Me controlo ao máximo para não andar saltitando enquanto encaro esse pequenino livro azul em minhas mãos como se fosse o maior tesouro do mundo. Agora que está finalmente assinado, com certeza conseguirei alugar uma casa e sair das ruas perigosas dessa cidade; mostrarei aos meus pais, que me expulsaram de casa apenas com as roupas que estou no corpo – uma camisa de mangas curtas, calça surrada e sapatilhas com um pequeno furo na sala–, que de agora em diante sou uma pessoa independente, e não preciso mais contar com a piedade de estranhos para sobreviver.
A assinatura na minha carteira de trabalho é o meu passaporte para uma vida melhor...
- Aí!
Gemo de dor ao bater a minha cabeça na parede macia, caio de bunda no chão.
- Merda! - exclamo frustrada, rapidamente me levanto e com as mãos abertas espalmo sobre minhas roupas para tirar a poeira do chão.
Ergo um olhar raivoso para a parede, mas sinto a surpresa deixa minha mente branco com a visão da parede de músculos cobertos por um terno preto sob medida.
- Ei cara, olha por onde anda! - Reclamo, recuperando a minha razão.
- Aqui não é lugar para mendigos - diz a parede de músculos, seu tom grosseiro e hostil tentando me humilhar faz a raiva fulminar dentro de mim, ergo as vistas em sua direção, e por um instante, quase esqueço que esse babaca me derrubou no chão e nem ofereceu a mão para me ajudar. O que tem de bonito, tem em dobro de idiota.
Apesar do brilho penetrante dessas safiras azuis, seus olhos destilam frieza e um vazio assustador. No entanto, seu charme não passa despercebido: sobrancelhas espessas e escuras contornam o olhar sério e hostil, a barba por fazer acrescenta um toque jovial, e a boca rosada, larga e carnuda completa o quadro facial. É lamentável que toda essa beleza se restrinja apenas à aparência externa.
- Um mendigo tem mais educação que você - retruco, recuperando a compostura. - Derrubar uma dama no chão, não pedir desculpa e nem sequer a ajudá-la a se levantar, é um perfeito ogro - alego petulante, olhando-o de cima a baixo com o lábio superior franzido demonstrando todo o meu desprezo. Mas quem começou com as ofensas foi ele, então que aguente agora, oh belo ogro.
- Não estou vendo nenhuma dama, só uma pirralha maltrapilha - ele continua me ofendendo, fazendo minha raiva crescer ainda mais.
- E eu só vejo um ogro feio! - Exclamo exaltada.
Certo, de feio ele não tem nada. Ele aparenta ter uns trinta anos, mas isso não importa. No meu mundo, a beleza externa não é tudo.
- Com quem você acha que tá falando, menina? - Pergunta, de cara feia, tentando me intimidar. Comigo isso não funciona não, garotão.
- Com um ogro mal-educado que saiu direto do pântano! - Respondo, atrevida.
- Sua fedelha... - ele xinga com a voz rouca, fazendo-me arrepiar. O gelo em seus olhos dá lugar a chamas azuis de ódio, como se saídas direto do inferno. Sinto meus ossos começarem a tremer enquanto ele se aproxima de mim com passos firmes e ameaçadores.
Mesmo com uma língua atrevida, sou extremamente medrosa. Dou passos para trás, e, para minha salvação, uma mulher de meia-idade se coloca entre mim e o ogro.
Observo a senhora de costas. Ela está usando um terninho elegante, o cabelo é curto e um pouco grisalho, na altura dos ombros. Saltos médios e finos completam o visual.
- Fernando, meu filho, estão todos te esperando na sala de reuniões. Você não pode se atrasar - diz a mulher suavemente. A expressão no rosto do ogro volta a ficar neutra, me deixando aliviada. Ele acena com a cabeça para a mãe e dá as costas, sem nem olhar para mim. Ainda bem, estou nova demais para conhecer o céu.
É melhor eu aproveitar essa chance. Viro de costas e levanto a perna para dar o primeiro passo, mas uma mão toca meu ombro, interrompendo o movimento.
- Qual o seu nome, querida? - pergunta a mulher.
- Laura Martins - falo, fico de frente para ela. - E a senhora?
- Pode apenas me chamar de Cristiane - ela responde meigamente, finalizamos a apresentação com um aperto de mão. - Você é bem jovem, tem mais de vinte anos?
- Vinte e quatro, senhora - respondo alegre, é sempre bom parecer que temos uma idade menor.
- Você já conhecia o meu filho?
- Aquele ogro... hum-hum - pigarreio. - Eu não conhecia o seu filho não - respondo. - Ele esbarrou em mim e me derrubou, só isso.
- Ah, sim - a senhora sorrir, e por alguma razão, acho o seu sorriso suspeito. - Sinto muito. Você machucou-se?
- Agora já estou bem - comento, sorrindo. Apesar de achá-la suspeita, ela aparenta ser gentil. - Obrigada pela preocupação. Já vou indo. Tenha um bom dia!
- Para você também, querida. Nós nos veremos mais vezes - ela declara e sorrir, eu sorrio amarelo e me afasto.
Assim que coloco os meus pés para fora dessa empresa, o vento bate no meu rosto, respiro aliviada.
- Cruzes, nada contra a senhora, mas espero nunca mais ver aquele ogro na minha frente.
As imagens do nosso primeiro encontro começam a distorcer-se na minha mente, e minha cabeça dói enquanto luto para abrir os olhos. A luz branca da lâmpada acima de mim é intensa, forçando-me a piscar várias vezes até minha visão se ajustar. Estou deitada em um lugar estranho, mas logo reconhecer ser um sofá. Tento me sentar, mas meus músculos protestam. Minha mente está uma névoa enquanto tento lembrar o que aconteceu.
De repente, ouço uma voz conhecida.
- Não, por favor, não! - Reconheço a voz do ogro, extremamente baixa.
Viro a cabeça lentamente na direção do som e o vejo caído de joelhos no chão. Ele está visivelmente abalado, com a expressão arrogante agora substituída por puro pânico, seu rosto pálido e as lágrimas rolando por suas bochechas.
- Não, por favor - ele repete.