Capítulo 3 3º capítulo – Culpa

Anna...

Desci do carro sem olhar para trás e caminhei pela rua, tentando processar tudo o que tinha acontecido. A sensação de euforia e confusão se misturava dentro de mim. O beijo de Karl tinha desencadeado uma enxurrada de emoções e questionamentos nos quais eu não estava preparada para lidar. Sai na tentativa de esquecer o que já havia acontecido e nem me dei conta de já ter pegado o elevador, foi instantâneo, e ao me sentir fora de alcance não consegui segurar as minhas lágrimas e chorei. Os meus olhos ardiam e em segundos o meu rosto estava completamente encoberto por lágrimas, quando uma culpa invadiu o meu coração, uma sensação de dor e imediatamente veio a minha mente Liana.

Eu sabia que aquilo não poderia ter acontecido, por outro lado, uma parte de mim não conseguia ignorar o quanto eu havia desejado aquele beijo. O toque de Karl tinha mexido comigo de uma maneira que eu nunca tinha experimentado antes. Eu sabia que não poderia simplesmente apagar aquela experiência da minha mente. Eu precisava de um tempo para colocar minhas ideias em ordem, para entender o que aquilo significava para mim e para Karl. Mas, por enquanto, eu estava apenas tentando lidar com o turbilhão de emoções que aquele beijo tinha despertado em mim. E o que estava claro é que aquela única troca de carinho tinha acabado de vez com toda força que eu tinha para deixa-lo longe de mim.

Cheguei no meu apartamento e fui recebida por Luna, a minha "poodle", a minha companheira desde que me mudei. Limpei as minhas lágrimas, abaixei e a peguei no colo, dei um beijo na sua testa e fui para o meu quarto. Luna me olhava com cumplicidade, era como se quisesse dizer que estava ali, se precisasse. Tínhamos uma ligação muito forte, a encontrei na primeira semana que me mudei, ela estava perdida na rua, andava assustada e ao vê-la entre os carros tive medo que algo a acontecesse, tirei-a da rua e anunciei nas redes sociais que a havia encontrado, mas seus donos nunca apareceram e desde então somos grandes amigas. Luna é minha companhia e parece sentir cada uma das minhas emoções.

Entrei no meu quarto com Luna no meu colo, o meu quarto me passava tranquilidade, planejei cada pedacinho dele para que pudesse sentir o aconchego de um lar, a suas paredes eram claras e eu tinha uma pequena varanda no quarto, onde eu deixava uma cadeira para que eu pudesse passar parte do dia quando estava em casa, lendo um livro ou simplesmente vendo as estrelas ao anoitecer. A minha cama era grande e cheia de almofadas em formato de estrelas e corações, além de ter uma frase na cabeceira da cama que dizia;

"Que as nossas lembranças, não sejam aquilo que ficou por viver."

O meu quarto era a minha perfeita descrição. Acomodei Luna na minha cama, peguei uma toalha e fui tomar um banho para tentar dormir, acabei chorando mais uma vez, não conseguia mais segurar o que sentia por Karl, estava completamente apaixonada por ele e nada que fizesse seria suficiente para afastar aquele sentimento. Fechei os meus olhos e revivi o momento, o toque de Karl fazia a minha pele queimar, a lembrança do seu beijo, a suavidade da sua boca, perdi-me em meio as lembranças, tentando entender como permiti essa situação. Saí do banho enrolada numa toalha e me deitei sem ao menos vestir uma roupa, tirei algumas almofadas da cama e puxei o edredom e comecei novamente a chorar, até que o cansaço me venceu e adormeci.

Acordei com o raio de sol invadindo a minha cama, já era dia quando percebi que havia adormecido enrolada na toalha. O sol entrava por minha janela que era mais uma parte que adorava na minha casa, ser despertada todas as manhãs pelo sol. Me lembrei que não precisaria sair, pois era sábado e como não tinha nada para fazer, preferi ficar na cama e mais uma vez adormeci.

