Para Ana trabalhar até tarde, por outro lado, era rotina, conhecia o horário dos colegas, por isso a sala da Diretoria acesa sabia que o Ceo devia estar ainda reunido com alguma comissão, e antes de alcançar o elevador que ficava em frente ao corredor da diretoria, para que pudesse descer sem ser percebida, ele sai pela porta no fim do corredor, então ela numa manobra rápida desce pela escada.
A caixa estava particularmente pesada, tinha que ter cuidado, afinal eram todos os quadros envidraçados, por um descuido e pressa, acabou tropeçando caindo sentada, a caixa voou dos seus braços e foi parar degrau abaixo, muitos cacos de vidro pelo caminho.
Fez muito barulho na queda, principalmente seus quadros se chocando contra o mármore da escada, conseguiu chamar atenção de quem ainda estava no prédio, os guardas vieram, o Diretor Geral, alguns Diretores de seção, que ainda estavam em reunião e aquele que foi o motivo de sua afobação, Juliano, o primeiro a chegar ao local.
Ela como tinha caído sentada, não sabia bem o que fazer, algumas lágrimas chegaram aos olhos, estresse acumulado das últimas semanas, um pouco de dor no quadril e braço, um aperto no peito pelos seus quadros, que tanto adorava, eram apenas fotos impressas em tamanho pôster, mas tinha gastado uma grana mandando envidraçar.
Antes que alguém se propusesse a ajudá-la tentou levantar, mas uma dor forte foi acompanhada do reconhecimento de que tinha torcido o pé e quebrado o salto do seu sapato, as lágrimas se alargaram e já escorriam pelo seu rosto, dor pelo seu sapato favorito, porque apesar de não estar produzida, nunca abandonava seus scarpins, tinha um complexo por ser baixinha.
Logo lhe alcançou o Juliano, a levantou apoiando seu braço bom, o outro braço estava ardendo, outros rapazes auxiliaram para levá-la escada abaixo, com cuidado para não tropeçarem nos cacos de vidro, era apenas um andar até o estacionamento, acharam melhor levá-la logo ao pronto socorro, quando viu estava dentro de uma Mercedes Benz, banco de couro branco e seu braço ralado, sujando aquela preciosidade.
Implorou por ter à mão um lenço, alguém lhe estendeu um, ela estava atordoada por tanta gente, nem notou quem foi, ao que ser disposta no banco e lhe ajudarem a fazer um estanque para seu ferimento e acomodar no banco do carona, todos se afastaram e se viu dentro do carro.
Pelo vidro agradeceu a ajuda dos meninos, com um sorriso forçado, alguns ela tinha muito carinho, principalmente os vigilantes que eram seus companheiros de noite no trabalho, já tinha dividido muito pizza, refrigerante, café nos dias frios, bolo de cenoura com cobertura de chocolate que fez especialmente para eles.
Logo em seguida se senta ao seu lado o Juliano, estava realmente machucada, sabia que tinha que chegar ao pronto socorro e enfaixar pelo menos o pé, torcendo para não ter quebrado nada, mas pela dor que estava sentindo, sua esperança estava ficando fraca.
Fechou os olhos e permaneceu assim durante todo o trajeto, por sorte o homem não fez nenhuma gracinha, percorreu o caminho até o pronto socorro perguntando apenas onde ficava o atendimento mais próximo pelo GPS do celular, ela até ia responder quando ouviu pergunta e então veio instantaneamente uma voz mecânica do aparelho celular responder por ela, indicando o caminho.
Depois disso silêncio total, ao chegar ao hospital deu falta de sua bolsa, tinha ficado na sala, junto com seu celular, ficou feliz pelo aparelho, ainda bem, seria outro item perdido junto com seus quadros nesse momento, caso tivesse acompanhado a queda, mas dar entrada no pronto socorro sem seus documentos ia ser um problema.
Ao encostar o carro o Juliano a deixa sozinha por um breve momento, eles não chegam a conversar, ela supõe que ele foi atrás de ajuda para que ela possa ser atendida, logo volta com uma cadeira de rodas, logo sua porta é aberta e ela é transferida pelos braços de Juliano, ela nota que sua camisa já está suja sangue, morta de vergonha e muito agradecida, não consegue dizer nada.
