/0/1208/coverbig.jpg?v=b9f8746e05d274f9e395304891bc1430)
5
Capítulo 6 CADEIRA DE MADEIRA [ou Pergunte ao Oráculo como podemos ser felizes]


/ 1

ANÔNIMO
É o futuro, dizem
E eu continuo
Com meus passos
No passado.
Nada mais funciona como antes
E muitas vezes,
Vou para onde não quero ir
Tudo vai de mal a pior:
Os homens,
As máquinas,
As guerras...
Até o tempo!
Sinto que me entardeci
Já não estou mais na moda
Falo e ninguém ouve
Escrevo e ninguém lê.
Guia-me uma vontade louca
De me isolar,
Distanciar
Desaparecer
O glamour das plateias
não mais me atrai
Nem me alucina
Percorro ruas em silêncio
Na cidade vazia.
...
Na vitrine
Um manequim sorri...
PORTA ERRADA
"Quando o relógio da vida avança além dos 60 anos, algumas peças do cérebro podem começar a enferrujar. Mas um problema em especial é capaz de acentuar dramaticamente esse declínio, dizimando áreas como o hipocampo e o córtex, responsáveis pela memória, aprendizado e capacidade de planejamento. Estamos falando da doença de Alzheimer, condição em que uma parte dos 100 bilhões de células nervosas e dos 100 trilhões de conexões entre elas, as sinapses, é destruída de maneira lenta e progressiva. Esse arrastão faz com que as lembranças - e, com o tempo, outras funções cognitivas - caiam literalmente no esquecimento."¹
Ultimamente, a minha visão de mundo e das coisas que nos envolvem, têm-se mostrado, quase sempre, ao contrário do que realmente são.
Há pouco tempo, ao chegar à casa de um amigo, notei que a maçaneta do portão estava do lado contrário e, qual não foi a minha surpresa saber que, aquela maçaneta nunca mudara de lado.
Com o hábito, já há muito adquirido, de dormir, quase sempre, a cada noite, em um lugar diferente, às vezes acabo colidindo com as paredes, uma espécie de confusão mental que, amiúde tem me tirado o próprio sono.
Por precaução, ando tomando uma espécie de complexo vitamínico, receitado por uma médica amiga, para prevenir, além dos esquecimentos, outras funções vitais do organismo.
É triste, aliás, muito grave mesmo, encontrar com uma pessoa, que se mostra amiga, íntima até, e você ficar, com cara de tacho, na frente dela, sem saber quem ela é. Outras vezes, ter a palavra na ponta da língua e ficar vasculhando a memória, sem resultado algum. O nome de uma música, de um livro, de um filme parece-nos confiscados a um lugar sombrio, ermo, antigo...
Penso que as sinapses funcionam como pontes a levar as lembranças de um lugar a outro. É deveras triste, caminhar tanto para chegar a lugar nenhum, ainda mais, perdido no meio do nada, sem saber para onde ir.
Dizem que a memória é a casa da saudade. "Algumas vezes escolho ir até lá, mas em outras sou tragado, assustado, sem nem ao menos perceber, para dentro dela.
Em algumas dessas visitas inusitadas estou num cômodo que rouba um sorriso dos meus lábios. Foi em fração de segundos que me descobri ali, experimentando uma sensação gostosa que rompe em riso e, no auge da alegria, faz brotar uma lágrima, motivando-me a celebrar a vida, escrevendo a alguém "só" pela gratidão de tê-lo em minha história.
Outras vezes, o lugar que visito não é tão agradável... Ou o é, não sei... É estranho quando isso acontece, o coração aperta, revela a incerteza de como cheguei até lá, e não sei muito bem o que vou encontrar. Esse cômodo, por mais que tenha tanta vida e me brinde com doces bolhas de boas memórias, traz a certeza do nunca mais. É aí que as lágrimas se multiplicam e molham os lábios, que teimam em sorrir, ao olhar o bom que houve.
Não é possível escrever com gratidão, restando uma oração silenciosa, que parece me transportar dali e me fazer descansar em paz.
Celebrar a vida, dessa vez, é perseguir o exemplo e fazer nascer sementes... Flores e frutos que não morrerão, já que a vida fala mais alto que a morte.
Nesse entra e sai da memória, em que você não escolhe fato, momento, pessoa ou lugar, descobre-se, enfim, que a vida, a cada instante, deve ser celebrada. Aumentam-se, assim, os cômodos, eternizando aquilo que é precioso e mantendo aquecido e afinado o canto do coração." ²
Citações:
¹ Goles contra o Alzheimer - Thaís Ferreira
² A casa da saudade – Coelho Neto
RETRATO
Pouco tempo atrás, precisando de fotos novas para documentos, fui até meu 'retratista' de longa data, excelente profissional e grande amigo.
