Em seguida tentou se convencer.
- A Vera precisou de ajuda. Por uma feliz coincidência eu estava lá. O Ricardo vai falar com ela depois e isso não é da minha conta. Principalmente, se ela for comprometida. O melhor que faço é deixar para lá.
O tempo estipulado pelo médico passou e Zeca decidiu entrar novamente no posto de saúde para buscá-la.
- O senhor é o acompanhante? – Perguntou outra enfermeira.
- Sou. Vim aqui para buscar a Vera Sucupira. Para levá-la de volta.
- Por favor, siga as recomendações dadas pelo médico. Não deixe sua namorada fazer muito esforço. Pelo menos por hoje.
- Claro, senhora. – Respondeu com estranheza. – "Talvez, respondi assim, para não ter que explicar tudo de novo."
Zeca virou-se e aproximando-se de Vera.
- Vera, vamos ter que voltar. O médico disse que a senhorita precisa continuar o tratamento em casa. Já está ficando tarde. Como te trouxe, a levo de volta.
- Foi o senhor quem me trouxe? – Perguntou Vera, ainda confusa.
- Sim, eu apenas precisei fazer o necessário.
- Poxa! Tinha certeza que tinha sido o Ricardo!
- Não senhorita. O Ricardo não estava por lá. Apenas recebi um chamado pelo rádio. O seu pedido de ajuda e segui até a estufa.
- Qual é o seu nome? Como posso lhe agradecer?
- José Carlos da Silva, mas, está tudo bem. Não precisa me agradecer. Faria isto por qualquer pessoa que estivesse precisando ou em perigo.
- Senhor, posso te pedir um favor.
- Claro, se eu puder ajudar.
- Ainda não estou enxergando nada. Está tudo embaçado. Posso segurar no braço do senhor durante o trajeto até o carro?
- Só isso. Claro que pode, senhorita. Mas, se não está enxergando, talvez devesse ficar e descansar um pouco mais.
- Meus óculos, esqueci. Devem ter caído na estufa.
- Vamos!
Ele estendeu o braço direito porém, ela não enxergava nada para pegar, e ficou parada em sua frente.
- Senhorita, estique o seu braço e pegue no meu.
- Onde está? Só tem um vulto alto na minha frente.
- Esse vulto sou eu que estou bem na sua frente. Pode confiar.
Então, ela esticou o braço entrelaçando ao dele. Os dois seguiram o caminho pelo corredor em direção ao carro. Durante boa parte do trajeto, caminharam em silêncio. De repente ela se virou para tentar entender ou reconhecer o rosto do homem que a salvou.
Vera acabou tropeçando nos próprios pés, perdendo o equilíbrio. Zeca, por instinto, segurou-a para que não caísse no chão e piorasse a situação que já estava ruim.
- Cuidado moça! Se precisar, podemos ir mais devagar. – Disse isso, a segurando com firmeza pela cintura.
- Eu consigo. Só me virei, por isso perdi o equilíbrio. – Ela respondeu, apoiando os braços na circunferência da cintura dele e em um de seus ombros.
"O que foi isso? Ele tem pegada forte. Deve ter sido criado no interior." – Vera pensou.
- Tudo bem. Vou colocar você em pé mais uma vez. Vamos com mais cuidado.
- Obrigada! No momento, me sinto ... uma inútil. – Ela disse fitando-o nos olhos, apesar de não ver nitidamente.
- Não se sinta assim. Acidentes acontecem. – Respondeu Zeca, com certo constrangimento.
Vera tentou analisar o homem ao seu lado.
"Deu para perceber, que deve ser um pouco mais de vinte centímetros maior que eu. Tem os cabelos negros ou castanhos bem escuros."
No instante que chegaram a entrada ou neste caso, saída do posto de saúde, Vera tropeçou novamente, dessa vez em um paralelepípedo perdendo novamente o equilíbrio, quase caindo na sarjeta. Precisou segurar nos ombros largos de Zeca por instinto.
- Minha nossa. Sou uma péssima companhia!
- Não diga uma coisa dessas. Não se menospreze. – Ele respondeu, soltando uma breve gargalhada.
"Se ela não estivesse com a visão comprometida, poderia jurar que estava querendo chamar a minha atenção." – Zeca analisou, enquanto a segurava pela cintura.
- Me desculpe, senhor! Não consegui enxergar a saída. Muito menos o degrau. – Ela disse constrangida.
- Tudo bem moça. Não se esforce muito. Vamos um pouco mais devagar. Já estamos quase chegando. – Zeca disse e continuava abraçando-a pela cintura.
- Claro, moço.
Não demorou muito, estavam parados, próximos ao estacionamento.
- Vou buscar o jipe, aguarde aqui. E, não se mexa. – Ele recomendou.
- Certo, senhor.
Vera ficou na calçada esperando em pé, em frente ao posto, durante alguns minutos.
Zeca, enquanto caminhava em direção do veículo, meditou:
"A cada minuto a situação está mais constrangedora. Espero que ela não tenha percebido o quanto fiquei avermelhado com toda essa aproximação. Fiquei incomodado de uma maneira que não sei explicar. Foi um verdadeiro sufoco."
Minutos depois, ele voltou e a ajudou entrar no veículo.
- Senhorita, venha por aqui. – Zeca falou guiando-a pelo braço.
- O senhor é muito prestativo. Vou ficar lhe devendo muito, por toda sua ajuda. – Vera esboçou um sorriso.
Dentro do veículo, seguindo de volta pela estrada.
- Vera, não precisa se preocupar. Você não está me devendo nada. Ajudaria quem quer que estivesse na sua mesma situação.
