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Capítulo 6 CADEIRA DE MADEIRA [ou Pergunte ao Oráculo como podemos ser felizes]


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INFÂNCIA
Que tempos aqueles:
A vida, uma bola
A alegria era escola
E o mundo inteiro feliz.
As tardes de pescaria
Nadar, jogar, brincar.
O tempo - eterno folgar
E tudo pedia bis!
À noite, a meninada,
Sentadinha na calçada,
A ouvir 'causos' de terror.
Lobisomens, que maçada!
O medo era quase nada,
Em meio a tudo, tanto amor!
As brincadeiras de pique-esconde
Salva-cadeia e balança caixão.
Histórias de reis e viscondes
Um mundo de amor e paixão.
Tudo isso ficou tão longe
E o tempo passou ligeiro,
Nas asas do meu coração...
ENGOLIR LAMBARI
Ia para lá com meu irmão. Eu deveria ter uns seis anos e ele quatro anos mais velho que eu. O poço era uma maravilha, mas como não sabia nadar, eu só ficava tomando conta das roupas dos moleques e, de guarda, para dar o grito no caso de aparecer o dono, que volta e meia, levava as roupas, fazendo com que a molecada voltasse para casa, vestida de Adão.
E ali, enquanto a turma nadava, dava pontas, mergulhava, eu ficava pensando em aprender a nadar, e para isto tinha que, religiosamente, engolir pequenos lambaris, que se pegava com uma peneirinha, nos pequenos regos que mourejavam naqueles brejos.
O poção, entancado com pedaços de troncos de árvores, galhos e embiras, ficava parecendo como uma pequena lagoa funda, e no barranco a turma improvisava um escorregador, jogando bastante água no barro, que ficava divertidamente escorregadio.
E era uma delícia! Brincadeiras e mais brincadeiras, naquele paraíso mágico de minha infância. Havia de tudo também: moleques, árvores, cipós – para brincar de 'Tarzan' - pássaros, natureza e muita felicidade-criança no coração.
A minha única preocupação era aprender a nadar e, para isto tinha que, toda vez, ou quase todos os dias, pegar os peixinhos para engoli-los vivos.
O tempo ia passando, eu engolindo lambaris e nada de aprender a nadar. Vez por outra, o dono daquelas terras aparecia, e, então, saía moleque correndo para todos os lados, enquanto o homem corria atrás, mas, sem êxito de pegar um moleque sequer, que espertos, se refugiavam na mata que ficava nas cercanias. Eu acho que também não era intenção dele pegar um moleque que seja. Era apenas para nos assustar, que assim ficávamos à espreita, esperando que ele se fosse, para voltarmos ao poço das delícias.
Foi assim, que um dia ensolarado de primavera, meu irmão, teve o impulso de me atirar dentro daquele poço fundo. Bebendo água, me afundando, batendo os braços, consegui, com muito esforço agarrar ao barranco e sair, engasgado, assustado e, ao mesmo tempo alegre, por haver aprendido a nadar, depois de longa demora e de muita vontade.
Consequentemente, o aprendizado brota da necessidade, que deve estar sempre aliada ao interesse e à motivação, pois tornei-me um grande nadador de córregos, riachos e ribeirões, por todo aquele meu reino dourado de Sant'Anna dos Olhos D'Água.
FLASH GORDON
Tudo no cinema era magia! A começar pelas bilheterias, que no começo eram altas, quase inacessíveis, a escadaria da entrada, de cortinas aveludadas, com uma moça ou um rapaz, às vezes, a pegar os ingressos, as poltronas, de madeira, o apagar das luzes, o abrir das cortinas, algumas vezes, com uma música de banda – marcha militar -, e aquela telona, imensa, do tamanho do mundo que ela mostrava!
Esse era o meu cinema – o Cine Theatro Santana, templo sagrado do prazer, da minha infância e juventude, a minha primeira escola de letras e de palavras, um mundo que fazia rir e também às vezes, fazia chorar...
No começo, pequeno ainda, só frequentava as matinês de domingo, a ver filmes, geralmente de Tarzan ou de faroeste – Durango Kid, Charles Starrett, Randolph Scott, e depois o tão aguardado, comentado, sonhado, ansiado – seriado do Flash Gordon – uma aventura espacial, nos mundos da lua, do rei Ming, e seus malefícios!
