Capítulo 2 Está com medo

Havia chutado a bola e ela rolou até o meio da rua de pedras.

Fui pega-la e vi um carro indo em disparada na minha direção.

Depois senti mãos me carregando e me salvando.

Era um homem alto... bem, para mim era alto já que eu era apenas uma garotinha de cinco anos, seus cabelos negros com talvez um pouco de grisalho escondia pouco de seu rosto, mas o que ficava bem evidente, eram seus olhos, olhos vermelhos que me engoliam.

Acordei sobressaltada como sempre de quando tinha esse sonho, eram sempre tão reais, no final aqueles olhos intensos e vermelhos sempre me hipnotizavam e logo depois quando menos esperava me engoliam me levando a um buraco negro sem fim, até minha cama e cobertores.

Meu corpo não estava suado como o de costume, talvez porque agora não morava mais em um lugar tropical, mas sim numa geladeira.

Sobre o sonho, minha madrinha Lucy certa vez contou que quando eu era mais nova eu sempre dizia ter um anjo da guarda de olhos vermelhos brilhantes, que me salvava do perigo, o que era bobagem e pura imaginação de criança, talvez fosse apenas meu amigo imaginário.

Agora passaria a noite em claro como sempre acontecia quando eu tinha esse sonho sem sentido, afinal quem tem olhos vermelhos?

Talvez meu "anjo da guarda", "amigo imaginário" ou qualquer outra coisa em que provavelmente a psicóloga me ajudaria a conectar com meus "problemas emocionais".

E como sempre fazia em noites assim eu pegava um livro da estante e começava a ler, no começo era difícil prestar atenção na leitura porque meu cérebro estava ainda preso ao sonho, mas com tempo e esforço eu conseguia afastar minha mente desse sonho que talvez fosse algo simples e pequeno, talvez nada prejudicial, mas ainda sim de certa forma mexia comigo.

- Mell, acorda! - Disse Lucy apenas batendo na porta, e acordei de cara com o livro em cima da minha cama, passei a noite lendo e sem perceber peguei no sono.

- Acordei - avisei, assim ela não precisaria enfiar a cabeça quarto adentro.

Me levantei desleixada de sono e vesti uma roupa de inverno comum para ir para a escola, blusa de gola preta que foi escondida por um moletom grosso, luvas e botas, por fim uma touca vermelha que chamava bastante atenção dando contraste nos meus cabelos e olhos escuros, não era feio, mas para quem não queria chamar atenção na primeira semana de aula era demais, porém não tinha roupa de inverno o bastante para escolher demais. Desci para a cozinha sem a menor vontade de viver um dia de aula.

- Bom dia! - Disse Harry com suas torradas e geleia de morango.

Ele estava animado para um ser humano que acordou cedo demais e no frio. Frio pode combinar com muitas coisas, menos sair da companhia da cama e dos cobertores!

- Não vejo algo bom em morar com os pinguins, Harry.

- Logo se acostuma com o frio - falou.

- Nós morávamos numa torradeira. É difícil de um dia para o outro me mudar para uma geladeira. Eu gosto muito de você Harry, mas não gosto de morar como um picolé.

Eles riram, não via graça e os ignorei indo até a porta.

- Já estou pronta, vamos! - Disse por fim.

- Mas nem tomou um café! - Falou Lucy minha madrinha.

- Eu tomo na lanchonete da escola.

- Tudo bem então! Hoje meu turno vai ser a noite, então vou estar quando chegar da aula e com um lanche servido, tenha um ótimo dia de aula!

- Duvido muito, mas obrigada assim mesmo.

- Só tente ok? - Suplicou ela.

- Tudo bem...

Lucy era enfermeira e Harry era da polícia, o trabalho faziam com que ambos ficassem mais tempo fora do quem em casa, sorte deles que trabalhavam no mesmo quarteirão e de vez enquanto Harry fugia do trabalho para ir vê-la.

Harry me levou para a escola, estávamos um pouco atrasados, esperamos uma árvore que caiu com a chuva da noite passada ser retirada da estrada. Enfim, eu cheguei e corria contra o tempo para me encontrar com o mapa em minhas mãos, minha primeira aula era biologia e não fazia ideia de como chegar lá. O corredor estava vazio para pedir ajuda, e afinal, o que custava a diretoria me dar um orientador no meu primeiro dia de aula?

