Alguns dias depois que fiz a prova, Fernando foi checar a lista dos aprovados pra mim. Quando ele chegou, eu estava colocando a mesa para almoço, Paola o recebeu.
Ele entrou com uma cara muito séria, e meu coração parou uma batida. Como seria no ano seguinte? Eu tinha que sair de casa, trabalhar, me manter. Como pagaria a taxa pra tentar de novo? Valeria a pena?
Fernando pegou na mão do meu pai e deu um beijo na testa da minha mãe.
- Tia, trouxe uma notícia não muito boa.
-Pode falar, Fernando. O que aconteceu?
- A senhora vai ter que colocar essas duas folgadas pra cuidar da casa ano que vem, pois em fevereiro, começa a formar uma odontóloga pela USP, porque a Alícia passou em sexto lugar no vestibular!
Segurei meu coração, depois pulei no colo de Fernando, rindo. Minhas irmãs pularam junto e começaram a gritar de felicidade, depois Paola saiu gritando em direção a rua, que eu ia me formar na USP.
Mas minha mãe mandou parar de escândalo, que não tinha motivos para aquilo. Eu estava abraçada com meu pai, que também parecia muito feliz com a notícia. Só minha mãe estava azeda! Me soltei do meu pai e virei pra ela:
- A senhora não pode ficar feliz por mim? Quantas pessoas você conhece que foram aprovadas na USP? Lá só entra bacana, é muito difícil um pobre conseguir!
- Parabéns, você é muito inteligente, não precisava de uma prova pra gente saber disso. Mas não é esperta. Você passou, mas não vai cursar. Sacrifício de tolo ir fazer a prova e ficar nessa ansiedade esses dias todos.
- Porque não vou cursar, mãe?
- Porque você prestou para odontologia, ao invés de escolher um curso mais fácil e acessível. Pra você cursar, precisa tomar duas conduções todos os dias, ids e volta, e quem vai bancar essa farra? E a carga horária não são 4 horas como na escola. Vai ter que sair cedo e voltar tarde. Quem vai fazer suas tarefas na casa? E pior, você não vai pagar mensalidades e matrícula, mas vai ter que comprar todos os livros porque a faculdade não dá o material didático, e para odontologia em especial, tem que comprar todo o material cirúrgico para estudar. Onde vai arrumar todo esse dinheiro?
- Eu vou trabalhar, mãe. Vou me virar, mas vou cursar a universidade.
- Não, você não vai. Precisa cuidar da casa pra eu trabalhar.
- Mãe, desde muito pequena, cubro todas as suas obrigações como a senhora do lar. Lavo, passo, cozinho, limpo a casa e cuido das suas filhas, como se eu fosse a mulher da casa. Mas agora é o meu futuro, minhas escolhas, eu sou quase uma adulta e não vou me afundar lavando seu banheiro e o de ninguém, em troca de um prato de comida.
- Sai todo mundo. Mayara, serve o almoço pra sua irmã, seu pai e o Fernando. Vou conversar com Alicia.
Quando estávamos só nós duas na sala, minha mãe virou pra mim muito calma e falou:
- Você ainda é menor de idade, eu preciso te matricular como sua responsável. Se você esperar até completar a maioridade, vai perder o prazo e a vaga vai pra outra pessoa.
- Eu tenho pai, sabia?
- Sério que você acha que seu pai vai fazer algo contra a minha vontade?
- O que você quer para me matricular?
- Você vai noivar antes da matrícula, e se casar quando terminar a faculdade.
- Aceito, não sei com quem vou casar, mas aceito.
- Você pensa que sou idiotå? Depois da maioridade, você cancela o acordo. Já vai estar matriculada mesmo. Por isso, você vai selar o noivado com a primeira noite antes do casamento. E vai servir seu noivo sempre que ele quiser. Vamos almoçar. Vou deixar você pensar. Mais tarde conversamos.
Depois do almoço, Fernando me ajudou a limpar a cozinha, depois pediu pra me levar pra tomar um sorvete. Claro que minha mãe só deixou, com ele prometendo que traria pra todos.
Na sorveteria, contei tudo para ele, que tinha percebido que eu não estava bem, quase nem toquei na comida.
- E o que você pretende fazer?
- Ainda não sei, estou tendo uma ideia, mas preciso conversar com ela primeiro. Amanhã você vem de manhã me ver, pra gente conversar?
- Claro, sempre! Mas porque será que sua mãe vai te casar?
- Amanhã eu te conto. Tenho uma teoria, e foi o que me deu a ideia.
- Então me conta...
- Acho que ela vendeu minha virgindade.
- Ela não faria isso. E mais, se foi alguém com dinheiro pra comprar sua virgindade, ela empurraria para Mayara e não pra você.
- A menos que seja um cara nojento e escroto, o que não duvido, pra comprar a virgindade de alguém.
- São só teorias, Alícia. E qual é sua idéia?
- Se ela vendeu minha virgindade, vai entregar com defeito.
- Não entendi.
- O cabaço é meu. Eu tenho um sonho e vou ter que fazer sexø pra conseguir atingir. Depois, lavou tá nova. Se eu perder a matrícula, não vou nem querer mais viver, quanto mais virgem. Se tenho que fazer esse sacrifício pra conseguir a matrícula, vendo minha virgindade antes!
- Está mesmo disposta a fazer isso?
- Não vou ser refém da minha mãe pra sempre.
- Certo. Converse com ela e amanhã nos falamos.