Após me ajeitar na minha pose, não preferida, mas a correta posição para a foto pretendida, ele captou a minha imagem nas suas lentes de registro.
Passados alguns minutinhos, - eis que hoje, a rapidez é a alma do negócio - as fotos ficaram prontas e tamanha foi a minha decepção com o resultado, que acabei brigando com ele.
Não poderia ser, nunca, jamais, aquela pessoa estampada naquela foto! Jamais era eu. Pensei até que um espírito velho perdido, desvairado e fugido das 'profundas' tivesse entrado na máquina de tirar fotografia.
Meu amigo, profissional experiente, apenas ria e, admirado, não acreditava no que via...
Após pagar por aquela ignomínia, saí dali praguejando horrores e com aquelas ridículas e horríveis fotos no bolso.
Mas, ao chegar em casa e de frente para o espelho deparei-me novamente com aquela cara horrorosa que estava nas minhas fotos.
Oh, calendas, minhas calendas! "Aurora da minha vida que os anos não trazem mais..."
(Para meu amigo Joãozinho Vilas Boas, onde estiver).
SOBRE JANELAS E PORTAS
"A janela se abre para que se possa ver, observar, enquanto que a porta se abre para receber de braços abertos um amigo, um irmão, alguém...
Neste mundo há de tudo... Há pessoas que simplesmente se acostumam a ser janelas, enquanto que outras nascem portas e assim serão pelo resto de suas vidas. Não podemos esquecer que a porta também se abre para sair, ir de encontro a alguém, ir de encontro à vida. Também, com certeza, há outros atributos para a janela, pois além de observar, ela também pode ser vista com prazer, admirada, cantada em prosa e em verso, adornada com suas flores que colorem a vida enfeitando olhares e corações.
Entretanto, pensando bem, todo mundo, de uma maneira ou de outra é janela e é porta. Somos janela quando nos quedamos, estáticos a observar e a admirar as belezas que nos mostra a vida e, somos porta quando além de receber em nossos corações essas belezas, as levamos para os outros..."
REFLEXÕES SOBRE A VIDA E A MORTE
A pessoa toma conta que envelheceu quando passa a viver só de recordações.
Nesse estado sente-se que as perspectivas acerca do futuro são de apenas pálidos momentos de minguada ternura. As ilusões se desvanecem, o sonho acaba. A realidade passa a preencher cada momento da vida, tornando-a cada vez mais entediante e rotineira. O tempo, então é vivido em torno de futilidades e nada mais importa. Não há mais emoção alguma. Acaba-se o mistério que move a vida. O amor, eterna essência que alimenta a alma, sobrevive arraigado em meio às lembranças de um tempo outrora feliz. Cessa-se a vontade da procura devido ao temor do desencanto. Não há mais esperança alguma. Vive-se apenas do passado e o amanhã é mera continuação de um 'flashback' interminável. Uma tênue chama de fé é o que ainda sustenta a vida, onde cada minuto vivido é uma eternidade. As satisfações são imediatas, cujas sensações servem apenas para que se faça comparações com sentimentos dantes experimentados.
Nada é duradouro, não há liames com o mundo atual, e não existem medidas.
O passado, como gigantesca teia, envolve tudo, encarcerando a vida, num espaço sem saídas e sem retorno. É o fim...
ALZHEIMER
Há muito tempo venho tentando escrever poemas e não consigo. Dificilmente passo do primeiro verso. Às vezes, penso em algo e ao decidir por fazer, esqueço o que havia pensado.
Na última Bienal do Livro, em São Paulo, perdi a chave do meu carro. Ainda bem que havia ido, de carona, com o meu bom amigo, o Prof. Norberto. Devo tê-la colocado em algum lugar e, sem nenhum registro cerebral, não posso lembrar onde a esqueci. Só sei que, tenho esquecido várias coisas, em casas de amigos, em bares, repartições, coletivos. Isso, como disse no início já vem de muito tempo...
Vejamos: Um dia, ao chegar em casa, ouvi um som diferente vindo do refrigerador. Parecia algo, como se fosse o tilintar de um telefone. E era! Na noite anterior, ao ir dormir, simplesmente fiz a estranha troca: coloquei meu telefone sem fio na geladeira, no lugar do doce de leite que estava comendo, que foi parar em cima do criado-mudo, que por ser mudo não me alertou em nada. Só sei que minha geladeira, além do telefone, de vez em quando, abrigava dicionários, livros, cadernos de anotações, discos e até canetas. Era mais que uma biblioteca, era uma livraria inteira! Mas, isso foi há muito tempo, várias décadas atrás.