Ele a leva para a recepção para fazer sua ficha, a recepcionista pede seus documentos, ela informa que não está com sua bolsa, a atendente de poucos amigos, informa que é necessário que alguém com documentos assine sua ficha, o Juliano já apresenta sua carteira de motorista, assinando sua internação.
Ela então tratou de trocar alguma palavra com ele, agradecendo a ajuda e pedindo o favor de trazer sua bolsa e celular, assim ela poderia chamar alguém de sua família para ajudá-la. Ela é levada para atendimento e então eles se separam, após ser atendida e devidamente, recebe alguns analgésicos que a deixam anestesiada.
Perdeu a noção do tempo, mas estava limpa e enfaixada, uma bota muito incômoda é posta em sua perna, uma tipoia no pescoço suspendendo seu braço, onde levou três pontos.
Depois de alguns raio x e uma tomografia, o médico a tranquilizou, não era nada grave, uma torção no tornozelo, um corte no braço, uma luxação no cotovelo, o médico riu de seus "ossos fortes" como ele falou, ela deu graças por ser mais cheinha e ter carne suficiente para proteger suas juntas.
Mas achou um exagero todo aquele aparato, apesar do médico frisar que ela teria que passar pelo menos 15 dias com a bota, a tipoia era necessária até pelo menos a retirada dos pontos no braço, antes de poder sair, tinha que acertar na recepção do pronto socorro sua internação e todos os procedimentos, ela tinha plano de saúde, mas precisava de sua bolsa para fornecer seu cartão do seguro.
Ao chegar à recepção ainda se adaptando às muletas, suas novas amigas por duas semanas, viu que o Juliano já havia voltado com suas coisas e a esperava no saguão, ela agradeceu novamente a gentileza, foram juntos até o balcão de atendimento para concluir seu cadastro, a enfermeira exigiu que o Juliano assinasse sua alta, ela ficou muito constrangida, pois observou que a conta do atendimento já havia sido paga por ele, então seus documentos serviram apenas para completar seu cadastro como paciente.
Ela tentou reverter aquele engano, mas ao que parece seria um processo de ressarcimento chato e ela teria que pagar a diferença, pois quando perguntou quanto tinha sido a conta, era quase um mês de seu salário e seu plano era para enfermaria, percebeu que Juliano ao fazer o cadastro havia exigido um tratamento vip.
Envergonhada, ficou sem saber o que fazer, decidiu pensar depois em uma solução para ressarcimento, não ia ficar em dívida, não com ele. Estava cansada, tonta pelos analgésicos, não queria se desgastar e discutir também, a recepcionista pareceu pouco amigável, além do mais, não era com ela que tinha que negociar, ia entrar em contato com o financeiro do hospital diretamente, para achar uma saída.
Não, que não tivesse o dinheiro, mas ele iria sair direto de seu fundo de viagem, e sabia que já tinha lido em algum lugar que era obrigação do hospital cobrar apenas o valor dos procedimentos não cobertos por seu plano de saúde.
Saiu da recepção acompanhada do Juliano, ele tratou de acompanhá-la ao seu carro, novamente, ela já de posse do seu celular, agradeceu toda a ajuda, mas que ia pegar um táxi até em casa, já tinha dado trabalho demais. Ele insistiu em levá-la, ela olhou a hora, achou mais prudente, com muletas e tudo pegar uma carona com esse cara que se mostrava uma boa alma.
Ele perguntou onde ficava sua casa, ela deu o endereço que foi prontamente falado ao GPS, e então relaxou no banco de couro, antes tratou de limpar a manchinha de sangue que estava no banco durante o caminho, usando o lencinho que ainda levava, com seu braço bom, o que lhe rendeu algumas caretas de dor.
Seu companheiro de trajeto não falou nada, desde que entrou no carro e após conseguir a direção de sua casa, ligou seu rádio e ficou quieto o resto do caminho, sua casa ficava num bairro mais afastado, mas bem agitado, onde havia muitos comércios e indústrias, sua rua por outro lado era um oásis de tranquilidade, com uma vegetação intacta no seu quintal, sem vizinhos imediatos, um achado imobiliário de sua mãe.
Ficava no alto de uma colina, então ela tinha vista para a cidade, se ela tivesse mais dinheiro poderia construir um casarão, mas ainda estava se situando na casa deixada pelos pais, então ela estava do jeito que eles construíram com seu orçamento modesto, dois andares, uma pequena varanda, e muito espaço, onde seus cachorros se divertiam.
