse muro que nos separa. Na verdade, Alison não é um muro que me separa apenas da Melanie, ela me separa de um mundo de novas experiências. O fato de eu ter total ciência disso só comprova o quanto não estou pronto para derrubá-lo e explorar novas alternativas. Até mesmo com a Melanie, que nunca desistiu do que nós temos.
- Onde ouviu esse nome?
- Agora o seu fantasma tem um nome. - ela passa levemente o guardanapo pelos lábios e volta a me encarar. - Eu não sei quão profundo era o seu estado de torpor na noite passada ou o quanto havia bebido, mas esse nome não saiu dos seus lábios por algum tempo.
- Mel, você não tem que se preocupar com...
- Mark, por favor, não insulte a minha inteligência. - sou obrigado a me calar, pois provavelmente era isso que eu acabaria fazendo. No entanto, seu tom de voz parece mais tranquilo agora. - Eu sei que algo no seu passado te fechou para o mundo, para novos sentimentos, amores e...para mim. - há uma tristeza em seu olhar que eu nunca havia visto antes. - Eu estava disposta a enfrentar isso e esperar que você superasse, seja lá o que tenha acontecido, mas pelo que pude entender na última noite, pode passar o tempo que for, a Alison estará sempre na sua vida. De um jeito ou de outro.
Eu não queria dar razão a ela, muito pelo contrário, queria poder dizer que tudo isso é um engano. Por mais longe que Alison esteja, dentro de mim, ela nunca esteve tão perto.
- Eu realmente não a esqueci, mas meus sentimentos por ela não são mais os mesmos.
- Então, você não a ama? - seu olhar vasculha meu interior de forma invasiva. Ela nunca me olhou assim antes. - Você pode me assegurar que todo desejo, paixão e sentimento de esperança em tê-la de volta não existem mais? É isso?
Eu não tenho como negar nada disso, se não estamos juntos hoje, certamente não é por falta de vontade minha, e sim por escolha dela. Mas eu não posso dizer isso para a Melanie. Sei que a magoaria, então optei pelo silêncio.
- Se eu dissesse que não quero saber o que aconteceu entre vocês, o que te fez ficar tão reticente e recluso dentro de si mesmo depois dessa relação, eu estaria mentindo. Jamais precisei ouvir essa história para querer e permanecer ao seu lado, mas há limite para tudo. Não acha que era na hora de enterrar esse passado e seguir em frente? Você, assim como qualquer outra pessoa, merece um recomeço. É um homem bom, sincero e prático, e sempre foi muito honesto comigo, mesmo não me contando tudo, sei que tem seus motivos.
- Eu não sou tão bom assim quanto pareço.
- O que isso significa?
- Meu relacionamento com ela não deu certo por minha culpa. - ela inspirou e segurou o ar por alguns instantes, ficou surpresa com a minha revelação. - Eu a magoei, eu a manipulei e fiz as coisas do jeito que eu achei que devia fazer. E as consequências disso tudo foram mais graves do que um coração partido. Eu mudei o futuro dela, e não foi de jeito bom.
Falar essas coisas para alguém que não é o meu terapeuta, alguém com quem eu me importe e tenho apoio, tira um peso enorme dos meus ombros.
- Tudo bem. - ela afasta a cadeira e levanta devagar. - Acho que é melhor eu te dar um tempo para resolver suas questões pessoais.
- Melanie...- eu me levanto e me aproximo, pegando suas mãos. - Eu não quero que você vá. Gosto de ter você aqui, gosto da sua companhia, de conversar, sair com você. De passar algum tempo ao seu lado. - ela dá um sorriso triste e passa a mão pelo meu rosto.
- Acho que apenas gostar não tem sido o suficiente para que finalmente aconteça um nós. Eu sinto muito, Taehyung, mas eu preciso dedicar um tempo para as minhas escolhas também.
Alison
- Eu pedi o divórcio!
- O quê? - Julie parece realmente surpresa, mas Amber se mostra indiferente. - Você pediu o divórcio porque ele não pode te dar filhos? Não acha que está exagerando?
- Julie, sabemos que você é mais esperta do que isso. - apesar de estar prestando atenção em tudo o que conversamos, Amber não tira os olhos do celular.
- Julie, não é porque ele não pode ter filhos que eu pedi o divórcio, foi por toda a mentira em que nosso casamento foi construído.
- Filhos são apenas um detalhe, Ali, todo o resto é o que importa.
- Você acha mesmo que a sua opinião pode ser levada em consideração aqui, Julie?
- Amber, não seja grossa! - advirto-a com um olhar sério.
Julie está no sexto mês de gravidez. Está sensível e eu não quero que ela se chateie com as palavras duras da Amber.
Eu fiquei muito feliz quando soube que a Julie estava grávida. Mesmo que não tenha sido uma concepção planejada, já que ela estava saindo com um cara no qual dizia não ser alguém que saiba lidar com responsabilidades ou tenha grande ambições e planos para o futuro, eu senti como se fosse um tapa na cara que o destino estava me dando por ela conseguir essa felicidade através de um acidente com o contraceptivo.
