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A cada dia que passava, a situação da família de Selena, tornava-se ainda pior. Tinham que se virar com muito pouco e a obsessão de seu pai não cessava. Por mais que a realidade estivesse evidente para todos, Dogan não a via. Havia chegado ao fundo do poço e não aceitava o fato de que precisava de ajuda.
Selena, apesar da mente cheia com o que havia se passado com ela, sentia muita fome, ouvia seu estômago roncar tanto que atrapalhava seus pensamentos. Procurou entre as poucas coisas que possuíam e encontrou uma cenoura, quebrou na metade e a comeu. Sentiu um grande alívio.
Pouco depois, sua mãe entrou no recinto com alguns poucos rabanetes e um punhado de hortaliças. Raven chegou logo em seguida, trazendo consigo um pequeno punhado de peixe, colocando um pequeno sorriso no rosto de dona Nina. Ela logo pôs-se a preparar uma sopa com o peixe, as poucas coisas que havia trazido da horta e a meia cenoura que estava em casa. Ao menos naquela noite haveria uma ceia, quanto ao dia seguinte ainda era uma incógnita, restava apenas ter esperanças.
Eles se alimentaram em silêncio, já não havia mais conversações familiares como antes. O pai estava sempre apressado em terminar a refeição e partir para seu mundo de ilusão.
Após preencher seu estômago, Selena sentiu-se muito bem. Pensou em como uma coisa tão simples como um prato de sopa poderia ter tamanha importância. Ajudou sua mãe com a organização da cozinha e conversou um pouco com ela, como sempre fazia. Tentou deixá-la mais feliz, contudo era difícil espantar a angústia que sua mãe carregava dentro do peito, estava muito além de simples conversas. Havia uma chaga em seu coração que aumentava a cada dia e estava certa que não teria um remédio para reverter a situação, por mais que tentasse.
Ao encerrar a tarefa, Selena recolheu-se ao seu aposento. A proposta de Tomás ainda martelava em seu cérebro. Todavia, a conversação que tivera com sua mãe há poucos minutos, reforçava o desejo de ficar ao seu lado. Era notório seu sofrimento e deixá-la, seria só agravar a situação. Do outro lado, estava o amor que pulsava dentro do seu coração. Era a melhor e mais agradável sensação, jamais havia imaginado haver algo desta magnitude. A cada segundo que lembrava-se do beijo e do carinho de Tomás, sentia um frio no estômago e um arrepio bom percorrer toda sua compleição física. Suspirava e suspirava de novo enquanto se aconchegava entre os cobertores. Ah! Por que a vida tem que ser tão complicada? Pensou já com os olhos fechados.
Mais uma vez, seus sonhos foram belos, ao menos os sonhos não poderiam lhe ser arrancados. Eram momentos em que havia paz em sua existência.
Sonhou mais uma vez com um príncipe, porém desta vez não tinha o rosto de Tomás, na verdade seu rosto estava desfocado. Ela estava perdida em uma mata densa e procurava pelo castelo de cristal até que finalmente o encontrou e seu príncipe sem rosto a esperava. Conduziu-a até as proteções brilhantes daquele lugar maravilhoso e um grande banquete a esperava. Ao olhar toda aquela abundância de comida, ficou maravilhada.
- Preciso procurar minha família. - Foi a única coisa que pensou ao ver a fartura. - Eles tem que provar tudo isso.
- Eles estão muito longe. - Um homem de voz grave que vestia uma máscara negra surgiu do nada e a encarou. Somente seus olhos negros eram visíveis detrás daquele adorno.
- Eu posso buscá-los.
- Não pode! - Ele foi incisivo.
- Por favor...
- Não!
Selena sobressaltou-se na cama, despertou do sonho que a acompanhava todas as noites. Seu dilema estava entrando em sua mente e atrapalhando seu momento mágico.
Ainda era madrugada, restava-lhe muitas horas para dormir. Contudo, havia ficado deveras chateada com o sonho e não queria voltar a dormir, apesar de todo o sono que ainda a acometia. Ficou mentalizando suas próprias histórias a fim de espantar a agonia que a atormentava. Pouco a pouco, as imagens que criava em sua imaginação fértil, foram fundindo-se às imagens oníricas e ela infiltrou-se no mundo dos sonhos novamente. Desta vez, teve sonhos mais leves, porém sem príncipes e castelos.
