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- Eu vou ter que me casar com este homem? É isso? - Selena interrogava com uma voz fraca, um tom de desânimo assustador.
- Não. Ele não quer se casar, apenas quer tê-la em sua fortaleza.
- Uma concubina? - Seu olhar inexpressivo assustava sua mãe mais do que as palavras que saíam de sua boca.
- Eu não sei o que ele quer. – Dogan estava apático. Nem mesmo ele acreditava a que ponto havia chegado tudo.
- Está bem. - Ela concordou derrotada.
- Não! - A mãe manifestou-se incrédula. - Isso não vai acontecer. Selena não é nenhuma mercadoria, concubina ou seja lá o que for. Não pode simplesmente jogar a menina nas mãos daquele homem que me parece uma péssima pessoa. Aliás, por estar no meio de uma jogatina, boa coisa não pode ser. - Direcionou um ar reprovador para o marido junto com a alfinetada.
- Mamãe, a senhora não entendeu a gravidade da situação? Alguém pode perder a vida se o acordo não for cumprido.
- E a sua vida, Selena?
- Eu não sei, mãe. - Finalmente, lágrimas começaram a invadir o rosto dela.
Dogan apenas olhava em silêncio, não conseguia pronunciar uma palavra, era a visão da derrota.
- Quando eu devo ir, pai?
- Ele me deu três dias.
- Pois eu irei no último dia. Quero poder aproveitar o pouco que me resta ao lado de minha mãe. - Havia um teor amargo na frase dela.
Enxugou as lágrimas com as costas das mãos e voltou a sua labuta. Selena parecia diferente com o acontecido, talvez ainda não tivesse se dado conta da gravidade de sua situação, era como se estivesse anestesiada.
Começou a cuidar de seus afazeres com um enorme buraco em seu peito. Seu irmão havia partido assim como Tomás. Não haveria um passeio romântico naquele fim de tarde e por fim, seu pai a contemplou com a maior de todas as decepções.
Ainda pela manhã, antes de saber sobre seu trágico destino, tinha muitas esperanças em encontrar Tomás, afinal partiu junto a Raven e este havia prometido retornar. Aquele pensamento fazia com que a espera fosse tolerável, agora não adiantaria mais nada, ela pertencia a outra pessoa.
Dona Nina deixou a casa e foi fazer companhia a sua filha. Tentavam trabalhar sem tocar no assunto, apenas aproveitavam a presença uma da outra. Assim, os dias que sucederam o fatídico momento foram se passando. Selena tratava seu pai com restrições, não dava muita atenção a ele. Ele estava tão deprimido que pela primeira vez em sua vida, abdicou de seu vício. A despeito do motivo pelo qual ele fez isso, Selena ficou até feliz, esperava que ao menos o seu sacrifício servisse para algo. Sua mãe também mal falava com seu pai, estava muito magoada com ele, eram como dois estranhos vivendo sob o mesmo teto.
Selena também pensava todos os dias em seu irmão, imaginava como ele reagiria quando descobrisse toda a sujeira que ela fora envolvida.
Todas as noites, ela chorava em seu quarto até adormecer. Seus sonhos já não eram mais os mesmos, seu castelo de cristal tornara-se inalcançável. Não conseguia mais vivenciar seus momentos de princesa, tampouco reencontrar Tomás em seus sonhos. Isso também a magoava, pois seus sonhos eram uma maneira de escapar da dura e triste realidade. Contudo, não era algo que pudesse controlar, tinha que aceitar tristemente. Mesmo assim, sua mente sempre buscava criar algumas bonitas histórias enquanto estava só em sua cama, era tudo o que havia lhe restado.
O dia infortunado havia chegado. Dona Nina queria acompanhar sua filha até a fortaleza onde seria sua morada, porém Selena não deixou. Acreditava que seria ainda pior para sua mãe. Preferiu despedir-se dela ali mesmo, queria carregar a imagem de sua mãe na entrada de sua casa, era uma cena um pouco mais acalentadora para seu coração. O choro não foi contido, a despedida foi excruciante, a dor era pungente.
Seu pai a acompanhou até o seu destino, caminharam pela cidade em um grande mutismo. Selena preferiu assim, apesar dos olhos marejados, relutou para que permanecesse apenas assim. Ao pararem diante dos portões, Selena sentiu um bolo formar em sua garganta. Aquele lugar era sombrio, tinha um aspecto tétrico.
Havia um capanga de Klaus ao lado de fora, parecia já esperar por eles.
