Capítulo 4 BLAKE

Voltei para casa de madrugada.

Anthony, o médico de confiança da família, afirmou que a cirurgia foi um sucesso. Agora, era necessário esperar que meu pai despertasse para verificar como o corpo responderia à cirurgia. Eu gostaria de esperar para ver se ele abria os olhos, mas precisava voltar para casa e acalmar minha mãe e minha irmã.

Quando cheguei, minha mãe estava sozinha na sala de estar, sentada no sofá verde-escuro, com a cabeça abaixada e soltando ruídos chorosos. Sua figura melancólica, contrastando com o cômodo, agora mal iluminado, que nunca fora palco de sofrimento, me fez sentir uma grande vontade de chorar. Contudo, eu precisava segurar o que sentia naquele momento.

- Mãe... - sussurrei, olhando-a com pena. Aproximei-me dela, sentando-me ao seu lado, sem me importar se sujaria o sofá com sangue. Coloquei minha mão em suas costas, afagando-a com ternura.

Ela me olhou com as sobrancelhas franzidas e os olhos repletos de lágrimas. Seu cabelo estava bagunçado, e seu batom vermelho escuro encontrava-se borrado por todos os cantos da boca. Minha mãe estava longe da mulher elegante que sempre fora. Senti meu coração se apertar e fechei os punhos, deixando a raiva se apossar de mim.

Os Volkov pagariam pelo que fizeram. Antes de ontem, nunca tivemos intrigas entre nossas famílias. Mal interagíamos por termos interesses distintos. Para eles chegarem ao ponto de tentarem matar meu pai, era porque realmente estavam implacáveis em alcançar seu objetivo.

- E o seu pai, filho? - perguntou minha mãe, desesperada.

- A cirurgia foi um sucesso, mãe - respondi, com um sorriso tranquilizador.

Ela fechou os olhos e soltou um suspiro aliviado, permitindo que mais lágrimas escorressem por suas bochechas.

Anthony não havia afirmado nenhuma melhora no quadro do meu pai. Eu não podia prometer nada sobre sua saúde, mas quem poderia julgar um filho que só desejava ver sua mãe bem? Ela amava Leonardo de forma incondicional, então era óbvio que ficaria desestabilizada com qualquer notícia minimamente ruim.

- Agora, vamos subir, ok? Você precisa descansar - eu disse.

Minha mãe apenas assentiu. Levantei-me do sofá e ofereci minha mão a ela. Ela aceitou, e eu a guiei pelas escadas com lentidão até chegarmos ao corredor à esquerda, que levava ao seu quarto. Ela respirou fundo quando abri a porta do cômodo, certamente lembrando das décadas que dormira ali ao lado do meu pai.

Eu a levei com cuidado até a cama e, quando ela se deitou, beijei o topo de sua cabeça.

- Boa noite, mãe.

• • •

Theo acordou ao meio-dia. Não por vontade própria, mas porque bati em sua porta incontáveis vezes.

Quando ele finalmente a abriu, deparei-me com uma versão cansada, de olheiras intensas e voz rouca de tanto chorar. Ele virou as costas para mim e sentou-se no chão, escorado na parede de cor branca, de cabeça baixa e ombros caídos, ao lado da cama. Se pudesse, deixaria-o enfrentar a dor da perda por mais tempo, mas ele tinha responsabilidades a cumprir. Infelizmente, estávamos no início de um confronto com os Volkov, cuja intenções ainda não eram totalmente claras.

Sentei-me ao seu lado no chão de madeira e respirei fundo. Meu irmão parecia um garotinho de dez anos, sem nada em sua aparência que lembrasse o homem altivo, despreocupado e inconsequente que passou a ser na adolescência.

Ele estava igual ou ainda pior que nossa mãe. Meu pai era o pilar da família. Enquanto ele não voltasse, as coisas não seriam como antes.

- Precisamos falar com nossos aliados. Eles estão perguntando por você - eu disse.

- Eu não posso ir... - respondeu ele, com a voz embargada, sem me olhar. - Não tem como, irmão.

- Você precisa ao menos mostrar sua cara para eles. Caso contrário, acharão que não está pronto para lidar com suas responsabilidades - repliquei, pondo minha mão em seu ombro para que me olhasse. - Este momento é frágil, fratè. Precisamos de todo apoio possível. Por isso, você tem que se encontrar com os Colombo, os Ricci, os Bianchi... Já perdemos um aliado, não podemos deixar que mais um se una aos Volkov.

Ele balançou a cabeça.

- Esse é o problema. Não sei o que dizer a eles. Não vou ser um bom líder, e você sabe disso. Eu saberia contar como trapacear no pôquer, quais são os vinhos de maior qualidade no mercado, mas lidar com um conflito contra os Volkov... é impossível - declarou, olhando-me com olhos arregalados e chorosos. - Ele deveria estar aqui para lidar com isso, não eu.

- Theo, nosso pai sempre esteve aqui por nós. Ele nos ajudou de todas as formas possíveis, até mesmo quando não era necessário. Aceitou atitudes nossas que nenhum outro chefe da máfia aceitaria - disse, elevando um pouco a entonação. - Precisamos retribuir tudo o que ele fez.

- Blake, eu já matei vários homens. Nunca me importei em fazer isso, não me importei se tinham famílias, sonhos ou alguém que amassem. Matei essas pessoas a mando do nosso pai, sem questioná-lo uma única vez. Isso é o que eu sei fazer. Não tenho capacidade de tomar decisões. Sei o quanto devo ao nosso pai, até porque ele nunca me fez comandar nenhuma operação mais tática - ele disse com um sorriso triste. - Sou um incompetente. Essa é a verdade. Mas você não é, irmão.

- Não fale isso. Você é melhor que eu - sorri fraternalmente. - Pelo menos, nunca teve medo de matar ninguém.

Theo era o sucessor do meu pai não apenas por ser o mais velho, mas por nunca hesitar em pegar uma arma e fazer o que devia ser feito. Aos treze anos, quando nosso pai nos levou para matar nosso primeiro homem - um traidor da Família Rossi -, a arma foi entregue primeiro a mim. Minhas mãos tremiam e meu coração acelerava freneticamente. Eu não consegui disparar o gatilho. Theo, no entanto, cumpriu o dever sem pensar duas vezes.

Naquele momento, senti uma mistura de inveja e alívio. Desde então, após meu pai perceber que eu não teria a capacidade de assassinar friamente alguém como meu irmão, ele me empurrou para as tarefas mais fáceis. E eu sempre aceitei isso de bom grado. As únicas vezes que precisei matar alguém fora para salvar algum parente ou aliado da família Rossi de alguma emboscada.

- Não pense nisso como um demérito seu. Você é importante para nós de outras formas - disse ele, com um sorriso curto, mas menos melancólico. - O que seria de mim sem você para lidar com uma mulher sendo expulsa de um condomínio por causa dos seus gatos?

- Está vendo? Você será um bom líder. Já está dando apoio moral aos outros - repliquei. - Vamos nos levantar?

Theo comprimiu os lábios.

- Irmão, temos que enfrentar isso. Não é fácil, mas não podemos ficar chorando pelo que já aconteceu. Precisamos honrar nosso pai enquanto ele não volta - proferi, estendendo minha mão a ele. - Olha, se você falar alguma besteira, eu chuto sua perna por baixo da mesa. Vai ser forte o suficiente para te trazer de volta à realidade.

Hesitante, ele segurou minha mão. Não com a força necessária, mas já era um começo. Isso, por ora, era suficiente.

                         

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