- Não me sinto desta forma. Sabe que lhe devo minha vida! E, claro, com toda certeza, é muito importante para mim. Por isso vou encontrar uma forma de recompensá-lo.
- Se não tem jeito... Onde devo deixá-la? – Zeca indagou.
- No alojamento do campus tenho um dormitório. Estou morando por lá.
- A senhorita trabalha lá? Claro, só me diga se eu puder saber. – Zeca sabia, perguntou o óbvio, queria puxar assunto.
- É o meu salvador. – Vera sorriu. - Posso responder o que perguntar.
- Se quiser, pode apenas descansar.
Vera prosseguiu.
- Sou professora de veterinária. No momento leciono para os calouros. E, faço algumas pesquisas com pequenos animais. Além de ajudar, Agatha, professora de botânica com a polinização de algumas plantas por isso as abelhas.
- É bem jovem. Demonstra ter bastante inteligência. – Zeca disse sorrindo de canto, olhando-a de relance, desviando os olhares da estrada em alguns momentos.
- Eu me formei cedo, aos 24 anos. Então, fiz mestrado, me esforcei, estudei um pouco mais passei no concurso e aqui estou aos 30 anos.
- Como conseguiu ser atacada por tantas abelhas?
- Foi um acidente. Entrei naquela estufa, como já fiz centenas de vezes, para não dizer o mínimo. Porém, dessa vez, tropecei numa ou mais caixa colmeia quando num susto esbarrei em um ancinho. Acho que vi alguma coisa ou animal ao fundo. Quando percebi, estava caída ao chão, cercada de abelhas acabei entrando em pânico.
Nesse momento, Zeca, apesar de estar dirigindo, conseguiu reparar que Vera já estava bem desinchada. Ele matutou: "Ela é realmente muito bonita! Nem parece aquela pessoa que levei ao posto. Mesmo assim, ainda não parece em nada com a foto que vi."
- Será que tem algum animal perigoso, rondando o campus? – Ele perguntou.
- Talvez tenha, senhor Zeca. Imagino ser um jacaré açú ou um porco do mato. Não sei ao certo.
- Não precisa me chamar dessa forma. Afinal, não sou muito mais velho que você e também trabalha na universidade.
- Uma coisa que terei que me acostumar, senhor, rs.
- Eu também terei ... Vera. Você se chama, Vera. É isso? – Ele disse o óbvio novamente para continuar o assunto.
- Sim, senhor. Quer dizer. Sim.
"Já consigo enxergar algo mais além de vulto, apesar de estar sem os óculos." – Vera pensou.
- Moço, acho que hoje vou conseguir enxergar o senhor com mais clareza. – Ela sorriu.
- Não era apenas miopia?
- Além, das abelhas, minha miopia não é tão grave. O tratamento parece estar funcionando. E, muito obrigada! – Ela tocou no ombro dele, numa forma de agradecer.
- Sem querer me intrometer. Você ainda vai precisar falar com o Ricardo hoje?
- Não. Posso resolver o que preciso amanhã.
- Estão em alguma pesquisa juntos? Ou algo parecido? – "Por que estou querendo saber isso? Não seria da minha conta." – Zeca pensou.
- Ah não. Ele é o meu namorado.
- Ah! Me, me des-desculpe! Eu não sabia. – Zeca falou, meio incomodado.
"No que esse namoro me afetaria? Por que fiquei sem jeito? Claro que ela teria um namorado. Nessa idade e com ótima aparência." – Ele ponderou.
Pouco depois, o automóvel estava no local da universidade que ela indicou e Zeca parou o jipe.
- Seus cabelos são pretos? Pelo que vejo agora, parecem que seus cabelos são pretos. – Vera disse curiosa.
- Quase... São castanhos escuros. – Zeca aproximou-se um pouco mais. – Veja de perto.
- E, seus olhos? Parecem azuis. – Vera também aproximou seu rosto dele.
- Verdes ... São verdes. – Ele gaguejou, ainda olhando-a de perto.
- Desculpe, é a minha visão que ainda não está bem nítida.
Vera aproximou-se um pouco mais, colocando uma das mãos no braço direito dele, observando seus olhos fixamente, tentando enxergar.
- O que? Não precisa fazer isso! - Zeca sentiu o coração acelerar.
"Não é possível! A Vera tem namorado. Não posso me aproximar assim. Por que será que senti meu coração acelerar?" – Ele refletiu meio encabulado.
- Só gostaria de agradecer direito. Pena que ainda não enxergo o senhor como deveria. Infelizmente só vou conseguir fazer isso amanhã.
- Não. Por mim não precisa de nada disso, Vera. – Zeca falou coçando a nuca.
- Se não lhe agradecer pelo que fez por mim hoje. Acredite, nunca mais vou me sentir bem.
- Sendo assim. Posso aceitar seu agradecimento amanhã ou qualquer outro dia. Não é necessário ter pressa.
- Sinto muito! Sei que te dei muito trabalho hoje. – Ela lamentou.
- Tenho certeza que outra pessoa teria feito o mesmo. – Ele sorriu.
No momento, uma figura se aproximou do veículo e interrompeu a conversa.
- Vera! O que você está fazendo aí!? A essa hora da noite e com um homem. Saia daí, agora! – O homem disse com voz alterada.
- Virgem Maria, Senhor! – Vera se assustou.
"Agora apareceu o miserável!" – Zeca pensou.
- José ... é Ricardo. Ele entendeu tudo errado! – Vera disse, segurando os braços de Zeca.