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Sexta-feira. Sete e meia da manhã. O dia estava ameno e cinza, como o outono costumava ser. Eu estava dentro do metrô da linha Bakerloo, a caminho da estação Regent's Park, em pé, pois era quase impossível achar um assento nesse horário. Segurando um dos suportes de mão pretos, observava a paisagem de Londres pela janela. Um bebê sentado à minha frente, no colo de sua mãe, brincava com os chaveiros pendurados na minha bolsa.
- Desculpe por isso. Já tentei fazê-la parar, mas não consegui - disse a mãe do bebê, constrangida.
Dei um sorriso tranquilizador para ela.
- Está tudo bem. Não se preocupe - respondi. - Nessa fase, eles ficam interessados em qualquer coisa que estiver ao alcance, não é?
- Ah, sim! Ela já tentou tocar em todas as tomadas lá de casa. Tenho que ficar de olho nela vinte e quatro horas por dia.
Assim, comecei a conversar com a desconhecida. Geralmente, eu era uma pessoa introspectiva, mas não conseguia ser grossa com ninguém. Por isso, não tive coragem de ignorar a mulher. Nessa viagem de vinte minutos até a estação Regent's Park, descobri que a mulher, chamada Regina, também estava indo para The London Clinic para uma consulta com a pediatra.
Eu tinha começado a trabalhar lá há seis meses, pouco tempo depois de me formar na faculdade de Enfermagem. Era uma oportunidade de ouro. Como nunca realmente pertenci a lugar nenhum - minha cidade natal era na Escócia, mas meus pais sempre precisaram se mudar por causa do trabalho -, foi fácil se adaptar a Londres. Além disso, ter a companhia de Lua, minha cachorrinha, no meu apartamento em Notting Hill era um acalento.
Cheguei com dez minutos de antecedência na sala exclusiva para os enfermeiros. Como sempre, fui uma das primeiras a chegar do meu turno. Os únicos que chegavam antes de mim eram Nigel, Sally e Rachel. Os três estavam sentados na mesa branca redonda localizada no centro da sala. Evan, do turno da madrugada, estava encostado no balcão preso à parede, parecendo um morto-vivo.
- Bom dia, Sophie - disse Nigel, bocejando logo depois. Sally e Rachel também me saudaram.
- Bom dia! - falei com um sorriso largo, tirando meu cachecol e pendurando-o no suporte para casacos.
- Invejo sua disposição - resmungou Sally. - Eu acordo todos os dias imaginando o dia da minha folga.
- Bom, eu acordo desanimada e odiando o universo inteiro, mas um bom café sempre me anima - expliquei. - Vou ter que tomar outro, aliás. Acabei ficando acordada quase a madrugada inteira.
- Fazendo o quê? - perguntou Rachel, curiosa.
- Vendo filme. Dias Selvagens*, para ser mais exata.
Os três reviraram os olhos de maneira quase simultânea. Dei uma risadinha. Eu tinha uma paixão nada saudável por filmes antigos, sejam de língua inglesa ou estrangeiros. Os de origem asiática se tornaram minha mais nova obsessão ultimamente.
- E eu achando que você finalmente tinha arranjado alguém - disse Rachel, balançando a cabeça, decepcionada.
- Já disse que não tenho tempo para essas coisas - respondi. - Mas e você, Rachel? Como vão as coisas com Arthur?
Um sorriso bobo e apaixonado apareceu em seus lábios finos.
- Agora eu sou oficialmente uma noiva - anunciou Rachel. Ela se virou para a esquerda, pegando algo em sua bolsa azul pendurada em uma das alças da cadeira. - Olhem!
Ela nos mostrou o anel que Arthur lhe dera. Era algo delicado e simples, dourado e com uma pequena joia no meio, mas completamente lindo.
- Parabéns! - exclamei, genuinamente feliz por ela. Rachel havia me contado histórias sobre seus muitos relacionamentos fracassados, então fiquei muito contente por ela finalmente ter encontrado um cara legal. - Já tem data marcada?
- Vai ser daqui a três meses, na Temple Church! - exclamou, animada. - Convidarei vocês três, é claro.
Sorri de orelha a orelha. Eu não me imaginava entrando em um relacionamento tão cedo, mas era bom ver uma amiga encontrando a felicidade na vida a dois. Eu tinha um sério problema em ter relações casuais - sou uma mulher romântica, que precisava ter um sentimento real por alguém para poder me entregar por completo.
Quando chegou a hora do nosso expediente, coloquei meu uniforme hospitalar e amarrei meu cabelo cacheado em um coque. Depois, fui atender os pacientes internados conforme a reunião do plantão havia determinado. Primeiro, fiz a avaliação inicial dos pacientes sob meus cuidados, verificando seus sinais vitais e ouvindo alguns de seus problemas. Andando pelos corredores do local, sentia os cheiros característicos de álcool e amônia.
