Capítulo 4 Ashley

Ashley Narrando

Assim que saí da empresa, fui direto para casa. Eu estava exausta, como sempre, mas o silêncio que me recebia ali era mais pesado do que qualquer dia de trabalho. Quando abri a porta, já sabia o que me esperava. Meu pai não estava, mas as garrafas vazias estavam espalhadas pela sala como um lembrete gritante da sua ausência e dos seus hábitos. Com certeza saiu para comprar mais bebidas e fazer mais dívidas. Antes mesmo de tirar os sapatos, larguei minha bolsa no sofá e comecei a organizar tudo.

Recolhi as garrafas, joguei os restos no lixo e passei um pano no chão para tentar amenizar aquele cheiro forte de álcool. Por um momento, fiquei olhando para o pano sujo em minhas mãos e me perguntei:

- Até quando vai ser assim? Não tinha resposta. Era só eu e aquele vazio de sempre.

Depois que terminei, sentei no sofá por alguns segundos, tirei os sapatos e fui para o quarto vestir algo mais confortável. De short e camiseta, voltei para a cozinha e comecei a arrumar tudo para o jantar. Era automático, quase terapêutico, mexer nas panelas e ouvir o som do óleo quente. Enquanto cortava os legumes, meu telefone tocou.

Peguei o celular no balcão e vi o nome da Morgana na tela. Suspirei antes de atender, já imaginando o que ela ia dizer.

- Ashley, precisamos sair hoje! - disse ela, com aquele entusiasmo de sempre.

- Morgana, estou cansada. Sério. Só quero terminar o jantar, tomar banho e dormir.

- Nem vem com essa desculpa! Você sempre está cansada, mas hoje não tem jeito. É seu aniversário, e eu não vou aceitar um "não" como resposta.

- Morgana, eu...

- Nada de "eu". Você vai! Arruma sua roupa mais bonita, faz aquela maquiagem incrível, aquele salto que te deixa poderosa e vem. Estou te esperando, Naquele bar de sempre!

Suspirei de novo, derrotada. Morgana sempre conseguia me convencer.

- Tá bom, tá bom. Mas só porque você insistiu.

- Isso! Sabia que não ia me decepcionar. Vejo você em uma hora.

Ela desligou antes que eu pudesse mudar de ideia. Terminei de preparar o jantar, deixei tudo pronto no fogão, caso ele voltasse, pelo menos sabendo onde é o caminho da Cozinha. Fui correndo para o quarto, tomei um banho rápido e me arrumei. Escolhi um vestido preto que sempre me fazia sentir bem, fiz uma maquiagem leve, passei meu perfume favorito e peguei minha bolsa.

Antes de sair, me olhei no espelho. "Hoje é o meu aniversário", pensei. "E não vou deixar a tristeza me vencer." Coloquei um sorriso no rosto, mesmo que forçado, e saí para encontrar Morgana.

Quando cheguei no bar, ela já estava lá, esperando com um copo na mão e um sorriso enorme no rosto. Morgana sabia como transformar uma noite qualquer em algo especial, e talvez, por hoje, eu precisasse mesmo disso.

Eu pensei que seria apenas um encontro tranquilo no bar de sempre, só nós duas. Assim que começamos a beber, foi questão de minutos para que os nossos amigos da faculdade aparecessem, como se soubessem exatamente onde estávamos. Eu estava surpresa, claro, mas minha curiosidade logo deu lugar à gratidão. Foi quando percebi que Morgana tinha planejado tudo: uma festa surpresa pra mim.

Ela estava radiante, me puxou para uma parte mais reservada, tipo um salão de festa, só entra convidados.

- Feliz aniversário, Ash! - disse Morgana, estendendo os braços em um abraço caloroso.

Eu ri, tentando conter a emoção. Olhei ao redor, vendo os rostos familiares e percebendo os presentes sobre a mesa. Cada um tinha trazido algo especial para mim.

- Você não precisava fazer isso, Morgana! - falei, sentindo meu rosto esquentar de vergonha e felicidade ao mesmo tempo.

- Claro que precisava! - respondeu ela, piscando. - Você merece muito mais.