- Viemos para cumprir o trato. - Dogan proferiu.
- Klaus está à espera da moça. Todavia, apenas ela pode entrar. O senhor pode voltar daí mesmo. - O homem era austero.
- Mas... Está bem. - Ele encarou sua filha, não conseguia encontrar palavras para a despedida. A culpa queimava seu âmago naquele instante.
- Adeus, pai. - A jovem foi quem tomou a palavra. - Por favor, não faça mais besteiras.
- Eu prometo. - respondeu com uma voz alquebrada e de cabeça baixa.
Os portões se abriram e Selena foi conduzida para dentro das proteções daquele lugar fúnebre. Não demorou para os portões se fecharem atrás dela, ao ouvi-los bater, uma sensação ruim percorreu seu corpo. Caminharam por um longo corredor até chegar à entrada do castelo. Os olhos dela esquadrinharam tudo ao redor. Notou o quão abandonado era aquele lugar, havia somente ervas daninhas e algumas plantas secas que não dava nem para identificar que espécies seriam a ladear o lugar.
Ela continuou acompanhando o homem em silêncio até que surgiu uma senhora na entrada da porta, parecia estar pronta para recebê-la. - Olá, senhorita.
- Olá. - Selena redarguiu secamente.
- Eu sou Berta. É um prazer conhecê-la. Acompanhe-me, por favor.
- Sim. - Prosseguiu apática.
Elas caminharam por salas, corredores, era um lugar muito grande. Contudo, era frio e cheirava a mofo. As cortinas que adornavam as janelas, estavam puídas, encardidas. Havia uma janela ou outra trincada, alguns móveis pareciam deteriorados. Porém, entre tantas quinquilharias, havia algumas peças que pareciam novas ou em melhores condições. Era um contraste gigantesco. Apesar de todo o evidente abandono, o lugar estava bem limpo e organizado.
Logo, Berta apontou para um quarto onde Selena deveria entrar. Aqui será seu quarto por enquanto. Não sei o que Klaus planeja para você, mas a princípio ordenou que a deixasse aqui.
- E onde ele está?
- Resolvendo algumas pendências como ele sempre diz. - Havia um sorriso amarelado no rosto da mulher. - Há um baú ali no canto com algumas coisas dentro. Klaus disse que pode usar que é tudo seu.
- Agradeço. - O tom de Selena era frio e evasivo.
- Pode deixar suas coisas aqui e venha comigo para alimentar-se. Preparei algumas coisas especialmente para você.
- Agradeço, mas não estou com fome.
- Klaus determinou que a senhorita deveria se alimentar bem. Ele não gosta muito de ser contrariado. - Berta tentou sustentar um sorriso.
- Pelo jeito eu não tenho escolha, não é mesmo?
- Acompanhe-me, por favor.
Assim, Selena o fez. Infiltraram-se em uma enorme sala que possuía uma grande mesa de madeira no centro. Esta estava posta com inúmeras iguarias. Apesar de toda a turba de ressentimentos que carregava, Selena não pôde negar que aquilo encheu seus olhos. Não se lembrava da última vez que havia se alimentado como deveria. Seus dias, resumiam-se apenas em aplacar os ruídos de seu estômago. Acompanhou Berta e sentou-se em um lugar apontado à ela.
- Sirva-se. Fique à vontade para comer o que quiser.
A jovem ficou pétrea por alguns instantes, não sabia o que escolher, definitivamente estava salivando diante da comida. Ao menos aquele momento era bom para ela. Comeu como uma refém saída do cativeiro. Berta assistiu admirada, mas não falou nada, deixou que a moça ficasse realmente à vontade. Logo Selena lembrou-se de sua mãe, em como ficaria feliz em oferecer uma refeição assim à ela.
- Achei que a senhorita não estivesse com fome. - Berta acabou não resistindo em tecer um comentário.
- Estou tão acostumada a enganar a fome que nem percebi que precisava comer. Há muito tempo eu não comia tão bem...
- Compreendo.
Selena limpava sua boca com um guardanapo, quando escutou a porta da grande sala abrir; era Klaus. Ela arregalou seus olhos ao vê-lo. Ele apenas a fitou e esboçou um sorriso de canto de boca.
- Boa tarde, Selena. Seja bem vinda. - Foi muito polido ao saudá-la.
Ela apenas continuava o encarando. Seu corpo estava retesado e seu coração começou a bater desordenadamente.
- Não sabe falar, moça? - Ele prosseguiu ainda suavemente.
- Eu... É...
