Olhei para ele, ainda com o braço preso pela mão dele, e um arrepio percorreu minha espinha. O homem não estava disposto a me deixar ir tão facilmente. Puxei meu braço com força, mas ele não soltou.
Olhei nos seus olhos, tentando transmitir que estava cansada de ser parte de algo que não entendia, que só queria sair dali, para continuar a busca pela próxima refeição, e não mais ser parte de alguma discussão absurda sobre mim.
- Eu não tenho nada para falar com você ou com eles. - Minha voz saiu mais firme do que eu imaginava.
Estava decidida a sair daquele lugar, sem querer me envolver mais em nada.
Ele me olhou e foi aí que vi algo diferente na expressão dele, uma coisa mais calculista. Ele olhou para os outros três irmãos com um sorriso estranho e malicioso e disse, quase como se estivesse testando algo.
- E se a gente fizesse algo com ela? Um banho, cortasse o cabelo, talvez mudasse um pouco essa aparência... - Ele olhou para mim com um olhar intenso, como se estivesse visualizando algo que eu não queria imaginar. - Ela tem um rosto bonito, olhos claros... Talvez ela possa ser mais útil do que pensamos.
Congelei. Não faço ideia se ele estava falando sério ou se era só mais uma dessas piadas horríveis. Mas, ao olhar para os outros irmãos, percebi que eles não estavam gostando nada do que Domenico sugeria.
Luca foi o primeiro a mostrar seu desgosto, virando o rosto como se o simples fato de Domenico ter sugerido isso fosse algo nojento.
- Não se iluda, Domenico. Ela é uma mendiga. Olha para ela! - Ele fez um gesto com a mão, como se estivesse afastando algo repulsivo. - Ela não vale nada. Não adianta fazer ela parecer menos suja, não mudará o que ela é.
Pietro, o mais velho, deu uma risada cínica, seus olhos cheios de desprezo enquanto me olhava com nojo.
- Eu não entendo como você pode pensar em colocar a gente em uma situação como essa. Ela está tão longe de ser algo que a gente possa... - Ele fez uma careta. - Nem que troquemos todo o lixo dela, ela nunca vai ser algo que possamos considerar.
Enzo parecia desconfortável, mas ainda assim se juntou aos outros.
- Domenico, você está perdendo a elegância. - Ele disse, cruzando os braços. - Não me interessa o quanto ela tenha um "rosto bonito", ela é só uma vagabunda de rua. Uma mendiga. Não tem nada que a gente queira.
Foi então que Luca, claramente mais irritado, deu um passo à frente e, com um tom de escárnio, se virou para Domenico.
- Sério, Domenico? Você quer comparar essa imundície com a Serena? - Ele apontou para mim com desprezo, como se o simples fato de eu estar ali fosse algo imperdoável. - A Serena é uma mulher linda, maravilhosa e cheirosa. Você não pode estar falando sério!
Pietro, igualmente abismado, riu amargamente.
- Comparar uma mulher que é como... como a Serena com essa... isso aqui? - Ele fez um gesto vago para mim, sem me tocar, mas o olhar de desprezo ainda estava ali. - Domenico, você está fora de si.
Enzo se manteve em silêncio, mas não parecia concordar nem um pouco. A tensão entre eles era palpável.
Fiquei parada ali, sem entender o que estava acontecendo. Eles estavam discutindo como se eu não estivesse no local, como se minha presença fosse irrelevante, e, ao mesmo tempo, pareciam me analisar como uma escolha, como algo que poderia ser descartado ou moldado à sua vontade.
Notava que eles pensavam poderem decidir o que fazer com qualquer pessoa, mas o modo como falavam de Serena, e a comparação entre mim e ela, me fez sentir ainda mais fora de lugar.
Com um suspiro, dei um passo para trás e desviei o olhar deles. Puxando meu braço da mão de Domenico.
- Olha, vou embora. Não tenho mais nada para dizer. - Falei sem olhar para Domenico ou os outros, minha voz firme, mas com um leve tremor.
Não era medo, mas a sensação de estar sendo despojada de qualquer dignidade ali. Estou exausta disso tudo e sempre ser humilhada.
E, antes que qualquer um dissesse mais alguma coisa para me ofender, me virei e me afastei, caminhando rapidamente na direção da rua, tentando ignorar o eco das palavras e olhares de desprezo que ainda pareciam me perseguir.
Me abaixei debaixo de uma árvore, sentindo a brisa gelada e a sombra me oferecendo um pouco de alívio. Olhei para os quatro irmãos, que continuavam a discutir entre si, mas agora a conversa parecia mais tensa. Não sabia o que estava acontecendo ali, porém, era como se eles estivessem se preparando para algo.
Domenico, o único que ainda me olhava ocasionalmente, parecia mais focado em suas palavras, como se estivesse tentando convencer os outros.
- Não é só sobre ela - Domenico disse, a voz grave e cheia de convicção. - Ela tem algo que podemos usar. Uma coisa que ainda não enxergaram.
- Você não está falando sério, Domenico - Luca retrucou, um tom de desdém na voz. - Ela não é nada, entende? Nada que valha a pena.
A conversa não estava mais sobre mim, mas, de alguma forma, ainda me sentia no centro daquilo. O que eles estavam planejando? Não ficaria para descobrir.
Levantei-me rapidamente, sem fazer barulho, e dei um passo atrás, afastando-me lentamente. O instinto dizia para eu sair dali o mais rápido possível, então comecei a me mover sem hesitar. Mas não dei sorte.
Quando olhei para trás, Domenico estava vindo na minha direção. Seu olhar era determinado, não tenho ideia do que ele estava pretendendo, contudo, uma coisa era certa: ele não desistiria tão facilmente.
Sem pensar duas vezes, virei-me e comecei a correr. Meu corpo estava em alerta total, a adrenalina bombeando pelas veias. Não posso deixá-los me pegarem. A sensação de ser observada me deixou ainda mais tensa. Olhei para os lados, tentando encontrar alguma rota de fuga, e vi a esquina à frente.
Correr até lá foi a única opção que me restava.
Meus pés batiam no chão com força enquanto eu fazia a curva, ouvindo os passos rápidos de Domenico atrás de mim. Ele estava mais rápido do que imaginava. Minha respiração ficou pesada, porém, não podia parar.
Cheguei à esquina e entrei em um prédio abandonado. As portas estavam meio abertas, e a escuridão me engoliu rapidamente. Fiquei lá, respirando fundo, tentando não fazer barulho. O silêncio do prédio me envolveu e me afastei da entrada, escorregando para o canto mais escuro que encontrei.
Ali, naquele refúgio improvisado, finalmente parei para respirar. Meus olhos estavam arregalados, o coração ainda batendo forte no peito. Estou em segurança, por agora, mas não sabia por quanto tempo. O que quer que fosse que os irmãos planejavam, estava longe demais para ver. Pelo menos por hoje.
A última coisa que pensei antes de fechar os olhos e me encostar na parede fria do prédio foi que talvez tivesse encontrado um abrigo para a noite. Um refúgio temporário, até que a situação ficasse clara.
E, por ora, isso era o suficiente.