O horror da imagem tingida de vermelho me dá náuseas - membros perdidos, um braço aqui, pernas ali, espalhado pelo interior do carro, o forte cheiro do sangue...
Enquanto o passado me consome, uma gota de suor frio traça um caminho pela minha testa. O descompasso de meu coração martela contra meu peito, enquanto minhas vistas se embaçam com a iminência de mais um colapso emocional. Lágrimas, antes contidas, agora fluem livremente, embaçando minha visão, e meus joelhos, subjugados pelo peso da memória, cedem sob mim. Com um baque surdo, encontro-me de joelhos no chão, meu corpo inteiro tremendo.
O rosto, que outrora ostentava uma expressão de fúria, agora é a própria imagem do sofrimento, marcado por sulcos profundos de dor. Energo e sinto o cheiro das chamas que dançam vorazmente ao redor, lambendo os restos de metal retorcido que emana um calor insuportável. Consigo ouvir os gritos se intensificando, um coro de vozes aterrorizadas e doloridas se aproximando, enquanto a distinção entre passado e presente se torna cada vez mais tênue e indistinta.
O suor banha meu rosto, e cada batida do meu coração parece ecoar em minha cabeça, uma marcha fúnebre descompassada e sufocante. A falta de ar me faz abrir e fechar a boca, mas de nada adianta, estou sufocando. De novo, preso no passado que é tão vívido e terrível.
- Não, por favor - sussurro, minha voz trêmula de desespero. Já não consigo discernir se meu apelo é para que eles não se afastem ou para que esta dor lancinante cesse. As memórias assombram os cantos mais escuros da minha mente, fazendo-me perder qualquer noção de realidade. Um gosto amargo e metálico invade minha boca, símbolo pungente de minha impotência e desespero.
- Ogro? Ei, ogro - uma voz surge ao longe, frágil como o sussurro do vento. Será que se dirigem a mim? Essa voz suave, de quem é? Eu lembro que tem uma pessoa que me chama assim...
Nesse instante, um silêncio profundo engole todos os ruídos. As imagens tumultuadas se dissipam e sou submergido numa calmaria abrupta. Minha respiração, antes ofegante, lentamente vai encontrando um ritmo mais suave, quase normal. Relutantemente, abro os olhos e me deparo com Laura me observando, seus olhos fixos nos meus, despidos do desafio que usualmente carregam.
Neste momento, não a vejo mais como a pirralha irritante que me chama de ogro, mas sim uma presença reconfortante cujo olhar ilumina a escuridão em que me afundei. O calor de sua mão sobre a minha me surpreende, trazendo um alívio inesperado, meu coração vai se acalmando.
- Você está bem? - Laura pergunta, seus olhos castanhos cravados nos meus, cheios de preocupação genuína.
Pisco várias vezes, tentando reorientar-me, e instintivamente, retiro minha mão do seu toque quente que agora parece queimar minha pele.
- Ah, já sei, você estava chorando de preocupação comigo, não é? Eu não esperava por essa, você é mesmo um ogrinho fofo - ela brinca, mal contendo uma risada provocativa, enquanto bagunça meus cabelos com um gesto brincalhão.
Me afasto rapidamente e me levanto, enquanto ela faz o mesmo.
- Não precisava chorar, cara, eu só... foi só... foi só uma queda de pressão, isso, foi uma queda de pressão - ela gesticula levemente, suas palavras tropeçando umas nas outras, como se estivesse tentando preencher o silêncio com uma explicação que nem mesmo ela parecia completamente convencida.
- Eu não estava chorando! - Exclamo, a voz elevada e as minhas mãos se fecham instintivamente em punhos. Sinto uma mistura de irritação e vulnerabilidade borbulhando dentro de mim, a vergonha de ser visto num momento tão frágil adicionando uma camada extra de frustração...
Ela me encara, uma sobrancelha, seus olhos castanhos brilham em um desafio petulante.
- E o que é isso aí molhado nas suas bochechas? - Sua voz é carregada de sarcasmo, provocando-me ainda mais.
Reviro os olhos impaciente, era só o que me faltava.
- É suor! - Respondo prontamente, a defensiva me dominando, enquanto tento controlar a tensão em meu corpo. - Fiquei nervoso, você estava tão pálida que achei que tinha morrido.
Ela morde o lábio, lutando para conter uma risada, claramente divertida com minha resposta.
- Aham, sei, lágrimas agora têm outro nome - ela zomba, descrente.
- Chega! - Grito alterado. - Isso não é da sua conta! - Rebato, irritado e humilhado, virando-me abruptamente em direção à porta da área dos funcionários.
Enquanto caminho, um turbilhão de emoções me consome.
Merda! Merda! Merda!
- Você também tem seus demônios, não é? - Laura murmura suavemente, tão logo alcanço a maçaneta da porta. Sua voz carrega uma mistura de questionamento e afirmação, tocando fundo na minha alma.
Sem olhar para trás, fecho os olhos brevemente e engulo seco, lutando contra a vontade de responder. Minha mão trêmula levemente ao tocar a maçaneta da porta. Sem mais palavras, abro a porta e saio