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A Porta do carro bateu com força atrás de si enquanto seus homens o cercavam, fazendo-o ganhar uma atenção desnecessária.
- Só você vem comigo, Michelle. - Ordenou, antes de se afastar do carro. - O resto me espere aqui.
Michelle olhou para Santino, como se sugerisse que eles deveriam se espalhar e ficar atentos. O leve aceno em resposta fez Michelle seguir Cesare sem preocupações.
Era impossível não percebê-lo. As pessoas conversando próximas à entrada eram, em sua maioria, mulheres, contrastando com o número de homens que ele havia visto no estacionamento. Os murmúrios e o burburinho acentuado tinham algo em comum: Cesare. Ele era o motivo daqueles sussurros.
A música latina que ecoava pela galeria criava uma atmosfera jovial e acolhedora mesmo sendo ouvida do lado de fora. O estilo do lugar, que misturava o refinamento clássico e o toque urbano, era visível mesmo à distância, através da longa entrada. Cada detalhe sugeria que a artista possuía um gosto impecável.
Embora a mistura entre o luxo e o casual pudesse parecer inusitada, ela havia conseguido combiná-los de maneira surpreendentemente harmoniosa, criando uma estética única.
- Entrelhando minha arte... - Cesare murmurou, compreendendo que o título da exposição seguia uma linha de neologismo. - Que mulher fascinante e inteligente.
Michelle, que estava logo atrás, percebeu a malícia no elogio. Ele sabia o que aquele comentário significava.
- Talvez eu compre um quadro e aperte a mão da artista... - Os lábios de Cesare, pela primeira vez em muito tempo, se abriram, revelando seu sorriso completo. - Isso pode ser divertido.
Cesare entrou na galeria com passos firmes, mas desacelerou ao perceber que algo era diferente. Ele estava acostumado a ver exposições de quadros, desde pinturas clássicas e contemporâneas até as abstratas, suas favoritas. No entanto, o que encontrou ali não eram telas emolduradas nas paredes, mas esculturas intricadas e coladas sobre enormes fotografias.
Ah... - Ele soltou o ar de forma audível, um suspiro de desapontamento.
Por um momento, sentiu uma leve frustração. As esculturas não tocavam da mesma maneira que as pinturas, nem ofereciam a mesma profundidade interpretativa. Cercado por figuras esculpidas em argila e fotos comumente perfeitas, Cesare sentiu uma inquietação crescente.
A arte para ele sempre foi uma forma de interpretação pessoal, e aquela exposição parecia não oferecer o mesmo envolvimento emocional, porque as pinturas abstratas que sempre foram exibidas ali não eram apenas obras de arte; mas reflexos de seu próprio mundo interno.
Desde jovem, Cesare tinha uma relação complexa com seu corpo. Embora ele tivesse se aceitado e aprendido a amar suas características físicas, as cicatrizes e marcas que adornavam sua pele branca eram um lembrete constante das merdas que seu avô o forçava a enfrentar.
Essas imperfeições, muitas vezes vistas como traços de desfiguração, em sua visão se transformavam em uma forma de beleza abstrata. Cada cicatriz era uma linha, cada marca uma mancha, compondo um quadro único que, de alguma forma, refletia sua própria sensação de desarmonia.
- Perdi meu tempo vindo aqui! - sua voz foi alta o suficiente para um grupinho de mulheres que estavam atrás de si elogiando sua beleza e estatura, escutassem.
Ele estava prestes a se virar e sair, talvez resmungar algo para Michelle sobre o tempo perdido, quando um som inesperado capturou sua atenção.
Um latido.
No meio do burburinho da galeria, ele ouviu claramente o som de um cachorro. Cesare parou, os olhos se estreitando enquanto varria o salão, procurando a origem do som, que o fez girar sobre o próprio eixo.
Michelle, que o estava observando, notou a mudança na postura de Cesare. O homem sempre tão rígido, tão impenetrável, parecia ter sido tocado por uma lembrança. Seus ombros relaxaram por um instante, e seu olhar assumiu uma sombra diferente.
Antes que Michelle pudesse tentar entender, o olhar de Cesare mudou novamente. Ele avistou algo ou alguém e sua expressão se transformou de surpresa para uma mistura perigosa de choque e interesse. Michelle nunca havia visto uma feição assim no rosto de seu chefe.
A surpresa inicial de Cesare deu lugar a um olhar mais penetrante, quase predatório. Ele começou a alisar o rosto, um gesto sutil que descia lentamente até o pescoço, com os olhos fixos em algo que apenas ele podia ver no meio do salão.
Michelle, que conhecia Cesare há anos, sentiu um arrepio subir por sua espinha. Ele nem precisava olhar na direção que seu chefe mantém o interesse para saber que algo incomum estava acontecendo.
O que esse maluco está cobiçando agora? - pensou Michelle.
Ele viu a ponta da língua de Cesare cruzar o lábio inferior, um gesto que parecia quase inocente, mas que carregava uma carga de imoralidade tão densa que fez os ombros de Michelle tensionarem.
Era como se Cesare fosse um tigre-de-bengala, atento, pronto para atacar. O salão estava cheio de esculturas de corpos seminus, mulheres segurando taças de vinho e champanhe e conversas triviais preenchendo o ar.
Ele estalou a língua em desaprovação, porque o seu chefe não parecia ver nada disso. Cesare só tinha olhos para uma coisa, e o rubor leve que se formou nas maçãs do seu rosto, os lábios ligeiramente entreabertos como se contivessem uma risada chocada, só confirmavam o que Michelle temia.
Que merda é essa? - novamente pensou Michelle, sentindo um calafrio atravessar sua pele. A ideia de que seu chefe pudesse estar prestes a causar algum problema em um ambiente tão refinado lhe deixou em alerta máximo.
Em um gesto corriqueiro, ele se pegou mandando uma mensagem para Santino: Venha ao nosso encontro. O fodido do seu chefe está com uma cara de quem vai fazer merda, e eu não sei lidar com isso sozinho.
Enquanto Michelle chamava por ajuda, Cesare estava chocado, sim, mas o choque vinha misturado com algo mais profundo. Um interesse quase imoral.