Na manhã seguinte, o clima estava ainda mais pesado do que o dia anterior. Dogan havia informado que tinha perdido seu último porco. Raven que até então, estava tentando manter a política do silêncio, discutia fervorosamente com seu pai. Selena ouvia o bate-boca caloroso de seu quarto. Vestiu algo rapidamente e correu para tentar apaziguar os ânimos. Ao se aproximar, entendeu o porquê da exaltação de seu irmão e ficou profundamente desapontada.
- Outra vez, pai! - Ela falou em desalento. - O que será de nós?
- Eu já disse que vocês devem parar com tanto melindre. Essa fase de má sorte vai passar.
- Melindre? – Raven continuou encolerizado. - Olhe as panelas! Estão vazias! Procure na dispensa e a única coisa que vai encontrar é poeira e nada mais. Quando essa fase vai passar? Quando estivermos mortos?
A mãe apenas chorava num canto. Não tinha mais palavras para expressar toda sua amargura.
- Ah! Me deixem em paz... - Dogan cruzou a porta e foi direto ao centro da cidade, carregava o último animal consigo.
- Não dá mais para viver assim. - Raven esbravejou e também saiu de casa.
Selena apenas achegou-se à sua mãe para consolá-la e tentar ao menos acalmá-la um pouco. Depois de algumas horas, elas voltaram a sua rotina, apesar de a cada dia fazer menos sentido.
A cada dia que passava, as ideias de Raven começavam a fazer mais sentido para ela, era perfeitamente compreensível o seu desejo de abandonar tudo, já não havia mais esperanças.
A única coisa que ainda trazia acalanto ao seu coração, era saber que ao final do dia, iria reencontrar Tomás para darem mais um romântico passeio. Estava ansiosa para que o momento chegasse, por isso o dia parecia mais longo do que todos os outros.
Quando finalmente o rapaz surgiu, seu coração foi preenchido de alegria, aplacando a ânsia da espera.
- Olá, minha Selena. Como está?
- Estou bem. - Ao menos naquele instante, ela sentia-se muito bem. Tudo que a atormentava em sua vida, parecia dissipar-se pelo menos por um curto período com a presença de Tomás. Eram estes pequenos momentos que faziam a vida valer a pena.
Eles saíram dali e caminharam dentro do bosque, mais uma vez foram em direção ao rio. Falavam sobre banalidades, Tomás preferiu não tocar no assunto de sua partida, não queria pressioná-la, tampouco estragar um momento tão bom como aquele. Trocaram beijos pudicos em alguns momentos. Tomás a tratava com grande respeito, acariciava seus cabelos enquanto ela tinha sua cabeça deitada em seu colo. Era aquilo que ela estava precisando; colo e cafuné. Selena queria que aquele momento se eternizasse. Vez ou outra, as mãos de Tomás deslizavam pela bochecha macia dela.
O rapaz adorava poder cuidar dela, queria poder amenizar toda a dor que estava implícita em seu olhar e que ela tentava esconder a qualquer custo. Sabia que por trás daquele sorriso angelical havia tristeza. Seu coração ficava apertado ao sentir isso. Percebeu naquele momento que a amava e precisava salvá-la do seu destino. Porém, estava certo que para isso ser possível, precisavam deixar aquela cidade e procurar melhor sorte em outro lugar. O difícil seria convencê-la, sabia da preocupação de Selena quanto a sua mãe e entendia o lado dela também.
- Eu poderia passar o resto de minha vida aqui, com você. - Tomás sussurrou ao seu ouvido e em seguida mordiscou sua orelha. Selena ficou toda arrepiada. Aquilo era muito bom.
- Então fique aqui comigo. - Ela foi quem acabou tocando no tópico.
- Sabe que não posso. - Tomás respondeu com desânimo. - Queria que tudo fosse diferente, minha linda Selena. Queria poder viver uma outra realidade para podermos ser amplamente felizes. Sei o quanto é difícil para você, por isso não a pressiono. Mas, sinceramente, espero que você escolha vir comigo no dia de minha partida.
Ela içou seu corpo, permanecendo sentada de frente para ele. - Tomás, eu amo você. Sei que é o meu príncipe encantado. - Ela sorriu. - Isso me deixa tão angustiada...
- Shhhh... Não quero que se lamente de nada. Vamos aproveitar ao máximo nossos bons momentos. - Aproximou-se do rosto dela e a envolveu em um beijo, porém não era um beijo tão inocente quanto os outros. Era mais intenso, havia paixão, uma febre que o acometia. Selena deixou-se envolver pela intensidade do momento.
Aquele beijo salientou emoções ainda mais fortes em Selena. Intensificou ainda mais o desejo de estar ao lado dele. Foi um beijo longo. Eles entreolharam-se com paixão e envolveram-se em um novo beijo.
