A duas semanas atrás o Diego me odiava, e eu não sei porque isso mudou tão rápido. Como se eu fosse realmente me envolver com um traficante. Mesmo que seja o Diego, um dos homens mais bonitos do Vidigal, alto, tatuado, cara de marrento e todo intimidador. Que tem toda mulher que quer, tanto daqui quanto de fora, elas abrem as pernas sem nem pensar duas vezes. Mas a vida de luxo, ouro e poder não me interessa nem um pouco, vindo de traficantes. Porque vi de perto o que a minha irmã passou quando namorou com ele, apesar de na época ser muito nova, ainda lembro dela me mostrando os presentes caros que ganhava dele, e lembro mais ainda dela chorando sempre.
Não sei exatamente o que aconteceu entre eles, na época rolou muita fofoca, mas é bem nítido o ódio que ele tem dela. Só sei que eles terminaram e ele expulsou a Letícia do Vidigal, nunca mais tive contato com ela, ela me deixou com o Francisco e nem olhou pra trás. E o Diego passou a ter raiva de mim e do meu pai, como se tivéssemos culpa de alguma coisa que a Letícia fez com ele.
Como a Carol não quer descer, decido ficar e curtir a festa do jeito que da. Passo o resto da noite bebendo e dançando com ela, tentando esquecer o olhar do Diego em mim. Ele está sentando diretamente na minha reta, algumas mulheres ao redor dele, mas ele não tira o olho daqui, analisando cada movimento. Por mais que eu evite olhar pra ele, não consigo.
Despertei seu interesse em um único sentido, eu não sou besta. Talvez ele esteja me olhando e pensando na minha irmã, somos muito parecidas fisicamente. Mas nunca cometeria os mesmos erros que a Letícia.
- Vou embora. - Aviso a Carol. Já passa das 3 da manhã e meu pé está doendo. Ela fica me pedindo pra ficar mais um pouco, mas não consigo. Me despeço dela, do Kaká, e de algumas pessoas conhecidas que vejo. Desço e saio da quadra já procurando um mototáxi.
Quando encontro, é um conhecido, ele sabe onde fica minha casa e vai seguindo pelas ruas, passando pelas escadarias. Escuto o barulho de uma moto potente atrás da gente, e mais duas pra trás, seguindo, ou fazendo a segurança.
O mototáxi me deixa em frente a escadaria que preciso subir pra chegar em casa. Bem na ponta tem um bar, que ainda está aberto. A primeira pessoa que vejo é o Francisco, ele está muito bêbado falando com alguém. Quando ele me olha, começa o esculacho. Gritando e fazendo cena, me chamando de piranha por ter ido ao baile, e me humilhando na frente das pessoas. Quando ele me pega pelo braço e começa a subir a escadaria já me batendo, o barulho das motos fica alto, e escutamos um assovio.
- Olha quem voltou! - O Diego fala descendo da moto, ele se aproxima segurando meu pai pelo pescoço com uma mão, com a outra ele pega a pistola e aperta em sua testa. - Já tava na hora né filho da puta! - Fala com o olhar frio. O negão desce da moto dele também junto com o menor e os dois se aproximam da gente.
- Eu vou pagar todo mundo patrão! - Francisco fala tremendo com a voz falha de medo. - Eu fiz um corre, to com o dinheiro. - Ele fala tirando uma mochila das costas, o Diego solta ele e sorri ao olhar dentro da mesma. Sempre soube que o Francisco não daria certo como traficante, porque ele é viciado, usa mais do que vende. Fez dívida com a boca e com todo bar da favela. Assim que saiu do trabalho de eletricista, eu sabia que ele iria vender drogas e se dar mal.
- Ta certo! - O Diego passa a mão na barba. - Mas tu sabe que eu não admito essas paradas ai no meu morro né! - Ele aponta pra mim com uma gesto de cabeça.
- Tu gosta de bater em mulher né filha da puta! - O Negão fala se aproximando e dando uma coronhada no Francisco. Que cai se contorcendo.
Depois da alguns chutes nele enquanto me encolho chorando com a cena.
- Não mata ele! - Peço baixo e chorando enquanto olho pro Negão.
- Você ta com dó desse desgraçado que te bate pra caralho? - Negão fala se aproximando de mim.
- Não. - Falo baixo e com ódio lembrando de tudo que o Francisco já me fez. - Mas não quero que ele morra por minha causa! - Sussurro olhando pro Diego.
- E tu quer continuar apanhando? - O Diego pergunta me olhando nos olhos.
- Não! - Sussurro e fecho os olhos. Ele se afasta e pega sua arma, aperta na cabeça do Francisco e fala:
- Não quero tu mais nem na porta da boca, seu filho da puta! Isso aqui paga a dívida mas não paga o desrespeito com a tropa, aproveita bem teus últimos dias, quanto menos eu te ver por aí, mais tempo tu tem de vida. - Diego fala e o Francisco se encolhe com medo, depois me encara com ódio.
Lanço um olhar suplicante ao negão, ele é tio da Carol e me conhece desde pequena, sabe bem o que eu passo.. Ele então se aproxima do Diego e fala alguma coisa baixo.
-Vai arrumar tuas coisas! - Ele fala me fazendo arregalar os olhos.
- Não tenho pra onde ir! - Falo baixo olhando pra ele.
- Vou te levar pra casa da minha tia, ou tu prefere continuar aí apanhando? - Me pergunta. Procuro segundas intenções no seu olhar, mas ele parece com raiva e sem paciência.