Dentro da sala escura, um silêncio sepulcral! Todos sabíamos que naquela sala escura era só para ouvir e ver! E então ficávamos muitas vezes agoniados, e até parecendo que vivíamos as aflições, os apuros e as vitórias do Herói e da sua bela heroína Dale!
O tempo dedicado ao seriado – que ficava para o final – após o filme – era um pouco mais ou menos de meia hora, e ele sempre parava numa cena de suspense, onde o herói estava encrencado e até parecia que não tinha jeito de escapar.
Mas bastava chegar o próximo domingo e então na continuação, a gente via que, não se sabe, se por magia, ou outro encantamento qualquer, o herói se safava e novamente, para nossa alegria, estava livre das garras tenebrosas do rei Ming, o Imperador da Lua!
RAIA
Bons tempos... Momentos felizes que ficaram gravados na memória e no coração. Lembro-me muito bem de um deles, célebre acontecimento que ocorreu em dois lugares naquele arraial de Sant'Ana dos anos 50. O primeiro, na saída para o rio Sapucaí, próximo à chácara dos Dias. Não me recordo se fui a este lugar. Mas, no entanto, o outro lugar, que ficou eternizado na minha lembrança, localizava-se na estrada velha para São Joaquim da Barra, entre a 1ª e a 2ª Mata.
Tratava-se de corrida de cavalos, numa pista, que lembrava um hipódromo, mas, apenas reta, sem curvas. A população, quase toda, se dirigia para lá nas tardes de domingo, e a maioria ficava desfrutando das sombras refrescantes da 1ª Mata, onde se improvisavam barzinhos debaixo das frondosas árvores. Que delícia as sodinhas e os guaranás, cujas garrafas empalhadas vinham embaladas em sacos rústicos e, que depois eram colocadas para gelar em meio às pedras de gelo, em tinas feitas de tambores.
Na raia empoeirada, logo após a estrada, a corrida se desenvolvia entre gritos de entusiasmo e de alegria, onde as apostas eram feitas nos cavalos concorrentes. Eu não entendia muito, mas sei que corria também muito dinheiro. E havia um belo alazão, um majestoso cavalo negro de nome Suíngue que era um verdadeiro campeão, eis que vencia quase todas as corridas.
Todos os domingos ia, em companhia de meus pais, para aquele lugar que nos enchia de alegria e felicidade. Não fiquei, no entanto, sabendo do destino de Suíngue, nem o que foi feito da raia, que terminou melancolicamente, sem avisos e sem notícias.
O que sei e que guardo até hoje é uma lembrança querida daqueles tempos de ouro que não voltam mais...
REZAS, BANDEIRAS E TROPEÇÕES
COMO EU GOSTAVA daquela procissão! Quantas recordações trago no coração e na alma, daqueles tempos de menino, participando da vida religiosa da cidade.
ACORDAVA CEDO, mais ou menos às 4 da manhã. Tinha que me preparar, arrumar para ir com minha mãe até a Igreja Matriz, de onde sairia a procissão da 5ª. Feira Santa.
MORÁVAMOS BEM no alto da cidade e até a igreja tinha mais ou menos um quilômetro.
NÃO VIA A HORA chegar para encontrar com meus colegas. Juntos – formávamos um batalhão – ou seria, a infantaria, pois o padre e seus ajudantes nos colocavam em fila a puxar a procissão, somente atrás da alta cruz, do andor e das bandeironas azul e branco, lindas, mais parecendo torcida da Argentina. (No quintal de outra casa que havíamos residido passava um pequeno córrego, e eu mais Noé, um amigo de infância – que já se bandeou pro lado eterno – saíamos pelos quintais com folhas de bananeira a cantar, a plenos pulmões: "A Bandeira de 'gódia', O pendão de Jesus Salvador...")
NESTA PROCISSÃO só iam os homens. As mulheres formavam outra procissão, sendo que uma subia a avenida Dona Tereza e a outra a avenida Carlos Fernandes.
SAÍAM AS DUAS do mesmo lugar e depois de uma boa caminhada, novamente se encontravam no mesmo lugar. Era emocionante! Dava-se então o encontro de Jesus flagelado com sua mãe. Era tudo muito triste, com a maioria das pessoas se vestindo de cores escuras em sinal de luto e de dor.
DE VEZ EM QUANDO o séquito parava e então, surgia uma mulher - toda vestida de preto - que começava um canto triste, numa linguagem ininteligível, que nos fazia chorar de tanto dó.
