Em casa tirei minha maquiagem, e troquei de roupa. Acho que por conta da bebida acabei perdendo o sono, então fui pra sala e coloquei um filme pra assistir. Tia Lurdes se despediu pra dormir e avisou que Diego ia bater na porta pra pegar as chaves dele que esqueceu aqui. Pediu que eu abrisse a porta pra ele porque ela estava cansada.
Pouco tempo depois Diego bateu, abri o portão e voltei ao filme. Ele passou direto pra cozinha sem me olhar, pegou algo dentro da geladeira e apagou as luzes, em seguida sentou no mesmo sofá que eu só que longe, com um copo de água em uma mão, e suas chaves na outra. Ficou mexendo em seu celular até eu falar.
- Valeu por me levar também. Foi legal. - Falo sem tirar os olhos da televisão. Já esperando ele começar com as gracinhas.
Ele guarda o celular no bolso e coloca o copo na mesa, em seguida se arruma no sofá.
- Hum. - Murmura com a cara fechada, pensativo.
- Que foi, tá de mal humor é? - Falo revirando os olhos.
- Tô querendo mandar um pro saco hoje! - Fala puto.
- Credo! - Fiz uma careta.
Ele me olha e sorri de canto.
- Tu já tinha ido lá?- Pergunta voltando ao assunto.
Balanço a cabeça que não, ainda olhando pra tv.
- Porra de filme é esse! - Ele berrou depois de algum tempo calado. Prestando atenção no filme comigo. Ele tinha se assustado com a freira que aparece na Annabelle. Gargalhei alto da cara dele colocando a mão na boca pra não fazer barulho.
Pela primeira vez eu estava confortável ao lado do Diego, ele estava um pouco longe de mim, e parecia sem malícia nenhuma.
- Muda isso carai! - Fala de cara fechada sem tirar os olhos da televisão. Como se a qualquer momento alguém fosse sair da tela. Sorri com a cena.
- Se eu contar isso pra favela você perde a pose rapidinho em! - Falo sorrindo.
Ele fecha a cara de novo. Puxo assunto tentando distrair ele. Parece que aconteceu algo sério na boca.
Ele não presta mais atenção no filme, e nem me deixa assistir também, fica falando besteira, contando suas histórias de adolescente vida louca, e fico sorrindo com isso.
Acordo com frio e com dor no pescoço, quase caindo do sofá. Não sei em que parte da noite eu adormeci. Ficamos um tempão conversando e assistindo, mas eu me lembro de estar deitada sozinha e com a minha coberta. Agora Diego que está esparramado tomando a maior parte do sofá, quase me derrubando e dormindo tranquilamente. Ele puxou toda a coberta pra ele, me deixando passar frio. Egoísta!
Levanto pegando apenas meu travesseiro, desligo a televisão e vou pro quarto, quase batendo nas coisas de tanto sono.
Meu celular desperta cedo, me fazendo praguejar. E me xingar mentalmente por não ter ido dormir cedo ontem. Meus olhos não querem ficar abertos.
Tomo um banho pra despertar, coloco uma calça jeans apertada, que realça bastante minhas curvas, um tênis branco e o uniforme. Prendo o cabelo em um rabo de cavalo, passo corretivo embaixo dos olhos, depois passo rímel e um hidratante labial. Saio do quarto desejando dormir até tarde, mas hoje tenho teste de química.
Tia Lurdes está terminando de coar o café, quando me vê abre o sorriso.
- Bom dia minha filha.- Ela fala da cozinha.
- Bom dia tia. - Falo passando pelo Diego deitado no sofá de boca aberta. Sorrio baixo.
Pego duas panelas e bato alto fazendo ele pular do sofá.
- Que desgraça é essa maluco! - Ele levanta indignado e alerta.
Eu e tia Lurdes gargalhamos da cena. Ele fica puto e sai xingando pra sua casa, ainda meio desnorteado de sono.
- Parece que vocês se acertaram mais né? - A tia fala sorrindo.
- Ele só foi menos idiota ontem. - Respondo.
- É bom ver vocês se dando bem finalmente. Ele custa entender que tu não é da laia da Letícia. - Ela fala.
Reviro os olhos irritada.
- Não é por nada não Bia, ele comeu o pão que o diabo amassou com aquela diaba!- Ela o defende.
