Eu não sabia que tudo poderia ficar ainda pior do que estava, mas naquele primeiro dia em que pisei na nossa casa e não tive Nate me acompanhando, aquele vazio imenso dentro de mim foi devastador. Ele sempre foi tão cuidadoso, sempre tão carinhoso e, mesmo assim, essa doença maldita o arrancou da minha vida e me tirou a chance de dizer adeus. Sequer pude velar seu corpo, ele foi enterrado quando eu ainda estava inconsciente.
Minha cabeça não funcionou bem por semanas e precisei de muito esforço para tomar coragem e reagir àquilo. O anel de noivado continuou em seu lugar, nunca saiu da minha mão e provavelmente nunca sairia, afinal aquela era minha última lembrança dele, uma lembrança da nossa felicidade e amor, um lembrete do amor que eu nunca mais iria sentir.
Não consegui dormir no nosso quarto por um mês inteiro, mal conseguia entrar nele sem sentir o cheiro de Nate e começar a chorar outra vez. Ele era o meu mundo inteiro, a cola que mantinha minha vida completa, mas agora eu estava completamente quebrada e não sabia se iria querer ser arrumada outra vez.
- Você precisa seguir em frente, querida - minha mãe falou do outro lado da linha.
- Eu sei disso - respondi, suspirando. - Sei que Nate iria querer isso para mim, mas não é tão fácil. Ele era tudo que eu tinha nesse país, agora estou sozinha outra vez.
- Não fale assim, você ainda tem suas amigas.
- Não é a mesma coisa.
Eu podia imaginar o olhar preocupado da minha mãe naquele momento, podia ver com clareza ela coçando o nariz como fazia sempre que ficava ansiosa com algo. Eu sei que ela quer o melhor para mim, que deseja o meu bem e nada além disso, mas ela ainda tinha meu pai ao seu lado depois de todo esse pesadelo.
- Quando termina seu curso?
- No final do ano - me ajeitei no sofá. - Perdi o prazo para o último semestre e preciso esperar o próximo.
- Talvez você devesse sair um pouco de casa, dar uma volta no parque - ela falou. - Fica sempre presa aí dentro, lembrando de tudo e se machucando mais. Isso não é saudável, minha filha.
- Sair não é uma opção, não quero ficar doente outra vez - suspirei, cansada. - É melhor eu dormir um pouco, mãe. Preciso afastar minha mente disso.
Eu sabia que ela não concordava com isso, mas a apatia era recorrente na minha vida agora e eu precisava dela para sobreviver, então me despedi secamente e desliguei o telefone, mas não dormi como deveria. Consegui apenas me deitar no sofá e ficar olhando para a tela do meu telefone, imaginando tudo que poderia ter sido se aquela doença não tivesse invadido nossas vidas. Estaríamos casados agora, aproveitando nosso terceiro mês como marido e mulher, talvez poderíamos finalmente ajeitar as coisas para a lua de mel, mas eu estava sozinha.
Eu chorei outra vez enquanto pensava naquilo.
Porém, depois de algumas horas, eu senti um incômodo no peito, senti a necessidade de reagir. Eu sabia que precisava fazer algo, meu futuro dependia disso e eu precisava viver o que Nate sonhou em me ver conquistando. Eu precisava mudar a minha vida por ele. Comecei indo atrás da universidade, ligando até conseguir falar com a secretaria e garantir minha matrícula para o próximo período, que começaria em breve. Quando consegui isso, busquei informações sobre novas vagas de estágio disponíveis na cidade para a minha área, pois meu antigo emprego não contaria para essas horas que eu precisava no curso.
Durante essa pesquisa, encontrei uma vaga em específico que fez meu coração saltar no peito, pois era justamente o que eu queria e precisava para dar uma guinada na minha vida e carreira. Scott Industries estava com vagas para estágio remunerado e duraria tempo suficiente para que eu pudesse preencher as horas que eu precisava. Se eu conseguisse aquilo, poderia me estabilizar outra vez e seria uma ótima experiência para colocar no meu currículo.
Me inscrevi sem pensar duas vezes, respondendo tudo com cuidado para não estragar minhas chances, então fechei o notebook e encarei o ar por alguns minutos.
- Eu preciso fazer isso - sussurrei para mim mesma.
Me levantei e troquei de roupa, então peguei um par de máscaras e fui até a primeira loja que encontrei para comprar algumas caixas e outras coisas que precisava. Quando voltei, peguei as minhas aquisições e fui para o quarto que passei meses evitando, pois era hora de enfrentar meus fantasmas.
O cômodo estava imaculado, deixado da mesma forma que ficou quando saímos às pressas para o hospital. Os lençóis bagunçados, meu roupão no chão ao lado da cama, o par de chinelos de Nate no mesmo lugar de sempre porque ele se recusava a usar algo nos pés dentro de casa.