EU NÃO GOSTAVA desses momentos. O bom era quando estávamos caminhando em fila, pelas ruas da cidade, onde íamos arregimentando munições para os nossos propósitos. Como as ruas eram de terra batida, e estando na frente, pegávamos pedras, pedaços de pau e tijolos, que íamos deixando estrategicamente no caminho, para que, algum incauto pudesse neles tropeçar. E quando acontecia, para nós era como se fosse um gol e uma verdadeira festa! Era um verdadeiro jogo, onde disputávamos um campeonato, a fila do lado direito contra a fila do lado esquerdo.
Isso também acontecia nas outras procissões, realizadas no período noturno, à luz de velas, naquelas ruas escuras e esburacadas daquele mundinho querido de Sant'Anna.
E HAVIA UM PADRE, que dizia: "meninas pra cá, meninos pra lá!" E era um saco! – aí ficava difícil, porque nos separavam das meninas, e com elas não tinha papo, nem jogo, e a procissão passava a ser uma coisa chata, que demorava acabar.
MAS TUDO PASSA nas contas do tempo...
A MAGIA DAS PALAVRAS ANDANTES
"No tempo que eu não te conhecia, aprendi numa lousa de palavras andantes que se movimentavam na casa do silêncio e da escuridão... Foi assim que comecei a descobrir que Felicidade é uma ave passageira, que voa horizontes no coração de poucos seres..."
(in "Reflexos da Alma")
Mal comecei a andar e já me bandeava, gurizinho, para os lados daquela casa que eu acreditava mágica e, onde na maioria das vezes, se ria, e outras tantas, muita gente grande chorava, principalmente, as mulheres e as mocinhas.
Na minha miúda visão eu achava que as imagens moravam ali mesmo, detrás daquela telona branca, que era encoberta por uma cortina num tom vermelho grená.
E então, nesta casa que não se podia conversar e que ficávamos às escuras, foi que comecei a prestar atenção nas letras e palavras que iam passando na tela, depois que as cortinas bonitas se abriam. Minhas irmãs e também suas colegas, iam contando para mim o que elas diziam.
'E assim com o passar do tempo fui me familiarizando com aquela casa mágica e já sozinho ia me virando com as palavras, que vinham acompanhadas de músicas e de imagens.
Quando entrei no grupo escolar, com seis anos de idade, já estava totalmente familiarizado com as letras e com as palavras, que havia conhecido na casa do silêncio e da escuridão.
Esta é toda a minha admiração e meu amor pelo cinema. Chamava-se Cine Theatro Santana, e era o melhor cinema do mundo, do meu mundo! No começo frequentava apenas as matinês de domingo, e não via a semana passar, para, principalmente assistir ao seriado, ora de Flash Gordon, ora de Rod Cameron e outros tantos que povoaram de encanto, de graça e de ternura o meu pequeno mundo.
Os filmes eram todos em preto e branco, mas nossa vida era toda ricamente colorida, o que fazíamos também colorindo as imagens ao nosso gosto e à nossa imaginação.
E com o passar do tempo foram surgindo heróis e heroínas, a desfilar na tela e na alma e em nossos corações: Roy Rogers, Randolph Scott, Gary Cooper, Cary Grant, Burt Lancaster, Clark Gable, Audi Murphi, Stewart Granger, Ava Gardner, Rita Hayword, Susan Hayword, James Stewart, Elisabeth Taylor, Rock Hudson, Oscarito e Grande Otelo, Cantinflas, O Gordo e o Magro, Charlie Chaplin, Dean Martin & Jerry Lewis, Humphrey Bogard, Laureen Bacall, Sofia Loren, Gina Lollobrigida e outras centenas...
Religiosamente ia ao cinema todas as noites, muitas vezes, acompanhado por meia dúzia de expectadores. Todas as noites lá estava eu para ver um filme ou revê-lo, se fosse em reprise. Como eu era apaixonado pelo cinema!
A magia que existia me acompanhou pela vida e ainda hoje, sinto uma emoção gratificante e alegre quando, raras vezes, me dirijo a um cinema.
Os tempos são outros e hoje, com a preponderância da televisão, dos aparelhos de DVD e outros recursos mais sofisticados fecharam as salas de cinemas nas pequenas cidades, e praticamente as restringiram em Shopping Centers nos grandes centros.