- Mas eu não tenho culpa Tia Lurdes. E ele fica me comparando o tempo todo, descontando a raiva que tem dela, em mim. - Falo lembrando das patadas que já me deu.
- Depois da conversa que eu tive com ele, eu sei que ele vai parar com isso. - Me surpreendo ao saber que ela falou com ele. - Diego é um menino bom Bia.. Só precisa largar essa vida que leva, porque isso não da futuro pra ninguém. Nunca quis fazer isso, sempre foi estudioso, vivia pelo mundo, indo pra praia, pras baladas da vida, até o o infeliz do meu finado irmão, pedir pra ele fazer parte desse inferno! - Ela me conta. Eu não fazia ideia da história do Diego. Mas parece mesmo que ele estudou, pois tem um bom vocabulário, quando quer. Sempre foi justo com os moradores e prezava a paz, diferentemente do Vitão irmão dele, que toca o terror em todo mundo e parece um maluco.
- Ele podia ter se negado né? A fazer parte. - Falo terminando de comer e me levanto pra lavar meu copo.
- O Mauricio tava morrendo, foi a última coisa que pediu pro Diego, vingar a morte dele e ajudar o irmão a cuidar do morro. Na época que tudo aconteceu, ele estava tão revoltado que nem pensou duas vezes. - Ela explica.
- Que história. - Falo pensativa. - Mas não é tarde pra ele sair dessa vida né.. -
- Rezo todo dia pra isso. Perder meu irmão já foi dor pra vida toda. Eu nunca precisei desse dinheiro sujo deles, sempre trabalhei até ter meu restaurante e trabalhar ainda mais. Se os meninos saíssem dessa vida, comida e lugar pra morar é que não ia faltar.. - Ela fala lavando as louças.
- A mãe deles é a mesma? - Pergunto curiosa.
- Não.. a mãe do Vitor o Mauricio botou pra fora do morro quando ele ainda era menino e depois meu irmão conheceu a mãe do Diego. Que morreu a alguns anos. - Ela fala.
Conversamos mais algumas coisas até me despedir dela. Pego minha mochila e saio de casa pra encontrar as meninas.
A maioria dos dias da semana se passaram assim. De tarde estudava ou dormia com o Ruan, e a noite saia pra rua com o Diego, com a Carol e com a Mayara, ou apenas eu e o Diego ficávamos assistindo filme até tarde. E eu sofria pra acordar cedo no outro dia.
A Carol não passou mal novamente então não cobrei mais ela de fazer o teste. Só que estava estranha cheia de segredinhos em seu celular. Não perguntei nada, quando ela estiver confortável me conta.
O Diego está na dele, brinca numa boa mas sem tentar nada comigo. E está me respeitando sem me encher ou me comparar com a minha irmã. Posso dizer que estamos amigos agora. Ele não é tão ruim quanto eu pensava.. Quando estamos na praça ele fica tipo olhando sempre, apostando que vou ficar com algum dos amigos da Carol. Mas não solta nenhuma piada mais. Quando estamos na quadra vendo ele jogar com os amigos, ele apela se algum deles ficar de gracinha comigo ou com a Carol, porque fala que não é pra gente se envolver com linha de frente.
Ele também sempre fica em alerta do Francisco aparecer. Mostra que se preocupa com isso e que o meu "pai" não terá segunda chance.
Hoje tia Lurdes me pagou pela semana, comprei um vestido preto bem bonito pra festa de mais tarde, alguns produtos de higiene pessoal que estava precisando e guardei o restante.
Estava pintando as unhas no salão que a Carol trabalha, quando uma mulher entra falando alto com alguém no telefone.
A Carol fica estranha e me olha. Como se quisesse falar alguma coisa, mas estamos longe uma da outra.
Reconheço que é a fiel do Vitao, quando termina minha unha a moça começa a atender ela.
- Eu tenho certeza que o meu marido tá com alguma vagabunda conhecida minha! - Ela fala alto, conversando com a manicure. Coisa estranha de se falar no meio de tanta gente. Provavelmente ela quer atenção.
A Carol vem pro canto do salão onde eu estou, e começa a fazer ondas em meu cabelo.
- Tá passando mal de novo? - Pergunto baixo a ela, que nega com a cabeça.