Acho que era invisível quando um cara grande e forte como um muro quase passou por cima de mim na virada de um corredor, nossos ombros se chocaram e doeu mais do que imaginava que pudesse doer. E ele não parou, e ao invés de pedir desculpas mesmo com má vontade, ele me ignorou como se eu fosse mesmo uma pessoa invisível.

- O que é isso? A grande hospitalidade de Seattle? - Falei esfregando o ombro com a mão vazia fazendo cara de dor enquanto encarava as costas do cara loiro que esbarrou em mim.

- Não é minha culpa se você é cega - disse ele sem nem me olhar ou virar para trás, apenas continuou a andar apressado.

- Agora a culpa é minha? O apressadinho aqui é você! - Ele nem respondeu - Ignorante!

Continuei bufando tentado achar a minha sala, estava mais perdida do que imaginava.

Finalmente achei a desejável sala. Todos estavam concentrados demais no livro para ver quem tinha chegado, isso era bom, não queria chamar atenção para mim e minha touca vermelha de lã. Em seguida me apresentei ao professor em um sussurrou ao lado de sua mesa.

Ele se levantou:

- Pessoal - disse ele a turma, era o que me faltava, todos agora olhavam para mim, queria sair correndo dali - essa é a nova aluna Melanie Grace Meyer, e ela será sua nova colega de classe. - Depois ele se voltou a mim - Senhorita Meyer, pode se sentar naquela última carteira... - pelo menos iria me sentar sozinha hoje, tive sorte - seu companheiro saiu a pouco, mas já volta.

Comemorei antes da hora.

Sem reclamar em alta voz, fui me sentar sendo perseguida por olhares curiosos. Maldição!

Momentos depois um homem entrou na sala e me fuzilou com um olhar profundo. Era o ignorante loiro que esbarrou em mim.

- Novata! - Diz ele depois de se sentar ao meu lado com um sorriso debochado.

Ótimo! Agora eu era seu brinquedinho para deboche o resto do ano.

Preferi ignorar seu cumprimento nada amigável e fingi que o livro de biologia era interessante demais, porém quando notei em que página estava preferi mudar para uma página menos pornográfica enquanto o loiro me encarava achando que ia receber uma resposta. Depois ele viu que eu não era a típica garota que acharia graça de qualquer coisa que ele diria só porque é bonitinho ou que daria tudo por um pouco da sua atenção.

No resto da aula eu olhava para frente prestando atenção na explicação do professor sobre plantas angiospermas, então percebi que o cara ao meu lado ficava me observando, percebi isso pelo canto do olho e acho que ele já estava assim a um bom tempo. Isso me incomodava muito! O que ele tanto olhava?

Me virei para ele e quase engoli em seco quando seus olhos encontraram os meus, parte de mim queria quebrar o contato visual, talvez essa era a parte racional que dizia para eu ficar longe de problema, mas essa parte eu silenciei momentaneamente.

- Gosta da paisagem? - Provoquei e ao mesmo tempo o acusando para ver se assim ele deixasse de ser estranho.

- Na verdade já vi coisas melhores.

Arqueei as sobrancelhas boquiaberta, preferi não dar mais uma de esperta e voltei minha atenção a aula e ao professor.

- Você me lembra alguém - escutei ele dizer, não ousei me virar novamente - Seus olhos pelo menos. Mas eu não sei dizer quem você me lembra. Qual é o seu nome?

É sério que ele estava me passando uma cantada ridícula como essa?

Não abri a boca.

- O quê? De repente ficou muda?

Apenas suspirei pesadamente, porque lembrei que teria que o aguentar até o final do ano.

"Qual é o seu nome?". - Isso me veio à mente e ao mesmo tempo senti um arrepio subir por todo meu corpo como se o cara ao meu lado tivesse sussurrado bem no meu ouvido, porém ele não havia se movido momento algum, senão eu teria visto mesmo que pelo canto do olho. Mas além do sussurro, senti como se garras bem afiadas acariciassem minha nuca como se pudessem me partir ao meio.

Me virei rapidamente na direção dele, ele já estava me observando agora sem seu olhar de diversão, mas em algo mais neutro ou sério. Na verdade, parecia mais um olhar concentrado em alguma coisa que não fosse meu rosto, mas em algo mais... longe?