Às oito e meia, fui entregar o café da manhã para eles e precisei monitorar um paciente idoso, chamado Derek, que se recusava a ingerir a comida insossa do hospital. Além disso, ele odiava a presença de qualquer funcionário da saúde perto dele.
- Sabe que eu só vou sair daqui quando o senhor comer pelo menos a metade, certo? - perguntei. - Vamos, Sr. Smith.
- A comida está pior do que nos outros dias - resmungou Derek. - Trocaram os cozinheiros?
- Não, são os mesmos de sempre - respondi, calma. - O senhor só quer me atazanar, não é?
- Esses ovos parecem que foram temperados com chorume. Se eu não morrer de parada cardíaca, morrerei por intoxicação alimentar - bufou.
- Tenho certeza de que não é tão ruim. Eu como o almoço daqui, sabia?
- Então não vai demorar para você estar igual a mim, mocinha. Aproveite enquanto pode.
Balancei a cabeça, e um sorriso involuntário surgiu em meus lábios. Não levava a sério as palavras de Derek, não importava o quão rabugento ele soasse. Ele tinha um rosto gentil, completamente diferente de sua personalidade, então era mais fácil relevar. Com o tempo, você aprende a ignorar as atitudes de alguns pacientes. No começo, eu ficava irritada facilmente, o que me rendeu várias reclamações dos meus superiores.
Perto das dez da noite, estava sentada no chão de um corredor vazio, tranquila enquanto tomava uns goles de café e resolvia meu amado caça palavras. Meus amigos, naquele momento, certamente estavam na sala de funcionários, mas preferi ficar sozinha ali para ter um momento de paz. O trabalho era muito cansativo, com pessoas demais, barulhos demais, imprevistos demais. Para uma pessoa acostumada com a solidão, às vezes tudo se tornava fatigante.
Contudo, acima de tudo, não era ruim. De forma alguma. Eu gostava do meu trabalho de uma forma que nem meus colegas entendiam. Depois de anos nunca realmente ficando em um lugar, era bom finalmente ter uma rotina para chamar de minha.
Quando terminei o café, levantei-me do chão e desci as escadas que levavam ao térreo do hospital, assobiando uma música que ouvi em algum lugar, mas sem lembrar onde. Próximo do último degrau, no entanto, vi um dos médicos, Anthony, na minha frente, olhando-me com desespero. Franzi o cenho de imediato. O que havia acontecido?
Para alguém calmo como Anthony, um médico de meia idade renomado, estar dessa forma, é porque algo muito preocupante deve ter acontecido.
- Enfermeira, venha aqui! - ele falou em tom alto. - Preciso de ajuda.
Assenti e fui a passos largos em direção a ele. Seguimos para o térreo do hospital, esbarrando em outros enfermeiros no caminho, e, ao chegar, deparei-me com um homem idoso desmaiado em uma das cadeiras plásticas de cor verde, próximo à recepção, acompanhado de outro homem mais jovem, provavelmente com vinte e poucos anos. Seu rosto estava muito tenso, seus cabelos escuros estavam desarrumados, e havia muito sangue manchando sua camisa social. Alguns pacientes e a recepcionista olhavam para cena num misto de preocupação e pena.
Franzi o cenho, sentindo meu peito apertar.
Nunca me acostumaria com situações assim.
Corri para uma das salas de emergência, na segunda sala do corredor esquerdo, pegando uma das macas. Puxei-a para fora, precipitando-me em direção ao homem ferido. O acompanhante do paciente levantou-o, colocando-o com cuidado sobre a maca. Uma pequena poça de sangue havia se formado no chão durante a espera.
O médico começou a andar em direção ao elevador específico para a locomoção de pacientes. Olhando para o homem machucado e com o rosto pálido, percebi que ele havia levado mais de quatro tiros na área do estômago. Pobre homem. Pedi aos céus para que tudo desse certo para ele.
O homem que o trouxera nos seguia, sem se importar se era permitido ou não. Ao chegarmos ao segundo andar, fomos com pressa para a sala de cirurgia.
O homem, com uma expressão de dor, parou próximo à sala, sabendo que não poderia nos acompanhar dali em diante. Ele parecia perdido e acabado.
- Anthony... Eu...
Anthony? Então o desconhecido já conhecia o médico?
- Vou fazer de tudo para salvar o seu pai - disse Anthony, com a voz segura de um médico experiente. - Confie em mim.
O homem apenas assentiu.
Antes de acompanhar Anthony para a sala de cirurgia, olhei para o acompanhante uma última vez.
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Dias Selvagens: Filme de Wong Kar-Wai, lançado em 1990.