Eram quase onze horas quando resolvi me levantar, sentia um aperto enorme no meu coração, mas ao menos tempo tinha o sabor suave dos beijos de Karl. Precisava colocar os meus sentimentos em ordem e decidir se me afasto em definitivo ou se conto a verdade para ele. O que não posso mais é continuar assim. Fiquei todo sábado pensando o que fazer e decidi que ligaria para ele, pois não podia deixar as coisas continuarem como estavam. Precisava retomar as rédeas da minha vida e não seria fugindo que isso iria acontecer.

No domingo pela manhã resolvi ligar, mas antes que pudesse pegar o telefone, o meu interfone tocou, era da portaria do prédio pedindo autorização para uma pessoa subir, era Karl.

Confirmação

Anna...

Como eu havia acabado de me levantar, ainda estava de camisola de renda preta, não costumo receber visitas e jamais pensei que Karl pudesse vir à minha casa. Como não tempo de me trocar, autorizei a subida de Karl e corri ao banheiro para pelo menos lavar o rosto e vestir um robe para ficar mais apresentável. Em poucos minutos a minha campainha tocou e ao abrir a porta ele estava lá, com aquele sorriso que tirava o meu ar. Karl apenas sorriu e perguntou se podia entrar.

_ Posso?

Ele falou parado à porta com os olhos vidrados em mim.

_ Desculpe vir sem avisar, mas confesso que valeu a pena por vê-la assim. Pensei que depois de ontem, não poderia me surpreender mais com a sua beleza, mas te ver assim, despertou algo maior ainda em mim. Como você é linda Anna e fico impressionado como você não explora nenhum pouco a sua beleza. Sabe que adoro rosas as suas versões e consigo me acostumar facilmente com cada uma delas.

Ele falou em meio aquele sorriso, que me desconcertava.

Fiquei envergonhada e para mudar um pouco a conversa, falei que tinha aproveitado o domingo para ficar um pouco mais na cama e logo mudei de assunto perguntando o que ele fazia ali.

_Como é domingo aproveitei, para ficar um pouco mais na cama, pois não estava esperando ninguém. Mas, o que você veio fazer aqui? Como soube qual era meu apartamento?

Falei na tentativa de mudar a conversa. Karl me olhava como se tivesse me analisando e minha pele estava queimando com sua proximidade.

_Saber o seu apartamento foi fácil, perguntei ao porteiro na sexta logo que você subiu e como ele me viu chegando com você, não tive problemas em conseguir a resposta. Estou desde ontem pensando se devia vir falar com você ou não, nós precisamos conversar sobre o que aconteceu Anna. Mas em primeiro lugar quero que saiba que não quero magoar você. Não planejei o que aconteceu, quando vi já estava te beijando Anna, não sei te explicar o motivo, mas é como se algo unisse nos dois.

Pela reação de Karl já imaginei o que ele precisava dizer, e me adiantei;

_ Karl, não aconteceu nada, foi um impulso, também me deixei levar, mas é melhor deixar as coisas como estavam antes.

_ Não foi um impulso Anna pois não sou mais um menino e é claro que aconteceu algo. Não sei como explicar o que sinto por você, mas esse beijo era algo que eu queria fazer a dias. Não consigo tirar você da minha cabeça, não consigo ficar longe de você, não quero que pense que foi apenas um impulso ou algo sem importância, pois não foi. Eu fiquei admirando você a noite toda, você estava linda com aquele vestido que revelava que mulherão você é e quando vi você tão perto no meu carro, não me segurei. Beijar você era tudo o que eu queria há vários dias Anna. Mas me perdoe por favor. Não ajo dessa forma e tão pouco quero que pense que quero brincar com você. Mas é como se algo me puxasse para você Anna, não consigo explicar o que sinto quanto estou ao seu lado, mas apesar de não acreditar nessas coisas, é como se já nos conhecêssemos de outras vidas, não sei como explicar a ligação que tenho com você,só sei que a minha necessidade de estar perto é grande demais.