CAÇADORES DE OSSOS
"Decidi caminhar no pó das estradas, e sentir o aroma do araçá dos longes... ...e olhar pro céu para encontrar despojos, a troco de vinténs, na seca do destino.
Aquela casa, escondida numa curva, sugeria prazeres que meu sonho ansiava. E eram os mesmos, os vinténs que aplacavam a sede e a fome.
E tudo era tão bom..."
(in "Reflexos da Alma")
1960. Começo de um novo tempo, linha divisória entre o velho e o novo, década que daria início a revoluções em todos os sentidos.
A seca impiedosa se estendia por toda aquela região de Sant'Ana dos Olhos D'Água, onde os últimos pingos de chuva há muito haviam deixado de cair por aquelas bandas e cercanias. O pó das estradas, vermelho e fino penetrava silenciosamente na vida e na alma de cada um. Os regos d'água deixaram de existir, secando também os brejos, os banhados, as nascentes e as lagoas. Tudo era seca, era pó, era tristeza infinda.
O pequeno comércio vivia quase às traças e nas ruas empoeiradas, as gentes do lugar não tinham coragem de deixar suas casas, naquele triste cenário de seca e de pobreza.
Foi aí que tivemos a ideia,- uma meia dúzia de moleques, a maioria ainda usando calças curtas,- de arrumarmos uma carrocinha de mão, para procurar ossadas, pois com a terrível seca, o gado estava morrendo nos desérticos pastos.
Zé Martim, cujo pai era dono de um bar, encarregou-se de arrumar a carrocinha, enquanto meu irmão Mauro, exercia o comando da molecada, por ser o mais velho.
E lá fomos nós, puxando aquela coisa, pelas estradas empoeiradas, com os olhos para o céu, na esperança de avistar urubus, os anunciadores dos despojos que apodreciam pelos pastos ressequidos.
Mesmo assim, com toda aquela seca inclemente, a natureza nos oferecia, ora uma goiabinha do mato, ora um saboroso araçá, cujo aroma era pressentido de longe.
E então, as ossadas iam surgindo, aqui e ali, muitas vezes, com os restos do couro e das gorduras que ficavam fritando no sol impiedoso.
Obedecendo às ordens do "Capitão", íamos colocando os ossos na carrocinha, até enchê-la, com uma certa rapidez e também muito cuidado, porque meu irmão, que tinha um coração de ouro, também sabia ser austero e bravo, conforme a ocasião.
Com a carga completa, 'mandávamos' para a cidade a fim de fazer a entrega ao dono do único ferro-velho, onde também funcionava um engenho, 'tocado a burro', cujo pobre animal ficava o dia inteiro, tocando de roda, para moer a cana.
E assim, muitas viagens fizemos com esta carroça, à cata de ossos, que trocávamos por míseros vinténs e, muita garapa, melado e rapadura nos alegraram, naquela casa que ficava escondida numa curva, na saída para a cidade de Guaíra.
A LAGOA ENCANTADA 2 [Saved by the Bell...]
Era um dia como os outros: repleto de alegria, de sol e de calor. Em bando, após a aula da manhã, saímos, alegres e felizes rumo à lagoa maravilhosa.
Pouco tempo depois já estávamos nos deliciando com a suavidade e o prazer da sua água e da sua beleza. Passados das 4 da tarde ouvimos um barulho estranho, parecendo um tropel de cavalos. Afoitos, saímos da água, pegamos nossas roupas e nos arrumamos.
Mal nos voltamos para onde estava vindo o barulho, avistamos três homens a cavalo, correndo em nossa direção.
Nem é preciso dizer que saiu moleque para tudo quanto é lado e, nesta estratégia conseguimos nos safar dos perseguidores.
Corri tanto que cheguei à mata e então foi que me deparei sozinho. Meus companheiros estavam em qualquer lugar, ou escondidos ainda ou já estavam na minha frente.
De repente o caminho foi ficando esquisito, parecendo desconhecido, e eu avançava uns passos e retrocedia depois, totalmente perdido, numa mata diferente e nunca vista. Será, meu Deus, que havia 'relado', sem querer, no cipó do esquecimento, planta que, acreditávamos, fazia a gente se perder no meio do mato?
E agora, sozinho, nesta mata desconhecida, "como vou fazer para voltar pra casa" e a noite logo vai chegar.