Me viro pro Francisco, ele me olha cheio de ódio.
Subo as escadas correndo, pegando a chave na bolsa, estou com muito medo de ficar, mas também de ir com ele. Entro tirando o salto e colocando uma havaiana, pego algumas roupas pra escola, meus materiais e maquiagens, jogo dentro da mochila e saio descendo as escada. Francisco tá no bar e o Diego tá sentado na moto conversando com o Negão e me olhando.
- Sobe. - Fala seco e eu relutante obedeço com dificuldade por conta da saia.
Tento segurar na parte de trás da moto mas ele arranca rápido, subindo pelas ruas igual um maluco, aperto meus braços em sua cintura, quando sinto a arma em sua barriga me assusto e levanto um pouco a mão. Não acredito que to na garupa de um traficante. E logo na do Diego, depois de tudo que aconteceu hoje.
Pouco tempo depois chegamos a parte de cima do Vidigal, ele aperta um botão no controle e entra com a moto em uma casa grande, tem uma rodinha de pessoas bebendo e jogando. Desço da moto envergonhada e todos nos olham.
- Pega que o problema é teu! - Diego fala pra tia dele e ela me olha preocupada, levanta e vem me abraçar.
- Boa noite! - Falo baixo acenando timidamente, tentando ser educada e todos me respondem.
- Tá tudo bem minha filha? O que aconteceu? - Pergunta me analisando. Diego está cumprimentando as pessoas enquanto ela me leva pra dentro de casa. A tia Lurdes era amiga da minha mãe, e amava a Letícia, eu não lembro muito como era quando o Diego e ela namoraram, mas hoje em dia a tia Lurdes também odeia por tudo a minha irmã, e não suporta nem ouvir o nome dela. Mas ao contrário do sobrinho dela, sempre soube separar bem as coisas, e nunca me tratou mal, pelo contrário, me ajuda em muitas coisas.
- O Francisco voltou, ele estava me machucando quando o Diego chegou.. - Explico sentando na mesa da cozinha enquanto ela enche um copo com água e me da.
- O Diego.. ele, matou ? Ele? - Pergunta agoniada.
- Não! Não ainda, eu acho, porque o Francisco deu dinheiro pra ele, não sei como ele fez pra conseguir esse dinheiro, mas por isso não morreu! - Explico.
- Ele te machucou? - Pergunta me olhando com pena. É o olhar que mais recebo por aqui, eu odeio tanto as humilhações que o Francisco me faz passar..
- Mais o meu braço. - Levanto o pulso pra ela.
- Isso não é um pai, é um monstro. - Ela fala fazendo massagem no meu pulso. - Tá com fome? Quer comer alguma coisa? - Ela pergunta e eu nego.
- Não vou incomodar vocês? - Pergunto desconfortável.
- Claro que não minha filha! Para de bobeira. Eu sempre quis que você saísse daquela casa Bia! Mas amanhã a gente conversa direitinho, vou te levar pro quarto, você pode ficar à vontade. - Ela fala e eu a sigo pela casa.
- Tu pode ficar com esse quarto aqui, os lençóis das camas estão limpinhos, e tem toalha nesse guarda-roupa. - Ela fala abrindo as portas. - Coloca suas roupas aqui.
- Obrigada tia Lurdes, eu nem sei como agradecer tudo isso.. - Falo baixo envergonhada.
- Imagina Bianca, já era pra você ter vindo pra cá a muito tempo! - Ela fala. Conversamos algumas coisas e ela sai do quarto.
Pego uma toalha e vou pro banheiro que fica perto do quarto. A casa dela é grande e toda limpinha, assim que tomo banho volto pro quarto e me deito na cama, fico pensando sem conseguir dormir.
Eu to com medo. É isso, medo do Francisco entender isso como uma afronta, e em algum momento descontar em mim sua raiva pela ameaça do Diego, por ele ter me tirado de lá sem o Francisco poder fazer nada. Penso varias coisas, em como vai ser daqui pra frente, agora não dá pra voltar atrás, não posso voltar pra lá porque o inferno vai ser duas vezes pior.
Isso ocupa minha mente e não consigo pensar muito no Diego, e em como fazer ele entender que não tô fazendo doce, eu realmente não quero nada com ele!
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No dia seguinte acordo com fome, levanto e vou ao banheiro, depois de escovar os dentes saio pra sala, a tia Lurdes está na cozinha e me chama pra tomar café.
- Bia durante a semana o Ruan vai pra escolinha de manhã, e a tarde ele estava ficando com uma amiga minha, mas eu não to gostando mais de levar ele pra lá, estava preferindo alguém pra ficar aqui em casa mesmo com ele. - Ela fala colocando café na xícara. - E se você quiser a gente pode combinar um valor por semana, pra você cuidar dele na parte da tarde, pode ser? - Ela pergunta e eu fico muito feliz com a ideia, acertamos um valor muito bom por sinal, e ficamos conversando mais um pouco. Ruan tem quatro aninhos e é muito educado, vou adorar cuidar dele. E assim eu vou me sentir muito melhor aqui, porque estarei sendo útil, ajudando em algo em troca do lugar pra ficar.. Não sei como vai ser daqui pra frente, mas já é um bom começo.
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Descreve ser feliz, mas com outro gosto
A melhor maquiagem é o sorriso no rosto
E ela vai com o seu jeito, que ninguém entende..
Tribo
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