Assim que entrou na rua, sentiu uma pontada de orgulho, era um bom lugar para morar, ao menos disso sempre teve muito orgulho, ao chegar em casa sentiu falta do seu carro parado na entrada do portão, afinal ele tinha ficado na empresa, ao parar na entrada Juliano lhe ajudou com as muletas.
Seus cachorros vieram recebê-la no portão, seu comitê de boas vinda diário, viu Juliano se retrair pelo tamanho dos monstrinhos, ela agradeceu toda a ajuda, explicou que os cachorros não eram sociáveis e para ela seria complicado prendê-los naquele momento, com muleta e tudo mais, ele bem contrariado ele se despediu e desejou melhoras.
Ao entrar no portão, por algum motivo lembrou da reunião marcada para o dia seguinte, e pensou que ainda tinha que fechar a semana para então descansar um pouco, tinha planejado fazer um tour pela Europa de trem dali a duas semanas, já tinha comprado a passagem para seu primeiro destino: Paris.
Com a demissão iria ganhar uma indenização, isso iria lhe render fundos para se manter por uns 6 meses e ainda custearia parte da viagem, a outra seria do fundo de viagem que tinha montado, pensou em tirar esse mês antes de encarar o novo desafio, até porque não sabia quando poderia tirar férias novamente.
Deixou acertado na nova empresa que iniciaria depois do ano novo, assim, teria tempo de viajar e passar as festas de fim de ano com a família, no fim das contas sua demissão acabou sendo algo a comemorar, uma mudança, que ela esperava fosse positiva, a empresa nova pagaria um pouco menos, mas ela teria mais comando, a pessoa que estava no cargo iria se aposentar no início do ano.
Assim ela iniciaria ainda com o encarregado geral no comando, passando a gerência aos poucos a ela, até que ela se interasse do funcionamento pleno da empresa. Secretamente ela passou a pesquisar sobre a empresa e até conseguiu o último balanço anual para estudar suas atividades de caixa.
Na empresa atual ninguém sabia para onde ela iria, mas a conheciam o suficiente para sabe que quer ela não ficaria desamparada, alguns viravam o nariz para ela, a chamando de patricinha, por ter herdado a casa dos pais. Todo o resto ela sempre arcou sozinha, até mesmo parte de seus estudos, pois assim que começou na empresa como estagiária já conseguiu ter dinheiro para se manter sozinha.
Depois de lutar contra seus cachorros para entrar sem ser derrubada, largou as muletas no sofá da sala, estava com tremendo problema, como chegar ao seu quarto, os dois lances de escada pareceram obstáculo intransponível, estava tarde, não ia tirar seu irmão de casa, resolveu deitar ali mesmo, pelo menos naquele dia não ia testar a sorte com as muletas para subir sua escada.
Pegou na bolsa a cartela de analgésicos, buscou um copo de água na cozinha, pulando num pé só, tudo ia ser difícil essa semana, coisas simples como essa era um desafio, deitou no sofá e se cobriu com a mantinha, a dor latejante no braço e na perna foi reduzindo, tinham voltado logo que entrou no carro.
Acordou sem sonho, uma chuva forte se ouvia, nossa, ir trabalhar com muleta, sombrinha, tipoia, bolsa, tinha que pensar em como resgatar seu carro, não ia ter jeito, tinha que pedir ajuda ao irmão, ligou para ele logo depois de tomar o café, precisava que ele viesse lhe ajudar a subir a escada tomar banho e trocar de roupa.
Assim que falou com ele, em poucos minutos a trupe toda estava a sua volta lhe paparicando, a sobrinha ria toda vez que ela pegava a muleta, não era nem oito da manhã e a casa estava em polvorosa, por sorte o irmão só começava as nove no trabalho, ia pode ajudá-la.
Não fez muita sala, o irmão a ajudou a subir, a cunhada deixando o bebê no carrinho, ajudou com a louça do café e a própria bagunça da filha, eles já sabiam da sua saída na empresa, então compreenderam quando ela insistiu em ir trabalhar naquele estado, deram uma carona até a empresa, ficou combinado que no final da tarde, o irmão iria buscá-la junto com a cunhada e ele levaria seu carro devolva à sua casa. Agradeceu aos céus por ter uma família tão prestativa.
