Capítulo 2 Gabriel

No momento em que ele falou aquelas palavras, uma onda de confusão tomou conta de mim. Como se ele soubesse de algo, como se já soubesse o que eu estava pensando. Eu me senti invadida, como se alguém estivesse controlando meus pensamentos. A sensação foi tão forte que, por um segundo, me perguntei se eu estava sonhando.

"Você precisa se desconectar." Ele disse de novo, a voz baixa, mas cheia de um peso que eu não consegui compreender.

Antes que eu pudesse reagir, a realidade ao meu redor parecia se desintegrar. O ambiente foi sumindo, como se tudo ao meu redor estivesse se desfazendo. O corredor, as paredes da escola, até mesmo o som dos meus próprios passos desapareceu. O que restou foi apenas uma imensa sensação de vazio, como se eu estivesse caindo, flutuando em um abismo sem fim.

E então, tudo ficou escuro.

Acordei com um sobressalto, o coração batendo descompassado. Eu estava de volta ao meu quarto. A luz suave da lua filtrava pelas cortinas, iluminando parcialmente o ambiente. Era noite. Mas o que aconteceu? Onde eu estava?

Tentei me lembrar do que acontecera, mas minha mente estava uma bagunça. Lembrei da escola, do Gabriel, e daquela sensação estranha, como se o conhecesse, como se já tivesse estado naquele lugar com ele antes, mesmo sem entender como. Mas nada fazia sentido.

Levantei da cama, os pés tocando o chão frio. A respiração ainda estava acelerada, e uma sensação de inquietação tomou conta de mim. Olhei para o relógio – era tarde, muito tarde. Mas algo em mim dizia que não deveria ir dormir ainda, como se alguma coisa estivesse me esperando.

Eu estava sozinha no quarto, mas parecia que algo mais estava ali, uma presença que eu não conseguia identificar. Olhei para o espelho na parede, e por um instante, o reflexo me pareceu... estranho. Meus olhos estavam diferentes. Não, não era isso. Era mais como se a cor estivesse mais intensa, mais vívida, como se houvesse algo dentro de mim tentando sair.

Tentei afastar esses pensamentos. Estava ficando louca. Nada disso fazia sentido. Mas mesmo assim, não conseguia ignorar a sensação de que algo estava prestes a acontecer. Algo que já havia começado e que eu não podia controlar.

De repente, o som de uma porta batendo fez meu corpo se tensionar. Eu não estava sozinha.

Com o corpo tenso e os batimentos acelerados, eu me virei rapidamente. Lá estava ele, parado na porta, me observando de baixo a cima, como se soubesse algo que eu não conseguia compreender. Meus pés pareciam colados ao chão. Uma sensação de pânico tomou conta de mim, e eu comecei a gaguejar, minha voz falhando.

"Quem... Quem é você? Onde está meu pai? Onde... onde estamos?" Eu recuava sem saber o que fazer, sem saber o que pensar. O quarto parecia o mesmo, mas tudo estava mais escuro, mais denso. O ar parecia mais pesado, como se algo estivesse sufocando a realidade ao meu redor.

Ele deu um passo à frente, e antes que eu pudesse reagir, segurou meus braços com força, me fazendo parar de me mover. Seu olhar era implacável, penetrante, como se estivesse tentando me forçar a lembrar de algo importante.

"Dara..." Ele disse, e ao ouvir meu nome, uma raiva crescente se ergueu em meu peito, como uma chama pronta para explodir.

Com um movimento brusco, virei o rosto. Foi quando meus olhos se encontraram com o espelho na parede. Algo estava errado. Eu não me via mais. O reflexo não era meu. Era... dela. A mesma, mas ao mesmo tempo, o oposto. A mesma expressão, os mesmos traços, mas algo diferente no olhar, como se ela fosse a versão inversa de mim. Eu quase pude ouvir uma voz em minha mente, como um sussurro distante, dizendo meu nome de uma forma que não era minha.

A raiva explodiu dentro de mim sem aviso. Não sabia de onde vinha, mas de repente, senti uma força estranha tomando conta do meu corpo. Com todas as minhas forças, empurrei Gabriel, fazendo-o perder o equilíbrio. Ele não se moveu, mas sua expressão não mudou. Eu gritei, a raiva se manifestando em cada palavra:

"Sai daqui!"

Não entendi o que estava acontecendo. Eu estava fora de mim, agindo sem pensar. Mas mesmo enquanto gritava, algo dentro de mim dizia para eu parar, para não ir tão longe. Mas já era tarde. A raiva não queria se apagar.

Ele me pegou nos braços novamente, me segurando com firmeza, seus olhos olhando diretamente nos meus, como se tentasse me acalmar, ou talvez me controlar. A sensação era estranha, como se ele estivesse tentando me puxar de volta à realidade, mas eu não conseguia compreender o que estava acontecendo.

"Dara," ele disse novamente, e ao ouvir meu nome, algo se quebrou dentro de mim. Meu corpo tremeu, minha respiração se acelerou, e tentei desesperadamente voltar ao controle, como se minha própria mente estivesse se distorcendo. O que estava acontecendo? Por que aquele nome, aquela voz, ele... ele me fazia sentir algo que eu não conseguia definir?