Então ele piscou e voltou ao normal.

- O que foi? - Levantou as mãos em rendimento - Não me olha com esse olhar acusador.

- Você disse alguma coisa?

- Para você não me olhar com esse seu olhar erótico? - Lançou um sorriso torto.

Revirei os olhos, falar com ele era perda de tempo.

- Antes disso... arg.! Deixa para lá!

Para meu alívio o sinal de troca de sala trocou.

De acordo com meu cronograma do dia, era matemática agora, uma das matérias em que eu tinha mais facilidade, quando não se tem amigos quando criança sobra tempo o bastante para estudar e ser a garota prodígio todo ano.

Quando me levantei para ir embora, meu companheiro irritante de biologia não estava mais ali, não notei quando ele se foi.

Vai tarde!

Na aula de matemática me sentei ao lado de um garoto moreno, alto e de olhos verdes escuros, acho que já o vi em algum lugar. O que não era comum já que me mudei recentemente.

- Melanie - disse ele - que sorte a nossa! Seremos da mesma sala de matemática.

Olhei para ele com a testa franzida.

Quem era ele? O que está acontecendo com essa escola? Sabia que não devia ter vindo hoje, e eu avisei a Lucy!

- Por sua cara vejo que não se lembra mesmo de mim. - Falou ele sorrindo - Eu sou o primo de segundo grau do Harry, nos conhecemos no casamento deles.

- Ah, claro! Minha memória não é nada confiável! - Sorri - E desculpa, mas qual é o seu nome mesmo?

- Christian! - Falou ele rindo da situação, odeio ser pega desprevenida.

- Me desculpe pelo esquecimento - disse eu sem graça por nem me lembrar de seu nome ou que ele era primo de segundo grau do Harry, quer dizer que éramos parentes? Não faço ideia!

- Não tem problema! - Disse ele me dando um empurrãozinho de leve como de "tudo bem" - Harry me pediu para ficar de olho em você e te fazer companhia.

Não gostava da ideia de ser vigiada ou de ter companhia, eu gostava de ficar sozinha, estava acostumada com isso e não gostava de mudanças...

- Sei que é muito difícil se mudar para uma escola nova, então te farei companhia!

- Não se incomode com isso.

- Não será incomodo algum!

Apenas sorri, não tinha mais o que fazer.

- Afinal, o que está achando de Seattle e desse clima?

- Eu morava em Miami, minha vida toda eu morei em lugares ensolarados.

- Você vai se acostumar, no gelo à muita coisa para fazer e logo, logo vai perder esse seu lindo bronzeado!

- O bronzeado não é o problema principal, o problema é que não vou mais ter vontade de tomar sorvete e você não imagina o quando eu amo sorvete - disse brincalhona.

Ele riu comigo.

- Então preciso fazer você amar outras coisas, vou marcar um dia para irmos para uma pista de patinação no gelo.

- Aqui tem pista para isso? Achava que só era encontrar um lago congelado.

Ele riu de novo.

- Não, é difícil achar por aqui lagos congelados seguros, afinal é raridade nevar o suficiente para isso.

A aula passou rápido, Christian e eu trocamos conversas sobre coisas que tem aqui e não tem em Miami e vice-versa.

No intervalo ele me acompanhou no refeitório.

Peguei meu almoço e me sentei com ele e uma garota que também estava à mesa.

- Oi Britney! - Cumprimentou ele.

- Bom dia Chris!

- Quero te apresentar a Melanie.

- Oi, ouvi falar de você, pelo Christian claro - falou Britney - Sua madrinha se casou com o Harry recentemente.

- Sim, isso mesmo!

Então quando abri minha caixa de suco meus olhos encontraram o meu companheiro de biologia, ele estava sentando sozinho em uma mesa vazia, preciso das dicas dele de como afastar as pessoas tão facilmente.

Eu gosto do Christian e a Britney parece ser legal, mas eu preferiria ficar sozinha...

Pelo menos por um tempo... até eu me curar por dentro de algumas cicatrizes profundas... ou até eu me sentir segura... quando eu sentir que eu sou uma pessoa normal... até que a maldição não ache mais graça da minha companhia...

A voz da Britney me tirou do transe em que meus olhos marejavam.

- O que você tem contra ele?

Pisquei para ela.

- O quê?