- Ah mas piranha não se cria dentro da minha casa não, se eu descobrir quem é morre na hora! - A doida continua. Ela é uma morena alta, com o cabelo preto que passa da bunda. Tem o braço todo fechado de tatuagem e seu corpo é bem bonito. Me lembro agora que já vi ela pelo morro. - E aí Carol, quanto tempo nega!- Ela cumprimenta minha amiga sorrindo, parecendo ter visto ela agora. - Nunca mais foi lá em casa. - Fala no tom de voz normal.
- Tudo bom Marina? - Carol sorri meio sem graça. - To sem tempo mulher! -
- E o baile hoje, tu vai? - A tal Marina pergunta.
- Vou não. Eu e a Bia vamos pra uma festa hoje, fora do morro. - Carol fala sem olhar pra mulher.
- Ah tu que é a Bia? Que tá morando com a Lurdes agora né?! - Ela fala curvando a cabeça pra me olhar, sorrio amigável pra ela. Pensando em como a conversa nesse morro corre rápido.
- Povo fala que tu é a cara da Vagaba da Letícia, não achei não. - Ficou me analisando.
- Eu também não acho não - Fecho a cara. Só falta ela também não gostar de mim por conta da minha irmã.
- Aparece la em casa amanhã então Carol, tu também Bia. Vai rolar um churrasco pra comemorar meu aniversário. Só para os VIPs em! - Ela pisca pra gente.
Carol confirma que vamos mas não me parece ser verdade.
A dona do salão chega e a Marina passa o resto do tempo falando com ela, sobre a amante do Seu marido que ela quer matar. Essa mulher é bem doida, de ficar expondo a vida assim. Mas fala umas coisas engraçadas, que mata a gente de sorrir. E pelo jeito parece que era amiga da Letícia antigamente, mas a minha irmã também aprontou alguma com ela, porque ela xinga a Letícia em toda oportunidade. Isso me incomoda mas infelizmente eu não posso fazer nada, não vou comprar briga de uma irmã que nem conheço direito, essa é a verdade.
Fui pra casa comer e esperar a Carol, íamos sair bem tarde de casa, porque no sábado ela não sai do trabalho enquanto a última cliente não vai embora. Então fiquei deitada no sofá conversando com o pessoal no grupo até ela me avisar que chegou em casa.
Levanto e vou tomar um banho. Depois faço uma maquiagem simples, apenas delineador e rímel, que destaca meus olhos. E na boca um batom rosa.
Coloco o vestido preto, ele é justo e desenha as curvas da minha cintura e quadril. Carol me emprestou uma botinha preta de salto estilo militar pra usar hoje. E deu super certo com o vestido.
Passo a mão nos meus cabelos ajeitando as ondas que fiz mais cedo. Depois vou pra sala me olhar melhor no espelho grande e aprovo a roupa e a maquiagem. Gostei de tudo, me sinto bem confiante.
- Caralho em .. - Diego me olha malicioso pelo espelho murmurando algum palavrão que não entendo direito, e passando os dedos em sua barba.
Dou uma voltinha e pisco pra ele. Que arregala os olhos com minha atitute inesperada. Vejo a oportunidade de brincar com sua cara.
Então ando bem devagar passando os olhos por todo seu corpo. Ele sorri se achando.
- Gostou Ferrí? - Pergunto parando bem perto dele, e arqueando a cabeça pra ficar mais alta. Diego não formula nenhuma palavra, só balança a cabeça devagar afirmando e me olha com cara de safado.
Ele curva seu corpo se aproximando de mim e passa a mão forte por minha cintura me apertando contra ele. Sinto seu perfume gostoso mas não me abalo. Gargalho alto fazendo ele ficar confuso.
- Eu sei. Mas tira a mão que não é pro teu bico! - sorrio tirando seus braços fortes de mim e saio rebolando e sorrindo.
- Volta aqui! - Ele fala com a voz rouca.
Quando me viro ele tá na minha frente me olhando sedento. Fico com medo quando ele coloca a mão no meu pescoço e se aproxima devagar.
- Com malandro não se brinca loirão! - Ele fala com a voz fria. - É igual brincar com fogo, uma hora tu se queima.
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Pois somos tipo passarinhos, soltos a voar dispostos a achar um ninho nem que seja no peito um do outro.
Emicida
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