A sensação de não ser eu mesma me dominava, como se estivesse presa dentro de um corpo que não me pertencia. O vazio que antes parecia ser apenas uma sensação agora era real. Mas quando ele me envolveu em seus braços, me senti, pela primeira vez desde que tudo começou, como se estivesse voltando ao meu corpo. Seus braços eram firmes, mas havia algo protetor, como se ele soubesse o que eu estava sentindo e não me deixasse cair.

"Dara, calma..." Ele sussurrou, sua voz suave e constante, como uma âncora me mantendo firme no lugar. Eu tentei respirar, tentei me acalmar, mas tudo estava em pedaços. Minha mente, minha realidade... Tudo estava se desintegrando, e eu não sabia o que era real.

"Você... Você... sabe o que está acontecendo?" perguntei, ainda tremendo, minha voz vacilante, como se as palavras não saíssem corretamente. Ele me olhou com uma expressão que eu não podia decifrar.

"Sim, Dara. Eu sei. Mas você não está pronta para lembrar ainda."

Eu ainda sentia a pressão no meu peito, a respiração curta, como se estivesse sufocando dentro de mim. O abraço de Gabriel era firme, mas havia algo em seu toque que me fazia sentir como se ele quisesse me proteger... ou talvez me aprisionar.

"Dara..." A voz dele era suave, mas ainda assim, intransigente. Eu estava fraca demais para reagir, mas a sensação de raiva, essa raiva inexplicável, não se afastava. Ela queimava dentro de mim, vindo de algum lugar profundo, como se não fosse minha.

Gabriel me soltou de repente, e o som da porta se abriu. Meu pai entrou, seus olhos se fixando em nós. Ele não parecia surpreso, mas não pude deixar de sentir uma sensação de medo no ar, como se algo estivesse prestes a acontecer.

"Eu preciso ir," disse Gabriel, sua voz grave, ainda com aquele olhar penetrante. Ele me soltou rapidamente e, antes de sair, lançou um último olhar para mim. "Mas eu volto."

E, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se foi.

Fiquei ali, paralisada, o coração ainda batendo rápido, mas agora era diferente. A raiva, que me acompanhava há tanto tempo, parecia se intensificar. Era como se eu estivesse carregando um peso emocional que não me pertencia. Não era eu quem estava com raiva... era algo dentro de mim...

Olhei para meu pai, e o desejo de confrontá-lo, de exigir respostas, cresceu dentro de mim de uma forma incontrolável. Eu precisava saber o que estava acontecendo.

"Por que você esconde tanto de mim?" A minha voz saiu mais áspera do que eu queria. "Por que tudo tem que ser segredo? Por que nos mudamos tanto? O que está acontecendo, pai? Eu preciso entender!"

Meu pai parecia surpreso com a intensidade da minha reação, mas não me importei. Eu precisava saber. A raiva estava borbulhando em mim, como se alguém estivesse me controlando de dentro. Mas... quem era essa pessoa?

Ele hesitou, olhando para mim com uma expressão indefinida. "Dara... eu não sei se você está pronta para entender."

"Entender o quê?" Eu mal podia controlar as palavras que saíam da minha boca. "Você acha que eu sou uma criança? Que não posso lidar com a verdade? Eu já estou velha o suficiente para saber o que está acontecendo."

Ele se aproximou, mas sua expressão de culpa só me deixou mais irritada. "Eu não posso te contar agora, Dara. Você... você não entende o que está em jogo."

Mas algo dentro de mim não aceitava aquelas palavras. Eu sentia que a raiva, aquela que me tomava, não era minha. Era como se uma outra pessoa estivesse me empurrando para essa explosão de emoções. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas algo me dizia que eu não estava sozinha. Era como se outra pessoa estivesse dentro de mim, alguém que sentia algo tão forte que parecia me consumir.

"Eu preciso saber agora, pai!" Eu gritei, minha voz tremendo de frustração. "O que está acontecendo? O que você está escondendo de mim?"

Meu pai parecia cansado, e eu vi um lampejo de tristeza em seus olhos. "Eu só queria proteger você, Dara..."

"Proteger? De quê?" Eu não conseguia mais controlar o turbilhão de emoções que me dominava. "Você está me afastando de tudo, e eu não sei por quê! Não sei o que está acontecendo, mas eu não posso mais viver no escuro!"

Ele olhou para o chão, como se estivesse lutando com algo dentro de si. "Eu... Eu não posso te contar tudo agora. O momento certo... Ele ainda não chegou."

Mas eu não acreditava nele. Algo dentro de mim me dizia que ele estava escondendo algo. Algo grande. E não era só sobre mim. Era sobre algo mais.

Eu não sabia o que estava acontecendo, mas a raiva não ia embora. Ela queimava em mim, como se algo tivesse sido despertado, algo que eu não conseguia entender. Não sabia se era eu, se era uma outra pessoa... mas era como se alguém estivesse me guiando para esse abismo

            
            

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