Chegou à empresa e os vigilantes ficaram preocupados por seu estado, ajudaram-na pegar o elevador e até carregaram sua bolsa, chegou toda paparicada no seu setor, ela ia sentir falta deles. Não foi diferente com sua equipe, André lhe disse que o Ceo veio cedo avisar que ela não viria para a reunião da tarde, e que sua demissão havia sido postergada até sua recuperação.
Ela ouviu aquilo incrédula, mas já tinha acertado as coisas, sentou na sua sala, que ainda tinha duas caixas num canto, a mesa limpa, ligou o computador, faltava transferir alguns arquivos pessoais e liberar espaço em disco, sentiu uma pontada pensando nos quadros quebrados do dia anterior, devem ter jogado fora as fotos.
Em casa tinha resolvido encerrar o contrato naquele dia mesmo, não ia ter condições de ir trabalhar todos os dias, seu irmão não ia dar conta da carona todo dia, mas a notícia que seu contrato foi prorrogado até o final de sua licença, tratou de passar nos recursos humanos para se certificar dos procedimentos legais, se pudesse já encerrar o contrato amigavelmente o faria, assim, tudo já ficava resolvido e ela livre para poder se cuidar.
Antes de ir até aquele setor, André se antecipou e chamou Lúcia, a chefe de RH para conversar, ele mesmo parecia impaciente em resolver a situação com ela, porém Lúcia deixou bem claro que ela teria que estar plena para poder assinar a demissão, pois teria que fazer um exame médico revisional, política da empresa.
Então ela se resignou, ficaria duas semanas em casa, no retorno poderia vir assinar sua demissão, acertar a indenização, o comando já passaria ao André de toda forma, que ficaria já encarregado do cargo, as 15:30 no horário da reunião Juliano adentrou na sala em que ela esperava com André, ele pareceu perplexo quando a viu.
Informou que não era necessária sua presença e que poderia descansar em casa, ela explicou que tinha que ficar até as 18:00 quando alguém viria para buscar seu carro e levá-la para casa, ele olhou para suas muletas fixamente, André tomou a dianteira, convidando-o a sentar-se, eles tinham preparado uma apresentação ao CEO, um relatório da situação da filial, sob aspecto da produção, aguardaram o Diretor Geral chegar para iniciar a reunião.
Juliano ficou quieto durante toda a reunião, Ana tomou a palavra para reforçar a parte do relatório sobre a quantidade de operadores na equipe, o CEO fechou a cara, não parecia gostar do que estava vendo, ao final entregaram o relatório detalhado, ele deu mais uma folheada, tomou a palavra e colocou suas preocupações quanto a transição, fez várias perguntas à Andre sobre a situação atual, como que para testá-lo.
André era um cara esperto, ótimo funcionário, por isso sempre foi o gerente substituto, se a empresa não estivesse em retração, seria ideal para uma posição de Diretoria em alguma nova filial, em condições normais não haveria porque ele não dar conta do serviço com certa facilidade.
O problema é que com a redução no quadro, muitas pessoas acumulariam funções, algumas adaptações seriam necessárias nas operações, novos recursos teriam que ser contratados, com urgência, elevando o custo da empresa, o que não compensaria com a economia com pessoal, pelo menos não no curto prazo, principalmente pela necessidade de atualização do software de gestão, esse seria um custo alto imediato.
O CEO pareceu preocupado, mesmo depois das perguntas, fitava o relatório pensativo, quando chegou próximo das 18:00, eles ainda estavam discutindo alguns números, quando Ana recebeu a ligação de seu irmão, que estava quase chegando com sua cunhada para recolhê-la e o pegar o carro.
Ela pediu licença, desejou a todos sorte na empreitada, ficaria duas semanas fora e quando retornasse seria apenas para formalizar a demissão, o Diretor Geral da unidade quis iniciar um discurso improvisado de despedida, mas ela teve que cortá-lo, pois seu irmão já estava esperando no estacionamento da empresa, ela pediu desculpas novamente, explicando que sua carona acabava de chegar. O CEO apenas apertou sua mão e lhe desejou melhoras. André lhe deu um abraço afetuoso, ele era bem mais velho que ela, mas os anos trabalhando era quase família.