- Tudo bem. Não vou deixá-la ainda mais embaraçada. Sei que não deve estar entendendo bem a situação. - Ele pegou uma uva e colocou na boca. – Espero que tenha se alimentado bem.
- Sim.
- Ótimo. - Pegou outra uva. - Aconselho-a a tomar um banho. Berta irá preparar um especial para você, vejo que está precisando.
- Eu sempre me asseio, senhor.
- Eu não duvido de sua higiene, moça. Contudo, conheço bem sua situação e sei que há economia em tudo em sua vida. Olhe só seu cabelo!
- O que tem meu cabelo?
- Está ensebado. Parece que há tempos não recebe um bom trato.
- Eu... - Ela estava visivelmente constrangida.
- E por favor, jogue esses trapos que está usando fora. Tem vestidos melhores em um baú especialmente para você.
- Eu já a avisei. - Berta manifestou-se.
- Perfeito! Então arrume este seu visual, Selena. É inacreditável que tenham deixado uma moça tão jovem e tão bonita, chegar a tal ponto.
Selena não falou nada, apenas acompanhou Berta outra vez. Estava perplexa com o modo como fora tratada. Havia certa indignação dentro de si. Sua respiração começou a ficar pesada enquanto caminhava, pois os sentimentos começaram a mudar dentro de sua mente. Não gostou nem um pouco da empáfia daquele homem.
- Ele é sempre assim, Berta?
- Assim, como?
- Metido, mandão...
- Ele tem esse jeito sempre. Klaus é uma boa pessoa.
- Isso não pode ser! Ele? Uma boa pessoa? Você tem que concordar comigo. Olhe só o modo como vim parar aqui.
- Ele faz algumas coisas não muito boas, mas é bom sim. Acho que ele costuma escolher de forma errada como executar sua vida.
- Bem, tanto faz... Não estou em condições de discutir nada aqui. - Deu de ombros.
Berta preparou o banho como Klaus pediu, colocou óleos aromáticos na água fumegante e ajudou Selena a mergulhar na banheira. Apesar de estar contrariada, achou a sensação maravilhosa. Berta ajudou-a a lavar os seus cabelos negros para que ficassem com um aspecto melhor. Eram compridos, iam até quase a cintura, mas viviam envoltos em um coque constantemente.
Após o banho, Berta ofertou-lhes os vestidos, contudo Selena não queria usá-los, preferia usar um dos seus. Havia trazido consigo três peças e pretendia trajá-los.
- Senhorita, Klaus não gostaria de vê-la usando estes trajes.
- Já disse que quero assim.
- Está bem. Não vou discutir com você, resolva isso diretamente com ele.
- É o que vou fazer.
Depois de vestida, Berta penteou seus cabelos em um penteado diferente, deixando-os soltos. Selena gostava da fragrância que sua pele exalava naquele momento, jamais havia provado algo assim.
- Descanse um pouco, Selena. Mais tarde você se reunirá com Klaus novamente. Vocês irão jantar juntos e poderá esclarecer todas as suas dúvidas.
- Tudo bem.
Berta a deixou só naquele quarto e Selena deitou seu corpo sobre aquela cama macia, como era boa a sensação. Ela só estranhou o fato de ter que descansar. Descansar de quê? Sua vida sempre foi trabalhar, nem pensava na necessidade do descanso a não ser ao final do dia. Porém, não se fez de rogada, deixou seu corpo repousar por algumas horas, sabia que não adiantaria ir contra. Agora, ela pertencia aquele lugar. Não teria mais liberdade de escolha. O que o futuro lhe ofereceria dali em diante? O que aquele homem queria exatamente com ela? Este segundo questionamento a fazia sentir um medo colossal. Estava por conta própria, sem ninguém para protegê-la daquele homem ou de qualquer outra coisa.
Ao pensar em Klaus, ficava ainda mais confusa. A despeito da situação, ele a tratou bem, embora fosse um pouco grosseiro. Não gostou da forma como ele falou sobre sua higiene ou vestimenta, achou um insulto. Rememorou os momentos que viveu ao lado de Tomás, ele jamais diria algo desta magnitude à ela. Ele somente despejava os mais belos elogios. Suspirou profundamente ao lembrar-se dele e mais uma vez sentiu seu coração dilacerar com os sentimentos que ainda estavam aflorados.
Estava tão imersa em seus pensamentos que mal se deu conta de que pegou no sono no meio da tarde, algo atípico de se acontecer. Durante sua soneca, conseguiu sonhar com Tomás e seu doce beijo. Acordou feliz.