Conforme a noite avançava, o ambiente foi ficando mais animado. Morgana, sempre cheia de energia, me puxou para a pista improvisada no canto do bar.

- Vamos dançar! - ela disse, já começando a mexer os ombros no ritmo da música.

Enquanto dançávamos, Morgana se aproximou de mim, um sorriso maroto nos lábios.

- Você não vai acreditar, mas eu tenho dois convites para a festa do CEO da empresa onde você trabalha, o famoso Liam Grenville.

Fiz uma cara de surpresa.

- Como você conseguiu isso?

- Foi a Hope. Ela tem seus contatos. - Morgana deu de ombros, como se não fosse grande coisa.

- E você quer que eu vá depois dessa festa aqui? - perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Ela assentiu.

- Claro! Vai ser incrível. Você pode conhecer gente importante, fazer networking.

Eu ri e balancei a cabeça.

- Prefiro ficar com os meus amigos aqui e, depois, ir pra casa descansar. Amanhã o Sr. Liam pode chegar a hora que quiser na empresa ou até mesmo nem aparecer. Já eu tenho que estar lá pontualmente para bater o ponto, senão ele desconta do meu salário.

Morgana riu junto comigo, e aquilo pareceu encerrar a discussão. A noite continuou incrível. Dançamos, bebemos e comemos. Meus amigos insistiram em pagar a conta, o que me deixou ainda mais emocionada.

No final da noite, Morgana fez questão de me levar em casa. O banco de trás do carro estava cheio de sacolas com os presentes que eu tinha ganhado. Assim que paramos na frente da minha casa, ela se virou para mim, com aquele sorriso caloroso que só ela tinha.

- Foi uma ótima noite, não foi? - perguntou.

- Foi perfeita. - respondi, abraçando ela com força. - Obrigada por tudo.

Peguei as sacolas e desci do carro. Assim que me virei para entrar, vi Morgana acenando enquanto dirigia de volta para casa.

Abri a porta da frente com cuidado, ainda carregando todas as sacolas. O silêncio da casa era quase reconfortante, mas assim que dei o primeiro passo para dentro, meu coração gelou.

Meu pai estava deitado no chão da sala, completamente imóvel.

- Pai? - chamei, sentindo o peso das sacolas escorregar das minhas mãos.

Ele não respondeu. Fui até ele e, ao me aproximar, percebi o motivo. Ele estava todo machucado. O rosto tinha um corte profundo na sobrancelha, e o cheiro de álcool era insuportável.

- Não... De novo, não. - murmurei, já sentindo a raiva e a tristeza tomarem conta de mim.

Ele estava vivo, mas desmaiado, como sempre acontecia quando exagerava na bebida. Não era a primeira vez que eu o encontrava assim, mas a cada vez parecia pior.

Fiquei ali, olhando para aquela cena por um tempo, tentando processar tudo. Era para ter sido uma noite perfeita, mas a realidade tinha me puxado de volta com uma força cruel.

Respirei fundo e decidi fazer o que sempre fazia: lidar com a situação. Peguei um cobertor do sofá e cobri meu pai. Nem vou tentar levantar ele, porque se ele acordar, vai ser pior para mim.

Enquanto fazia isso, pensei na diferença entre as duas realidades da minha vida. Meus amigos, a festa, Morgana e todo aquele carinho. E depois, isso. A bagunça que é minha casa, a ausência de um pai de verdade, e o peso de ter que ser adulta antes do tempo.

Terminei de cobrir ele e fui para o meu quarto. Lá, olhei para os presentes que ainda estavam dentro das sacolas. Cada um deles era um lembrete de que eu tinha pessoas incríveis na minha vida, mesmo que as coisas em casa fossem tão complicadas.

Antes de dormir, peguei meu celular e mandei uma mensagem para Morgana.

- Obrigada por hoje. Foi a melhor noite que tive em muito tempo.

Deitei na cama, exausta, mas com um pequeno sorriso no rosto. Eu sabia que o dia seguinte seria difícil, mas, por enquanto, queria me permitir aproveitar o que havia de bom. Afinal, eu mereço.