Estamos passando por uma das ruas mais movimentadas quando o avistei de longe: Romildo. Esse cara era um dos encrenqueiros que também vivia na rua, e ultimamente ele não parava de me perseguir desde que voltei para essa área. A cada vez que o via, sentia um frio na espinha.
Romildo me viu e se aproximou com aquele sorriso malicioso que me causava náuseas. Continuei andando ao lado de Cal, focando em ignorar o miserável, mas ele veio direto em minha direção e, sem cerimônia, segurou meu braço.
- Ei, princesinha, por que sempre me ignora? Só quero conversar - disse, com esse tom de voz insuportável. - Aliás, acho você bem bonita.
Tentei soltar meu braço, mas ele apertou ainda mais. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Cal entrou na conversa, encarando Romildo.
- Deixa ela em paz, Romildo. Não percebe que ela não quer nada com você? Solte-a...
Romildo virou-se para Cal com um olhar de desprezo, como se estivesse apenas esperando uma desculpa para arranjar briga.
- Ah, olha só... O velhote intrometido falando de novo. Quem te perguntou, hein? É melhor não se meter, senão quem sai daqui machucado é você - respondeu ele, com desdém.
Odiava esse homem nojento. Duas vezes ele já tinha tentado se aproveitar de mim, mas, por sorte, consegui me defender e escapar. Só de olhar para ele, sinto uma mistura de raiva e nojo.
No entanto, antes que Romildo pudesse continuar com seus comentários nojentos, um policial que passava por ali, alguém que já tinha visto minha cara outras vezes, se aproximou. O oficial lançou um olhar sério para Romildo.
- Romildo, some daqui. E se eu souber que anda arrumando confusão, vou te deixar uns bons-dias na cela da delegacia. Está me ouvindo? - o policial disse, com autoridade.
Romildo me soltou na hora e tentou disfarçar, fingindo uma postura inocente.
- Que é isso, oficial? Só estava conversando com a moça...
- Some. Agora - o policial repetiu, sem dar espaço para conversa.
Romildo recuou, soltando um suspiro irritado e se afastou sem olhar para trás. Assim que ele sumiu da vista, o policial se virou para mim, analisando meu rosto com uma expressão de preocupação.
- Está tudo bem, Amara?
Respirei fundo, ainda sentindo o braço meio dolorido, onde Romildo tinha me segurado.
- Sim, estou... Obrigada por isso - respondi, um pouco sem jeito.
O policial assentiu, dando um leve sorriso.
- Qualquer coisa, você sabe onde me encontrar. Se ele aparecer de novo, não hesite em procurar ajuda.
Agradeci mais uma vez enquanto o policial se afastava, e Cal me deu um tapinha reconfortante no ombro.
- Esse Romildo nunca vai tomar jeito... - Cal murmurou, balançando a cabeça.
- Pois é, mas penso que ele sabe que não pode se meter com todo mundo. - Dei um sorriso de alívio ao ver aquele crápula longe de mim.
Por enquanto, estamos seguros.
Depois de algumas horas andando pela cidade, eu e Cal conseguimos um pequeno trabalho auxiliando o dono de um restaurante. A tarefa era simples: carregar algumas caixas de verduras e outras coisas para dentro. No final, ele nos pagou com uma marmita generosa e alguns trocados. Era uma sorte, pois fazia tempo desde nossa última refeição decente.
Enquanto caminhamos de volta para o prédio abandonado onde costumamos passar as noites, eu me preparava mentalmente para mais uma noite fria. Chegamos ao lugar e eu entrei procurando minha mochila, que sempre escondia em um monte de lixo no canto para ninguém pegar. Tirei algumas das novas roupas que peguei na doação e as guardei ali. Sabendo que o frio só ia piorar.
Cal estava do lado de fora, sentado embaixo de uma árvore que ficava perto da entrada. Quando me viu, ele suspirou, visivelmente preocupado.
- Esse frio só vai piorar, Amara. Quando o inverno de verdade chegar, será ainda mais difícil aguentar na rua - comentou ele, puxando seu casaco fino para cobrir mais o peito.
Assenti, me sentindo igual.
- É, espero que consigamos um bom número de casacos e cobertores antes disso. Não quero congelar aqui fora.