Resolvi ficar andando, pra lá e pra cá até que esbarrei meu pés num garrancho de um outro cipó, e rolando por uma perambeira me dei conta que havia caído num buraco escuro e tenebroso.
Olhei ao redor e, com o coração aos saltos, vi restos de ossos e pedaços de madeira apodrecida. Olhei para cima e divisei um velho cruzeiro, numa madeira velha e carcomida. Saí dali num átimo e descobri que estava perdido, seguramente dentro do cemitério velho, que já ouvira meu pai várias vezes mencionar este lugar, que ficava nos limites da fazenda que ele até a alguns anos possuía.
É era mesmo o cemitério, cujas pessoas ali foram sepultadas, bem distante do lugarejo, porque morreram de uma doença altamente contagiosa, praticamente no começo do século 20.
Saí dali e voltei para onde estava, antes de haver caído. Nem mal estava tentando procurar um caminho que me levasse de volta para casa, eis que ouço um som conhecido: os sinos da igreja estavam badalando e eram, aqueles toques de enterro.
Marquei o rumo de onde vinha o som e consegui encontrar o caminho de volta.
Como nas lendas e histórias que percorrem o mundo, comigo também havia ocorrido a mesma coisa: salvo por um sino, 'saved by the bell'...
PERFUME DE GARDÊNIA
"Perfume de gardênia/ Tem em sua boca/ E um lindo arco-íris/ De luz em seu olhar..."
(de uma canção)
Como era bom aquele tempo de outrora, quando nos meses de junho e julho se realizava a quermesse em louvor à padroeira Sant'Ana.
A população da cidade e também das cidades vizinhas compareciam aos festejos que se realizavam nas noites dos fins de semana.
Uma belíssima barraca no formato circular, de estilo exótico e de belas formas acomodava uma multidão de pessoas, que de suas mesas participavam do leilão de prendas, da alegria contagiante que imperava no recinto, em forma de correio-elegante, de música agradável, do 'quimbol' (uma espécie de bingo), e de outras diversões que muito alegravam a vida e encantavam a alma.
"Uma cervejinhaaaa... bem geladinhaaaa....", gritava "Tide" (Erotides Zanini) - o locutor do serviço de som, onde os apaixonados ofereciam música à suas amadas, como prova de muito amor.
Garoto ainda, não via a hora de estar nesta quermesse, que tinha outras atrações, como o 'Homem Misterioso', uma figura com a cabeça encoberta e toda dissimulada, - um cidadão escolhido na cidade - e que para votar tinha que pagar tentando descobrir quem poderia ser o que só seria desvendado no última dia de quermesse e a 'Cadeia', onde as mulheres eram as policiais que prendiam os homens, os quais só eram libertos mediante fiança e mais e mais atrativos que nos enchiam de alegria e de prazer.
Um pequeno conjunto musical animava a festa: Miguelzinho no trombone, Carlão Jacaré no pistão, Louzinho no pandeiro, Hélio na guitarra, e muitas vezes, a presença de Sô Belmiro (trombone de vara), Maestro Romualdo (violino), Mobrice Marqueto no clarinete e outros, que de uma forma ou de outra, davam sua colaboração, abrilhantando os festejos.
A nossa preocupação de menino não eram mais do que duas ou três: escrever correio elegante para as meninas, ganhar uma prenda no quimbol (bingo) e muitas vezes, sair atrás do carro que levava o Homem Misterioso, para descobrir quem poderia ser a figura mascarada, e que, para isso, íamos de bicicleta, mas, eles de carro, nos despistavam facilmente e decepcionados e cansados voltávamos para a festa, sem poder descobrir quem era.
A recompensa para quem descobrisse era muito boa: muitas vezes era em dinheiro e outras, em prêmios, como geladeira, rádio, e outros eletrodomésticos.
Várias vezes a gente ia preso a mando das meninas e, sem dinheiro para pagar a soltura ficávamos lá, dentro daquela 'cadeiazinha', à vista de todos, envergonhados, e só sendo soltos, já no fim da festa, quando o movimento diminuía.
E os correios elegantes que a gente escrevia – muitas vezes com pseudônimo - e de longe ficava observando a reação de quem o recebia... ansiosamente aguardando a resposta, com o coração a mil...
Sem dúvida alguma, esses festejos marcaram minha infância e minha juventude e, hoje relembro com ternura e com saudade daqueles bons tempos, naquele mundinho encantado de Sant'Anna dos Olhos D'Água.