Precisei respirar fundo e engolir o choro para conseguir começar a arrumação, o que levou algumas horas. Juntei as coisas dele em algumas caixas, mas deixei um perfume no banheiro, não queria apagar completamente a sua memória. Algumas das camisas ficaram junto das minhas roupas, perfumadas com o cheiro dele para me trazer certo conforto, só precisava me lembrar de não usar uma para dormir. Depois de organizar as caixas, nomear a importância de cada uma e guardar no quarto de hóspedes vazio, finalmente pude limpar o quarto apropriadamente, mas tirei os lençóis da cama e joguei no lixo. Não queria mais aquela lembrança permanente do que aconteceu.
Quando terminei de organizar tudo, peguei o estojo do violino e soprei a poeira dele antes de abrir, pegando o instrumento com as mãos hesitantes.
- Tantos meses fugindo de você - sussurrei para o violino. - Como se você tivesse culpa de algo.
Respirei fundo e abri a revista de partituras, tentando não errar drasticamente enquanto tocava uma das favoritas de Nate.
Me aprofundei nos acordes de "Lacrymosa" tão rápido que não vi o tempo passar, apenas fechei os olhos quando já me sentia confiante o suficiente e fiz o que pude para não errar, mas consegui manter o ritmo dramático da música até o seu fim. À medida que eu tocava, minha mente se afastava mais e mais para as lembranças, os sorrisos de Nate me observando enquanto eu praticava, seus olhos me sondando a todo momento, carregados de paixão e admiração. Eu sempre recebia um beijo e um elogio quando terminava, mas desta vez recebi apenas o silêncio e sabia que precisava me acostumar com isso.
Já era quase dez da noite quando terminei de arrumar tudo que precisava e fui tomar um banho antes de preparar uma pizza de micro-ondas rápida. Jantei apenas isso e bebi um pouco de água antes de ir dormir, pois havia muito o que fazer no dia seguinte.
Deixei de lado muitas coisas quando o Covid chegou, deixei mais ainda quando entrei no luto profundo que me prendeu em casa por tanto tempo. Precisava recuperar minha vida aos poucos, juntar meus cacos e recomeçar, então comecei por dentro. Pintei a casa, mudei alguns móveis para algo mais simples e menor, não queria coisas muito espaçosas na casa. Aos poucos, aquilo foi se tornando uma imensidão sufocante e eu sabia que precisava me mudar, mas não tinha para onde ir.
Certo dia, liguei para os meus pais através de uma chamada de vídeo para me ajudarem com essa decisão importante.
- O que vocês acham? - Perguntei, depois de explicar tudo que vinha sentindo.
- Se você acha que é tão necessário para seguir em frente, talvez seja uma boa ideia, minha filha - meu pai disse, aproximando o rosto da tela. - Você tem certeza de que está pronta para abrir mão desse último pedaço de Nate? Nós sabemos como ele era importante para você.
- Sempre será, papai, mas ele não está mais aqui - mordi meu lábio, nervosa. - Não consigo me imaginar criando uma vida nova aqui. Se algum dia eu me apaixonar outra vez, não quero trazer esse homem para a casa que pertencia ao meu falecido noivo.
- Tem razão, querida, mas o que os seus sogros pensam disso?
- Eles disseram que a casa é minha, se eu assim quiser, mas eles também vão entender o motivo de eu não querer ficar - suspirei. - Eu não consigo mais. Cada segundo aqui cria uma ferida nova, o fantasma dele está em todos os lugares dessa casa e eu não posso viver no passado para sempre.
- Então talvez...
Meu celular tocou e interrompeu o que minha mãe dizia. Acenei para eles pedindo um momento e me afastei do notebook para atender, pois não reconhecia o número e estava curiosa.
- Alô?
- Boa tarde, eu falo com Dahlia Lúgassi?
- Na verdade é Lugassi, com mais entonação no a - corrigi educadamente. - Sim, sou eu.
- Falo do setor de recursos humanos da Scott Industries - fiquei paralisada por um instante. - Você passou na primeira etapa para o estágio, gostaríamos que a senhorita comparecesse no nosso prédio principal na West Augusta Boulevard.
- Claro! Quando devo ir?
- A senhorita pode vir na segunda-feira às oito, se prepare para o dia e boa sorte!
- Muito obrigada!
A moça se despediu rapidamente e desligou, me deixando calada e crescendo a euforia dentro de mim. Meus pais me chamaram algumas vezes e meu sorriso era gigantesco quando me virei para eles outra vez.
- Eu consegui a vaga! - Gritei, animada.
Eles celebraram comigo por um tempo, mas logo foram dormir e fiz o mesmo, pois precisaria enfrentar um longo fim de semana até o primeiro dia de trabalho.