Ele sorriu e balançou a cabeça, concordando.
- Por falar nisso, daqui a pouco vão servir uma sopa lá na Praça Maplewood. Devíamos ir cedo, dizem que vão abrir vagas no albergue hoje. Quem sabe temos sorte e conseguimos um lugar quentinho para dormir esta noite.
- Boa ideia, Cal. Vale a pena tentar - respondi, sentindo uma pontada de esperança.
Seguimos para a praça e entramos na fila, onde outras pessoas aguardavam a sopa e uma chance de entrar no albergue. Estava focada, observando o movimento, quando senti uma mão segurando meu braço firmemente.
- Finalmente encontrei você.
Virei-me, assustada, e dei de cara com o homem da noite passada. Domenico. O susto quase me fez perder o equilíbrio por um momento.
Ele estava mais arrumado do que qualquer um por ali, exalando uma aura de alguém que definitivamente não pertencia àquele lugar. Ele é um homem bonito, o tipo de beleza que chamava atenção de longe, com o rosto bem definido e um leve sorriso de lado. Seus olhos azuis, intensos e penetrantes, estavam fixos em mim, com um brilho de determinação que me deixou inquieta. Eu não fazia ideia do que ele queria comigo, mas o frio na espinha voltou com força total.
Tentando disfarçar meu nervosismo, dei um passo para trás, me desvencilhando de seu toque.
- O que você quer comigo? - perguntei, sentindo meu coração bater acelerado.
Domenico apenas sorriu de lado, com um ar confiante.
- Precisamos conversar.
Dei mais um passo para trás, sentindo o olhar intenso de Domenico ainda fixo em mim.
- Eu já disse, não tenho nada para conversar com você. E não vou sair da fila. Estou tentando conseguir um lugar para dormir esta noite - respondi firme, cruzando os braços.
Domenico pareceu frustrado, mas determinado a não me deixar em paz. Ele suspirou, dando uma olhada ao redor e se inclinou um pouco, baixando a voz.
- Amara, é sério. Realmente preciso falar com você. É importante - insistiu ele, com uma expressão que eu não sabia se era desespero ou apenas pura obstinação.
Só balancei a cabeça, cansada de tanta insistência.
- Não vou sair da fila. Se você precisa realmente de algo, vai ter que esperar até amanhã - falei, tentando manter minha posição.
Eu não arriscaria perder uma das poucas oportunidades de ter um teto sobre minha cabeça esta noite.
Nesse momento, Cal, que estava observando de perto a situação, deu um passo à frente, colocando-se ao meu lado.
- Está tudo bem aqui, Amara? - ele perguntou, lançando um olhar de advertência para Domenico.
- Sim, Cal. Fica tranquilo, continua na fila. Vamos conseguir um lugar hoje - respondi, dando a ele um sorriso tranquilizador, mesmo que por dentro eu estivesse um pouco confusa com a insistência de Domenico.
Foi então que Domenico fez algo que não esperava. Com uma expressão quase desesperada, ele tirou um maço de notas de dentro do casaco e me mostrou.
- Escuta, se você aceitar conversar comigo, eu pago uma semana de hotel para você e seu amigo. Vocês não vão precisar ficar na rua - ele disse, colocando algumas notas dobradas na minha mão. Fiquei parada, atônita, olhando para o dinheiro.
- Como vou saber que isso não é conversa fiada? - perguntei, cética, embora estivesse surpresa com o gesto.
Domenico apenas deu um leve sorriso, exibindo uma confiança desarmante.
- Dinheiro não é um problema para mim, Amara. Sou rico, muito rico - ele respondeu, dando um olhar rápido para Cal, que também parecia surpreso.
Ainda hesitante, apertei as notas na mão, e Domenico me puxou levemente para o lado, afastando-nos um pouco da fila.
Olhei para Cal, um pouco incerta. Ele assentiu, compreensivo.
- Vai lá, Amara. Eu seguro sua vaga - disse ele, dando um sorriso de apoio.
Suspirei, ainda sem entender o que Domenico queria realmente de mim, mas pelo menos agora tinha uma oportunidade de ouvir o que ele tanto queria falar.