Julie agora era psicóloga infantil e trabalhava em um hospital especializado em câncer infanto-juvenil. Sempre que nossas agendas se conciliavam, nós almoçamos juntas.
Amber trabalhava como editora em um jornal local. Com seu talento e faro para as notícias, ela se destacou rápido e aguarda ansiosa pela promoção de âncora na edição principal do jornal televisivo. Com sua natureza sagaz, sei que não vai demorar muito para ela conseguir o que quer.
- Não estou sendo grossa, apenas direta. Como ela pode falar desse jeito enquanto cresce a cada mês como se fosse um planeta? Me soa um tanto quanto hipócrita.
- Vamos apenas ignorá-la, Ali. - Julie se vira para mim e pega minha outra mão sobre a mesa. - Você tem certeza que quer fazer isso?
- Ah, Julie, não é algo simples pra mim também, mas ele sempre soube desde o começo como ter filhos era importante para mim, e mentiu sem pensar duas vezes.
- O que ele deu como desculpa para uma mentira tão deslavada? - Amber olhou para mim apenas tempo suficiente para ter a minha atenção, depois voltou para o celular.
- Ele disse que eu havia me tornado importante demais para ele em muito pouco tempo, e que me contar isso e correr o risco de me perder era inadmissível.
- Ali, a relação de vocês não foi construída em cima de mentiras. - Julie me olha com compaixão. - Ele sempre foi tão carinhoso contigo, atencioso, priorizou mais a relação de vocês do que a própria carreira. Não tem como desconsiderar tudo isso.
- Mas ele foi egoísta. - Amber dispensa o celular na mesa e nos dirige a atenção. - Sabia a importância que isso tinha para ela. Deveria ter lhe contado tudo desde o início e deixar que ela decidisse o rumo que queria tomar na vida. Não foi justo ele manipulá-la dessa forma e achar que estava tudo bem. - meus olhos ardem e eu sinto as lágrimas ameaçarem rolar pelo meu rosto. - Sem falar em como ele a enganou, deixando que ela fizesse todos esses anos de tratamento para fertilidade e causando mais tristeza para ela toda vez que a menstruação dela vinha. Ele foi hipócrita, cretino, mentiroso e insensível. Eu não vou perdoá-lo por isso. Não importa o que digam. Ele jogou muito baixo.
Eu sinto os braços da Julie me apertarem em um abraço carinhoso e reconfortante depois de fungar alto sem conseguir controlar minhas emoções. Ela estava certa, foi nisso que eu pensei a noite toda, em como ele teve a coragem de fazer isso comigo, de jogar com meus sentimentos desse jeito e depois ainda se sentir usado por eu desejar tanto construir nossa família.
- Desculpa, Ali, sei que essas não são as melhores palavras para se ouvir agora, mas eu fiquei revoltada em saber que ele fez isso contigo.
- Está tudo bem. - seco o nariz com um lenço que a Julie gentilmente tirou da bolsa e me entregou. - É só que, transformar meus sentimentos em palavras parece doloroso demais agora.
Enquanto me recomponho, as duas ficam em silêncio. Amber me olhando com tristeza e Julie passando a mão pelas minhas costas, até que eu me sinta melhor.
- Ele saber que não pode ter filhos e esconder isso de você, não foi nada honesto.
- Finalmente você entendeu, Julie. - ela encara Amber por alguns segundos e revira os olhos.
- Na verdade, ele optou por isso.
- Como assim? - Julie fica curiosa.
- Ele me disse que quando era jovem, não era um rapaz muito comportado. - sorri com tristeza. - Como vinha de uma boa família e que tinha recursos, duas vezes tentaram lhe enganar com o golpe da barriga. Ele se "envolvia" com as empregadas da família...
- O cretino ainda era canalha. - acrescenta Amber.
- Como não tinha tempo para socializar com os colegas da faculdade e elas estavam sempre querendo uma "chance" com o filho do patrão, ele se deixava levar. - eu dobrava e desdobrava o lenço nas mãos, era um forma de evitar os olhos ansiosos das duas. - Então, para não precisar ficar se desgastando com exames de gravidez ou paternidade, ele fez uma vasectomia.
- Jura que essa foi a solução que ele encontrou? Tenho certeza que ele não é tão velho assim para não saber onde encontrar uma camisinha naquela época. - zombou Amber.
- Será que eu sou tão tola assim para que os homens me enganem com tanta facilidade?
- Ali, não pense assim, você não é tola. Mentirosos a gente encontra em todo lugar. - Julie enche uma taça com água e me entrega.
- Mas todos os meus relacionamentos terminaram envoltos em mentiras com homens que mentiram pra mim de forma tão dissimulada. Primeiro o Nate, que dizia não ter tido nada com aquela garota do colégio, agora têm dois filhos e estão divorciados. Depois o Mark, que se aproveitou da minha perda de memória para criar toda uma farsa e agora... - suspirei melancólica. - Bem, não tenho ideia de como ele está agora.