Subitamente, Selena sentiu uma mão a puxando com tenacidade. - Então é verdade o que andam dizendo por aí? - Seu pai surgiu atrás dela e praticamente a arrancou dos braços de Tomás.
- Pai?!
- Bem que o pessoal da cidade me disse que você andava se esfregando com um macho por aí! Eu não queria acreditar que minha garotinha estava se dando essas baixarias.
- Espere aí, senhor! - Tomás, furioso, interferiu.
- Cale a sua boca, seu moleque nojento. Você está corrompendo a honra dela!
- Pai, por favor... - Selena pranteava.
- Cala sua boca, sua desavergonhada!
- Ei! Não fale assim dela. É uma moça pura e inocente, não merece este tratamento, especialmente vindo do senhor.
- Cale sua boca! Já disse! - Ele bramia e salivava. - Quem me garante que ainda há pureza nesta infeliz? Depois do que vi aqui, eu duvido muito.
- Não fale assim, pai. - Ela falava entre soluços.
- Já chega! Você vai voltar para casa comigo agora mesmo! Vamos - Ele a puxou pelo braço.
- Senhor, não faça isso. - Tomás reagiu ao comportamento dele, tentando soltá-la, mas foi empurrado. Dogan ainda desferiu um murro em direção ao rapaz. Embora estivesse tomado pelo ódio, Tomás preferiu não reagir em respeito à Selena.
Assim, ela foi arrastada até sua casa. Muitas pessoas olhavam chocadas à cena. A jovem não conseguia esboçar nenhuma reação além do choro.
- Você está proibida de sair de casa! - Dogan vociferou ao cruzarem a porta de sua residência.
Dona Nina encarou-os com horror. - O que houve?
- Esta sem vergonha estava se esfregando naquele desgraçado do Tomás. Deve ser aquele imbecil também que anda enchendo a cabeça do Raven. Estão sempre juntos para todos os lados.
- Papai, me perdoe... Eu...
- Não fale mais nada! Vá já para seu quarto.
Ela acatou a ordem dele e correu em direção ao quarto. Pouco depois da ceia, que não teve a participação de nenhum dos dois filhos, pois Raven ainda não havia aparecido em casa, dona Nina levou uma cumbuca com um punhado de sopa já fria para sua filha. Não queria que sua menina dormisse de barriga vazia.
Ao entrar no quarto, a mulher ficou de coração partido. O rosto de Selena estava inchado pelo choro. – Come um pouco, minha filha.
- Não estou com fome, mãe.
- Por favor, ao menos um pouquinho.
- Está bem, não quero que se preocupe comigo.
- Como não me preocupar?
- Perdoe-me, mamãe.
- Eu é quem devo pedir-te perdão por ter que passar por tudo isso.
- Não fale assim.
Elas apenas se abraçaram e o silêncio do momento já dizia tudo.
Ao ficar sozinha de novo em seu quarto, Selena começou a pensar sobre sua vida. Não sabia mais o que fazer. Apesar da escuridão, notou que sua porta estava aberta e a claridade de uma vela de sebo infiltrou-se em seu aposento. Era seu irmão, Raven.
- Onde você estava? - Ela cochichou.
- Encontrei-me com Tomás na cidade antes de vir para casa e ele me contou tudo o que aconteceu. - Ele respondeu na mesma altura de voz de Selena, não queria que seus pais acordassem. - Eu e ele vamos embora hoje. Só vim aqui pegar algumas coisas. Para mim já deu.
- Mas, Raven e a mamãe? O que será dela?
- Eu pretendo voltar logo e tirá-la dessa vida maldita. Venha conosco, não pode continuar passando por tantos dissabores.
- Eu... Eu não posso.
- Tem certeza disso? Tomás me contou que vocês se amam e eu dou total apoio a vocês. Sei que ele é uma boa pessoa e confio nele para cuidar de você.
- Eu queria muito, mas não posso deixar nossa mãe para trás, ela irá sofrer demais se nós dois partirmos.
- Você é quem sabe. Eu voltarei para resgatar vocês duas, é uma promessa.
- Eu vou esperar por você, meu irmão adorado.
Eles abraçaram-se e choraram muito no ombro um do outro. Foi uma dura despedida. Raven partiu em seguida, antes entregou-lhe uma pequena pulseira feita com uma fatia de couro que ele possuía e usava constantemente. – Use-a, é um modo de ficarmos próximos, está bem? Estarei pensando em você todos os dias.
- Está bem. Eu amo você, Raven.