- Você tinha que ter visto a cara que fez enquanto encarava o William.

- Quem? - Indaguei franzindo o cenho.

- Ele. - Ela indicou com o queixo.

- Então o nome dele é William? Ele é meu parceiro de Biologia...

- Uau... e pelo visto não se deram muito bem...

- Não nos demos bem antes disso ainda. Não tenho nada contra ele, mas eu gostaria que ele sumisse da aula de biologia.

Ela riu.

- O que ele fez? Se quiser posso bater um papo amigável contra ele. - Agora foi o Christian.

- Amigável? - Franzi a testa para ele.

- Contra ele? - Britney se juntou a mim questionando essa postura violenta do Christian.

- Mas não se preocupem. - Falei por fim - Esse foi só o primeiro dia... vou aprender a lidar com ele... assim espero.

- Bem, já sabe, precisando estou aqui. - Disse Christian mais uma vez.

Observei melhor o Christian e depois pensei nos braços e nas fibras musculares que Will apoiara na carteira hoje mais cedo, talvez Christian tivesse mesmo chance contra William, na verdade estão neutros, não saberia quem ganharia numa luta ou queda de braço.

- Ele é sempre assim... - quis saber para entender mais sobre ele - sozinho?

Talvez dentro dele escondia alguém como eu, com um passado que almeja esquecer e perceber que ser solitário é mais seguro, não para si mesmo, mas para os outros.

Então uma loira oxigenada e alta se senta ao seu lado.

- Que nada - começou Brit - ele pode ter quem ele quiser por perto, mas ele se acha bom demais para ter qualquer um por perto.

- Mas ainda assim ele está com a típica líder de torcida superficial... então talvez ele não é tão bonzão assim. - Agora foi o Christian.

- Não se iluda, a Nina é apenas seu brinquedinho.

- E ela sabe disso? - Quis saber.

- Com certeza! - Concluiu ela.

- Bem, para resumir tudo, esse cara não presta! Então não seja amiguinha dele.

- Nem pensei. - Falei.

A manhã passou rápida, depois da aula fui para a psicóloga que a Lucy marcou.

Entrei no consultório e já fui chamada para a minha consulta.

- E sempre é o mesmo sonho? Todas as cenas e imagens? Nada muda mesmo?

- Sempre é o mesmo sonho, nenhuma imagem diferente, tudo igual - confirmei, ainda deitada no divã - eu chuto a bola e quando vou pegar um carro vem para cima de mim e um homem de olhos vermelhos me salva.

- Mas como esse homem pode chegar tão rápido?

- Não sei, talvez ele já estivesse perto de mim, mas eu não percebi.

- Você já conversou com sua madrinha sobre isso?

- Já. E ela me disse que eu vivia falando que eu tinha um anjo da guarda de olhos vermelhos.

- Vai ser mais difícil que eu pensava interpretar esse sonho, porque como ele nunca muda, é uma característica bem comum de que pode não ser um sonho, mas ao mesmo tempo ninguém tem olhos vermelhos, e um adulto comum bateria na porta dos seus pais para contar o que aconteceu e para tomarem mais cuidado - disse ela pensativa - volte amanhã depois da aula e continuaremos a sessão. Entanto isso vou analisar sobre o que esse sonho pode significar.

- Tudo bem! - Me levantei do divã - até amanhã.

Peguei um ônibus que parava perto de casa - perto - eu ainda teria que andar muito, porque a casa ficava muito longe e afastada de qualquer vizinhança.

Desci do ônibus e comecei a andar, abri o GPS do meu celular e descobri que o endereço da minha casa não existia, então eu não sabia como chegar em casa, eu contava com a ajuda do GPS quando neguei a carona do Harry para voltar para casa.

Eu me lembro mais ou menos do caminho, porque fiquei observando o caminho enquanto Harry me levava para a escola.

Então comecei a minha longa caminhada.

Ótimo! Estava perdida. Agora tinha certeza.

Acho que eu andei mais que o necessário, mas juro que já vi aquele tronco de árvore. Já não sei mais o que pensar, a casa era longe, mas nem tanto, e acho que andei além dela, eu não me lembro de tantas curvas.

