Capítulo 3 A NOITE

Anna se inclinou na direção do espelho e suspirou, deixando os ombros tensos relaxarem. Sua mente estava pesada e seu corpo parecia dolorido, os músculos tensos. Anna encarou seu reflexo no espelho e cerrou os dentes, segurando com força a escova de pentear que segurava na mão. Sua mãe pediu para que se preparasse para o jantar e Anna obedeceu prontamente. Ela estava nervosa e ansiosa para o jantar, e apesar de não saber como poderia reagir em meio a tantas pessoas, deveria ao menos tentar manter as aparências.

Agora, ela se chamava Alice, a noiva de Edward, um abastado magnata de Londres, impiedoso e frio. Anna sabia que não devia sentir medo de Edward. Sua mãe a aconselhou a engolir qualquer temor e dúvida que pudesse ter sobre ele. Ela só precisava ser solícita e adorável como Alice era. Anna sabia que não podia ser igual à irmã, e ela temia que Edward pudesse descobrir quem ela era antes mesmo de se casarem. Ela tinha medo de que pudesse estragar tudo.

Anna vestia um vestido longo e branco com decote simples e mangas curtas. Ela prendeu os cabelos castanhos com uma presilha folheada a ouro e diamantes em formato de borboleta atrás da cabeça, prendendo as mechas numa cascata. Anna usou um batom suave nos lábios, as bochechas rosadas e um pouco de maquiagem nos olhos, reforçando o azul celestial e puro. A pele dela era branca e macia, tão lisa quanto seda. Anna sem dúvidas era uma bela mulher, com um corpo esbelto e maduro; curvas delicadas, seios perfeitos e pequena. Alice era como seu reflexo, ambas eram desejadas por todos os homens que puseram seus olhos nelas. Como não se encantar pelo rosto doce dela?

O quarto era grande, espaçoso e muito luxuoso. Um lustre pendia do teto, a cama king size estava arrumada com lençóis confortáveis e macios, e diante da penteadeira, Anna se perguntava o que seria de sua vida. Se conseguisse se casar com Edward, ela estaria fadada a dividir a cama com ele, satisfazê-lo em todas as suas obrigações matrimoniais e atendê-lo no que quisesse. Se Edward fosse mesmo o homem terrível que muitos diziam, então Anna estava condenada. Apesar de não saber muito, ouvira mais cedo duas empregadas conversando enquanto preparavam seu banho. Edward era um homem severo e impiedoso, algumas pessoas diziam até que ele criara seu império sob as custas de outras pessoas. Anna não sabia como poderia se casar com um homem assim, e ela não entendia como Alice foi capaz de se apaixonar por ele.

A porta abriu e Dayanna irrompeu no quarto. Anna colocou a escova sobre a penteadeira e olhou na direção de sua mãe, afastando seus pensamentos. Dayanna se aproximou e sorriu. A mulher tinha 40 anos, mas ainda assim parecia mais jovem. Ela tinha cabelos louros penteados num coque alto e vestia um vestido elegante.

- Mamãe - disse Anna. - Eu já acabei.

Dayanna assentiu.

- Eu vim ver como estava - disse ela, a voz doce e suave. Dayanna se colocou atrás dela e pousou uma mão em seu ombro. - Os convidados já chegaram e Edward está ansioso, esperando por você. - Anna a olhou e corrigiu mentalmente: esperando por Alice. Edward estava esperando por Alice. Dayanna olhou para o espelho e encarou o reflexo da filha. - Oh, querida, você está tão linda...

Anna sorriu.

Dayanna notou a joia na cabeça dela e passou as pontas dos dedos sobre a borboleta cravejada de diamantes. Ela sorriu.

- A borboleta de Alice - lembrou ela. - Ela adorava isso. Você guardou? - Anna assentiu.

Anna deu a Alice a borboleta antes de se despedir pela última vez, alguns anos atrás. Alice nunca conseguiu se livrar da borboleta de ouro e diamantes. Alice também deu algo a Anna, um pingente com o símbolo do amor; um coração feito de ouro branco e rubi, o qual Anna nunca tirava do pescoço. Quando sentia falta de Alice, ela simplesmente envolvia os dedos ao redor do pingente e o segurava com força, fechando os olhos e buscando alguma lembrança reconfortante que compartilhara com Alice. As duas eram inseparáveis quando crianças, sempre se divertindo, rindo por nada e embaladas pelos braços do pai.

Certa vez, Alice se escondeu atrás de uma roseira enquanto brincava com Anna. George, seu pai, corria de um lado para outro, tentando encontrar as duas garotas. Elas eram as únicas filhas de Dayanna e George Wallace. Anna lembra de como aquela época era boa; antes de Dayanna descobrir que seu pai a estava traindo, antes de seu pai saber que estava doente. Aquela época era inesquecível. Era a época em que se lembrava fazer parte da família, de ser realmente tratada como a irmã de Alice. Depois disso, Dayanna simplesmente a jogou de lado, a desprezou, como um brinquedo que não agrada mais uma criança. Anna não se ressentia por isso. Mas isso a magoou. Ela lembra de Alice se espetar na roseira e começar a chorar sem parar, do seu pai correndo para ajudá-la, e de Dayanna a olhando com um olhar de reprovação. Anna insistiu para que Alice aceitasse brincar com ela naquela manhã. Acontece que o que Anna achou se tratar de uma picada de espinho era, na verdade, algo mais grave. Havia uma abelha escondida atrás das roseiras e Alice não tinha visto. No auge de seus 8 anos, a garotinha foi picada e perdeu quase instantaneamente os sentidos depois de gritar horrorizada. Anna tentou contar aos pais, mas simplesmente ficou parada, observando Alice. Ela não conseguia se mexer.

Dayanna a culpou por quase ter deixado Alice morrer. George, por outro lado, lhe disse que não tinha culpa. Anna sabia que não havia feito aquilo por mal. Ela estava assustada. Por sorte, o médico não demorou muito para chegar. Enquanto ele cuidava de Alice, Anna via seu mundo perfeito se transformar em algo cinza e horrível. Ela não queria ter machucado Alice. Na verdade, não sabia que a irmã era alérgica à abelha.

Quando Alice melhorou, Dayanna não quis deixar Anna se aproximar da irmã, o que causou uma briga terrível. George e Dayanna brigaram por quase uma semana inteira, mas uma empregada permitiu que ela entrasse escondida no quarto da irmã. As duas podiam conversar e ficar juntas. Isso durou até Dayanna descobrir e demitir a empregada. A punição de Anna foi receber um tapa na cara. Ela nunca achou que sua mãe fosse capaz de lhe bater. Ela nunca tinha feito isso. Seu pai ameaçou pedir o divórcio se ela batesse em Anna de novo, e foi por causa disso, pensava Anna, que Dayanna a odiava.

Depois daquele fatídico dia, as coisas mudaram.

E agora iriam mudar de novo.

Inspirando fundo, Anna olhou para seu próprio reflexo. Ela não sabia se Edward era mesmo um monstro ou não, mas sabia que deveria fazer isso.

- Está pronta? - Perguntou Dayanna, se inclinando um pouco na direção dela. - Está na hora de ir.

Anna assentiu.

            
            

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