- Soube que ele e os sócios estiveram em um evento na noite passada. Que por acaso, era o evento em que você estava com o Harold. - argumenta Amber, em tom especulativo. - Você o viu por lá?
- Sim, mas isso não...
- Ele está ainda mais gato, não é?
- Ai, Amber, ele não é o assunto da vez. - Julie fica impaciente.
- Eu sei, homens mentirosos e blá, blá, blá! - ela gesticula com a mão, como se a pauta da nossa conversa fosse insignificante. - No entanto, ele é o mais...- ela dá um sorriso insinuante. - Gato que Ali já conheceu.
- Suspeito que ele seja um mentiroso patológico, isso sim.
- Julie, todo homem mente sobre alguma coisa. Alguns sobre a altura, a conta bancária... Outros sobre não serem casados ou o tamanho do pau, que são sempre maiores em suas conversinhas fiadas. Certo que, a maioria é sobre coisas pouco relevantes, e talvez, a Alison só não tenha tido sorte de seus ex serem tão... superficiais.
- Pois bem, se fossem mais superficiais, talvez não tivessem causado um estrago tão grande na vida dela. - Julie suspira cansada. - Sinceramente, acho que o menos pior foi o Nate.
- Para mim todos são iguais! - afirmo.
- Eu certamente não aprovo o Nate, muito menos o Harold. Já o Mark...
- Credo, Amber!
- Já viram a moça que está sempre com ele?
- Ele está casado? - a pergunta saiu mais rápido do que eu pude perceber. As duas me encararam surpresa. - Quer dizer, não é nada de mais perguntar isso. - dou de ombros.
- Jura que não soube mais nada sobre ele nos últimos anos?
- Não.
- Meu Deus, Ali, você não deve ser normal. Um homem daquele, que já foi seu e você não dá uma olhadinha sequer na vida dele? - Amber pega o celular, digita alguma coisa e me entrega. - Ele está saindo há muito tempo com essa mulher. - vejo uma foto do Mark ao lado de uma moça de cabelos longos castanhos, olhos grandes, cor de amêndoa e um sorriso surpreendente. Muito linda, por sinal. - E é há muito tempo mesmo, mas nunca foi anunciado namoro, noivado ou casamento. Tenho certeza que se fosse alguém importante e já houvesse algo mais entre eles, já teria sido vazada a informação.
Apesar dela ser linda, ter uma presença marcante e um excelente gosto para roupas, ele não exibe o mesmo sorriso autêntico e extasiante como ela. Cada foto que vejo, em lugares diferentes e nos mais variados eventos, a expressão dele é sempre a mesma. Uma postura séria, olhar penetrante e uma formalidade convencional. Mas nunca um sorriso.
- O sócio dele, o Conrad, se casou com uma das amigas dela. Melanie Cork é uma socialite conceituada em iniciativas beneficentes. Vinda de uma família renomada da Inglaterra, ela tem a sabedoria e doçura de uma vovó de cabelinho grisalho das histórias infantis. Mas sem nenhuma ruga e com um espírito de liberdade incrível. - Amber segue destacando as qualidades da moça. - Eu adoraria conhecê-la. Apesar de tantas qualidades destacáveis, ela tem um certo mistério no olhar. Não acha?
Mark... Cada dia, mês ou ano que passamos longe, não afetou em nada a elegância e jovialidade que ele carrega. Como ainda pode estar tão lindo, charmoso e fazer meu coração disparar desse jeito?
- Deve haver alguma coisa errada para eles estarem juntos há tanto tempo e não terem assumido um relacionamento. - entrego o celular para Amber.
- Claro, ela não é perfeita. - Julie diz antes de dar uma mordida em um muffin.
- Talvez o problema seja ele. Pelo menos entre nós, foi ele quem estragou tudo.
- E você não pretende perdoá-lo nunca? - Amber arquea as sobrancelhas.
- Neste exato momento, meu casamento está indo pro ralo por causa dele. Acha mesmo que tenho como perdoá-lo?
- Ele pode ser culpado por dizer a coisa errada no momento errado, Ali, ou por esconder parte da história de vocês quando você perdeu a memória, mas ele não é culpado pelo acidente ou pelo Harold ter te manipulado. - ela recosta na cadeira, com um tom argumentativo. - Não sou advogada para defende-lo de certas coisas, mas também não sou juíza para condená-lo por algo que, obviamente, ele não tem culpa. Sou apenas jornalista, e especulação é minha especialidade.
- Não importa o que ele fez ou não fez. Ele é passado agora. E eu estou visando um futuro que tenha como prioridade a minha felicidade.
- O que pretende fazer agora, Ali? - Julie pergunta de boca cheia.
- Bom, eu quero visitar meus pais inicialmente. Depois, vou dar entrada no divórcio e manter meu tratamento com a Dra Kall. - Amber e Julie se entreolham. - Para então, ser mãe.
- Ali...
- Ah, não. - Amber parece preocupada.
- Eu serei mãe de um jeito ou de outro. Não me importo em ser mãe solo, de aderir a inseminação artificial. E não existe Mark ou Harold que me impeça de ter o que eu quero!