_ Anna, aquele beijo para mim não foi como um primeiro beijo, foi como se já tivéssemos vivido aquele momento. Senti como se tivéssemos algo a muito tempo, eu sei que você se afastou de mim, o que quer dizer que você também sente algo e quero que saiba que é recíproco. Não consigo tirar você da minha cabeça desde o dia que nos esbarramos, desde aquele dia alguma coisa mudou dentro de mim. Mas...

Os olhos de Karl brilhavam quando falava da necessidade que tinha de estar ao meu lado, mas mesmo que ele quisesse tanto quanto eu, não poderíamos, pois ainda tinha Liana. Por isso não deixei ele continuar.

_Mas você tem namorada.

Falei sem rodeios e senti aquelas palavras me cortar por dentro.

_Não se preocupe eu já imaginava e está tudo bem. Karl, somos adultos, aconteceu. E não temos porque nos prender a isso.

_Sim, Anna, eu tenho uma namorada, o nome dela é Liana, é complicado a nossa relação, pois namoramos desde o ensino médio, e me sinto em dívida com ela, mas desde o nosso esbarrão na ONG que estou diferente com ela. E ela fica me monitorando, estamos juntos a muitos anos, ela esteve comigo no momento mais difícil da minha vida, posso dizer que se estou bem hoje é graças a ela, mas é muito complicado. E eu não sei o que fazer.

Karl falava como se sentisse um desespero.

_ Karl você não precisa me dizer nada disso, te disse que somos adultos e para mim está tudo bem.

_ Anna, juro que não planejei te beijar e não quero de forma nenhuma que pense que me aproveitei da situação ou que quero enganar você. Tentei respeitar a sua distância, mas não consegui, quando te vi precisava estar perto de você, não pensei em mais nada. Você estava linda, quero dizer, você é linda, mas não é só isso Anna, estar com você me faz bem, gosto da sua companhia, gosto do trabalho que fazemos com as crianças, gosto de estar ao seu lado. É como se tivéssemos nos reencontrando. Manter essa distância que você impôs tem sido difícil para mim.

_ Karl, é melhor deixarmos as coisas como estavam antes, realmente pus uma distância entre nós dois para evitar problemas. Estou focada na minha faculdade, preciso da bolsa para minha pós-graduação e dependo da minha avaliação final para conseguir isso, não preciso de nada que tire minha concentração agora. Não se preocupe com o que aconteceu. É melhor você dar atenção a sua namorada, ajeitar as coisas com ela e esquecer o que aconteceu. Não quero e não preciso ficar entre vocês dois.

Falei sentindo as lágrimas brotarem nos meus olhos.

_ Agora acho melhor você ir.

_ Anna...

_ Por favor Karl, já esclarecemos tudo que precisava, não faz sentido você continuar...

E antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Karl me puxou para os seus braços e me beijou. Os seus beijos mais uma vez demonstravam necessidade, seu abraço era apertado, e eu quase não podia respirar, entreguei-me mais uma vez ao momento, mas logo percebi o que estava fazendo e me afastei, precisava manter firma as minhas palavras e ele precisava ir.

_Karl, por favor. Não precisamos piorar as coisas. Somos adultos, temos plena consciência das nossas atitudes e você tem uma namorada, não precisamos deixar as coisas ruins para ninguém. Vá embora por favor.

_ Me desculpe. Contrariado, se virou e foi embora.

As palavras de Karl ficaram martelando na minha cabeça, o que será que aconteceu para ele se sentir assim com relação à Liana? Como ele pode sentir o mesmo que eu sinto com relação a ele, será possível que já vivemos essa história? Não sei o que pensar, mas não posso me envolver mais. Os beijos de Karl, sua presença, seu contato, mexiam comigo de uma forma sobrenatural, mas eu não posso voltar atrás. Não sei como vai ser de agora em diante, mas tenho certeza que depende apenas de mim me manter afastada. E por mais difícil que fosse, era isso mesmo que eu iria fazer.

            
            

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