Estava com frio e fome. Talvez eu morresse de frio antes da fome... Harry é policial, talvez posso ter esperança de acharem meu corpo ainda com vida... me sentei em cima de uma árvore caída, talvez alguém passe aqui, o que não vai acontecer, porque até agora não vi nem passarinhos passando por aqui. A floresta estava em total silêncio, o que deu na cabeça do Harry morar numa floresta, na entrada de uma floresta pelo menos, porque tenho quase certeza que eu estava no meio dela agora, o celular nem pegava onde eu estava. Pelo menos eu estava segura, onde não existe pessoas, não existe perigo.

Só ia descansar minhas pernas e respirar um pouco para descer todo o caminho que andei e ligar para a Lucy que ainda estava em casa.

Ouvi um barulho de galhos se quebrando atrás de alguma árvore, me levantei e fiquei atenta olhando todos os lados. Talvez fosse apenas um coelho passando.

Mas então fiquei congelada e imobilizada ao ver um lobo saindo de trás de uma árvore, ele me olhava e caminhava bem lentamente em minha direção e rosnando. Nunca imaginei que morreria como comida de lobo. Se eu corresse ele me pegaria, se eu ficasse parada como estava, eu também morreria, o jeito era fechar os olhos e esperar ser dilacerada.

- Corre! - Disse uma voz me fazendo abrir os olhos de vez, era o William.

O que ele fazia ali?

- O quê? Se correr ele nos pega!

- Confia em mim. Apenas corra.

Ele tem razão, se eu vou morrer no mínimo não posso facilitar, então comecei a correr e ouvi os latidos do lobo.

- Mas e você William? - Gritei sem olhar para trás.

- Estou correndo bem atrás de você. - Gritou.

Nós dois morreríamos.

Depois de correr muito, parei quando não ouvia nenhum latido do lobo. Me virei para trás e não via o lobo ou o William.

- Sério que você estava preocupada comigo? - Disse o ele saindo de trás de uma árvore, então percebi que estava com os olhos cheios de lágrimas - Achei que você me odiava, mas está até chorando por minha causa - ele ria achando graça da situação.

- Não é porque te detesto que vou querer que morra principalmente me salvando - só agora fui perceber que a blusa dele estava toda ensanguentada - porque sua blusa está assim? - Perguntei temendo sua resposta.

- Se o lobo estivesse vivo ele teria nos matado, principalmente você que não corre nada.

Mesmo já imaginando a resposta eu não pude deixar de ficar chocada.

- E é claro, não precisa me agradecer! Afinal salvei a nós dois.

Não sei se era certo agradecer quando me lembrei daquela coisa de proteção aos animais, mas por outro lado eu podia estar morta pelo lobo.

- Quer vir comigo e tomar banho na minha casa?

- Você está me convidando para tomar banho com você? Uau... você é boa em agradecimentos!

Engasguei. E ele riu.

- Claro que não, mas você está sujo e minha casa é aqui perto, só temos que achar ela primeiro.

- Você está perdida? - Ele começou a gargalhar - Você sabe pelo menos o endereço?

- Sim. Só que não está registrado, não apareceu no GPS. Anotei o endereço no celular.

Entreguei meu celular a ele que leu o endereço. Ele sorriu.

- Sei onde fica. É a única casa na região, você mora bem longe da civilização.

- Não tive muita escolha. Mas e você? Não me diga que mora aqui perto?

- Eu não moro aqui perto. - E começou a andar em direção a onde quer que minha casa estivesse, o segui.

- Você não mora aqui perto ou só falou que não mora aqui perto porque minha pergunta deu a entender para que você falasse que não mora aqui perto?

Ele parou por um momento e olhou na minha direção.

- Você é engraçada. - E continuou a andar - Deve ser por isso que todo mundo gosta de você.

- Isso não é verdade.

- Claro que é, você mal chegou e fez amizades, vi você e seus dois mais novos amigos no refeitório hoje e a propósito falando de mim.

- Você se sente bem especial mesmo, não é? - Continuei andando olhando para frente - Nós não estávamos falando de você.

- Se não tivesse você não saberia meu nome. E você o gritou enquanto corria do lobo.

- Está bem! Falamos de você, mas é porque você foi mal comigo hoje.

- Eu? - Colocou a mão no peito como se eu tivesse cometendo uma injustiça com ele - Logo eu que sou um amorzinho.

Não deu tempo de revirar os olhos quando consegui localizar o topo da minha casa, comecei a caminhar em passos mais largos.