Atualmente, com esses novos acontecimentos ou esquecimentos, meus amigos estão preocupados comigo e, um deles, uma pessoa que tenho na mais alta consideração e vice-versa, enviou-me um e-mail com um quebra-cabeça, dizendo que se eu conseguisse montá-lo seria sinal de que estaria livre do alemão. Pois bem, consegui resolver o quebra-cabeça num tempo inferior a três minutos, sendo que se falavam num mínimo de cinco. E daí?
Eu sei que, só no Brasil, existem cerca de 15 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade. Seis por cento delas sofrem do Mal de Alzheimer, segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAZ). Em todo o mundo, 15 milhões de pessoas têm Alzheimer, doença incurável acompanhada de graves transtornos às vítimas. Nos Estados Unidos, é a quarta causa de morte de idosos entre 75 e 80 anos. Perde apenas para infarto, derrame e câncer.
O Mal de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que provoca o declínio das funções intelectuais, reduzindo as capacidades de trabalho e relação social e interferindo no comportamento e na personalidade. De início, o paciente começa a perder sua memória mais recente. Pode até lembrar com precisão acontecimentos de anos atrás, mas esquecer que acabou de realizar uma refeição. Com a evolução do quadro, a doença causa grande impacto no cotidiano da pessoa e afeta a capacidade de aprendizado, atenção, orientação, compreensão e linguagem. A pessoa fica cada vez mais dependente da ajuda dos outros, até mesmo para rotinas básicas, como a higiene pessoal e a alimentação.
No ano passado, com a queda que levei, fraturei braço, cotovelo e antebraço. Pior, pois sendo canhoto, tive que, por muito tempo, utilizar da mão direita para todas as atividades. Isso, não obstante as dificuldades, foi muito bom porque deu-me a oportunidade de desenvolver o outro lado do cérebro.
É sabido que o cérebro tem duas metades, que são virtualmente imagens de espelho, uma da outra, mas que têm funções diferentes. O lado esquerdo do cérebro controla a função da fala, a lógica e a razão, é a parte científica de cada ser humano. O lado direito do cérebro reconhece formas, padrões e sons, é a parte artística de cada ser humano que aparece em momentos de inspiração.
Os pensamentos são eventos eletromagnéticos de muita curta duração que acontecem no sistema neurológico. Toda imagem afeta o cérebro produzindo mudanças no sistema nervoso e em sua química influenciando a maneira em que se sente. As emoções afetam diretamente os sistemas musculares, hormonais, o estado físico, as decisões, as ações, os pensamentos e comportamentos. A linguagem que utiliza imagens metafóricas para guiar uma corrente de pensamento, é chamada ideográfica - ilustrações muito simples e abstratas que permitem transmitir instantaneamente muitas coisas de uma vez, é captada pelo lado direito do cérebro, transmitindo um significado comum junto com todas as ideias conectadas a ele; transmitindo tudo que significa o objeto, como se tivesse ensinado o que representa, para que serve, quem o fez e como se utiliza. Essa forma de comunicação por imagens e não por palavras, é a base da telepatia (faculdade do lado direito do cérebro).
A palavra é uma coleção de letras e sílabas captada pelo lado esquerdo do cérebro, baseada na linguagem humana ao invés de desenhos de objetos, expressando um só conceito congelado; sendo uma forma mais estreita de consciência. A escritura de sílabas que se supõem tenha sido um dos avanços mais importantes da história do homem, apareceu quando abandonaram um sistema baseado no lado direito do cérebro.
A Torre de Babel representou a perda da comunicação através das imagens, um acontecimento que atrasou o desenvolvimento da consciência do homem. A maneira baseada no lado direito do cérebro, combinada com a maneira atual racional, baseada no lado esquerdo do cérebro, levará o homem a um novo lugar: o uso simultâneo dos dois hemisférios, acelerando o desenvolvimento de sua consciência. Esse foi o caso dos Maias. Esta linguagem conduz o homem a um estado simultâneo de razão e intuição (solar e lunar; masculino e feminino). Uma civilização que se comunica dessa maneira consegue mais facilmente alcançar níveis de frequências mentais aceleradas, produzindo uma visão integrada de toda realidade.
Consciente dessas verdades, durante todo o tempo que estava convalescendo, pratiquei muitas atividades e continuo a praticá-las, principalmente aquelas que se destinam ao lado esquerdo do cérebro. Também, como de costume, leio muito antes de dormir e não durmo sem fazer as minhas palavras cruzadas. Aqui em Vinhedo, tenho muito contato com pessoas de outros países, principalmente da Alemanha. Tenho uma amiga, que há muito mora neste país e que, de tempos em tempos renova seu convite para que vá visitá-la e assim conhecer a nação germânica. Nem sei mais se irei mas, espero que assim, por intuição ou paradoxo, sendo amigo de gente bávara, o Alzheimer permaneça longe de mim.