- Minha madrinha vai estar lá, então não fala nenhuma idiotice!

- Depois é eu que trato você mal. - Falou mais para si mesmo.

- Pode tirar o moletom sujo? Se isso for a primeira coisa que minha madrinha ver em você, não vai causar uma boa impressão.

- E agora você quer me matar de frio. - Lancei um olhar furioso para ele parar com as piadas - Tudo bem, tudo bem! Eu entendo que você quer que eu cause uma boa primeira impressão para que me aprovem como seu novo namorado. - Mandou uma piscadela.

- Longe disso.

Ele tirou o moletom puxando pela gola então a camisa que estava por baixo subiu revelando sua barriga malhada. Virei o rosto corado antes que ele pudesse notar que eu estava vendo o show.

Chegamos a varanda da casa. Fui pegar a chave na bolsa, mas então William agarrou meu pulso. Olhei na mesma hora para seus olhos azuis violetas.

- Você ainda não me disse seu nome.

- Melanie.

- Melanie... - sério que ele precisava do nome completo?

Ele e seus joguinhos.

- Melanie Grace Meyer. Satisfeito?

Ele arregalou os olhos e vacilou um passo para trás.

- Agora chega! Para de me fazer de idiota! - Empurrei seu peito com força, porém ele quase não se moveu.

Deixei ele para trás quando entrei em casa, ele é o tipo de cara que não precisa ser convidado, então me seguiu observando a casa de cima a baixo.

- Aconchegante!

- Fica aqui, acho que minha madrinha está na cozinha.

Felizmente ele me obedeceu enquanto fui para a cozinha.

Colado na porta da geladeira tinha um papel grudado em um imã que não estava ali da última vez. Peguei o papel:

Mell, tive que ir ao hospital ver um paciente, devo ficar lá até meu turno, mas Harry estará em casa às 18h00.

Quer dizer que estou sozinha com William, isso não deve ser bom. Ok, terei que apressar ele.

Voltei para a sala.

- Minha madrinha foi ao supermercado, mas já está voltando, quer dizer que ela nem precisa saber que você está existe, então toma banho logo e vai embora.

- Carismática você. - Ironizou - Onde fica um banheiro?

- Naquela porta. - Apontei na primeira porta subindo as escadas - você vai encontrar toalha e sabonete nas gavetas do armário.

Ele concordou dando as costas e indo até o banheiro, mas antes me jogou o moletom que eu peguei de mal jeito para não me sujar de sangue.

- Eu não vou lavar!

- Mal-agradecida. - Murmurou - Da próxima vez me lembre de não te salvar.

Bufei dando as costas e indo até à lavanderia.

Talvez cinco minutos depois o moletom estava sendo lavado na máquina. Passei no quarto do Harry e peguei um moletom caqui.

Sai do quarto e encontrei William saindo do meu quarto.

- O que você estava fazendo aí?

- Mexendo na sua gaveta de lingerie. - Falou dando de ombros como se fosse óbvio.

Ignorei.

- Então já que você tomou banho incrivelmente rápido, já pode ir porque minha madrinha já está voltando, vou te emprestar esse moletom do meu padrinho e amanhã nós trocamos. - Entreguei a ele que vestiu.

- Ir embora? Mas você nem almoçou. - Falou passando por mim e descendo as escadas.

- E o que isso tem a ver com alguma coisa de que eu disse? - Franzi o cenho o seguindo até a sala.

- Vou fazer alguma coisa para você comer.

- Quer dizer que tirou o dia para se dedicar em cuidar de mim?

- Eu disse que você tem uma coisa que atrai as pessoas.

- Olha, não precisa fazer nada! Já deve ter uma coisa na geladeira! - Falei me colocando na frente - Nos vemos amanhã.

Ele passou rápido desviando de mim e entrando na cozinha.

- Você não entende que é para você ir para minha madrinha não pegar você aqui? O que ela vai achar se eu trazer um homem para casa no primeiro dia de aula?

- Acho que ela não vai achar nada, já que não vai voltar. - Quando entrei na cozinha ele segurava o papel com o recado da Lucy.

Gaguejei.

- Porque está mentindo para mim? - Indagou vasculhando às gavetas - Por acaso, está com medo?

Ele se virou com uma faca na mão e fuzilando meus olhos.

            
            

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