Muito discretamente ela comentou que teriam uma festa de despedida no seu retorno, o que era uma frase bem incoerente, mas fazia todo o sentido na sua situação. Dois colegas de equipe a ajudaram levando suas caixas até o carro, as duas últimas, os quadros já estavam no lixo ela sabia, mas ali tinham outras preciosidades.
O resto da semana de descanso em casa pareceu interminável, estava certa que estaria fora da empresa na sexta, mas com toda aquela história, esqueceu-se de desmarcar a viagem que iria começar na segunda, então passou o resto da semana ligando para a companhia aérea para remarcar a viagem e para os hotéis em que tinha feito reserva para ajustar as datas de entrada, alguns estavam lotados para outras datas, então teve que negociar para que ressarcissem o valor no seu cartão de crédito.
Também tinha problemas para tratar com o hospital, uma vez que tinha situação da internação pendente, estava em débito com Juliano, além da ajuda prestada não permitiria que lhe ficasse devendo o dinheiro, mesmo que isso fosse de pouca importância para ele, era uma questão de honra.
Na semana seguinte foi ao hospital tirar os pontos também fazer retorno com o médico para ver se a luxação no tornozelo estava melhor, fez outra radiografia, estava tudo voltando ao lugar, já não sentia dores, e o pé estava desinchando, ela perguntou se podia abandonar a muleta, mas foi proibida, iria poder largar o kit na próxima consulta se tudo estivesse já finalmente no lugar.
Neste período ficou andando de Uber, estava se sentindo uma madame, com motorista, quase se convenceu a vender o carro e passar a usar apenas o aplicativo para locomoção, mas tinha muito apego ao SUV para vendê-lo, além do mais, de certa forma tinha ficado limitada aos trajetos essenciais com a bota no pé, não ficava desfilando de um lado para outro.
Seu irmão e cunhada vinham fazer companhia neste período, ajudá-la vez ou outra, ela também se permitiu ter uma empregada por duas semanas, indicação da cunhada, era um custo alto, mas necessário, de fato tinha virado uma madame com esse acidente.
Na saída do hospital, enquanto aguardava seu Uber, encostou uma Mercedez, bem a sua frente, ela foi com sua muleta mais para o lado na calçada, para assim, poder aguardar o Uber com tranquilidade, nem notou que Juliano saía do carro, e quando ele bateu em seu ombro estava distraída olhando na tela do celular o trajeto que o carro do Uber estava fazendo para chegar.
Levou um susto, seu celular caiu ao chão, por obvio ela não conseguiria com bota e muleta descer para juntar, ele a ajudou e ela viu com muita tristeza que sua capa da Bonequinha de Luxo estava quebrada, mas recobrou a felicidade ao ver que a tela estava intacta, foi voltou para a realidade a sua volta, Juliano estava a sua frente, o fato bem insólito.
Ele ofereceu carona, mas ela apontou o celular dizendo que estava esperando seu Uber, então ele perguntou como ela estava, ela achou que ele estava esperando alguém do hospital, um sorriso saiu sem querer quando pensou que talvez ele fizesse um bico de paramédico, puxando uma conversa bem tímida, ela informou que veio tirar os pontos, ele perguntou quando ela tiraria a bota, ela informou que ficaria presa àquela coisa por mais uma semana.
Ela perguntou sobre a empresa, de forma bem genérica, pois apesar de ainda vinculada legalmente por conta da licença médica, já estava se desapegando daqueles problemas, não queria voltar a se preocupar aquilo que na prática já não era mais seu, mas internamente sempre tinha curiosidade, talvez um pouco de vaidade, de saber como as coisas estavam se saindo.
Ele não foi muito esclarecedor, assim como a pergunta foi genérica a resposta também o foi, pelo que ela não teve muito esclarecimento, as mensagens que recebia vez ou outra de André, pedindo alguma informação, diziam muito mais sobre o que estava afligindo a empresa. O silêncio, já costumeiro entre eles, voltou, ela desbloqueou a tela de seu celular para voltar a acompanhar a rota de seu Uber, que já devia estar chegando pelo tempo que havia se passado desde de que tinha pedido.
Observou, que com a queda o botão de cancelar a viagem foi ativado, assim, seu Uber não chegaria, como que adivinhando, Juliano lhe perguntou se demoraria muito sua carona, ela explicou que a viagem tinha sido cancelada sem querer na queda, ela ficou vermelha como um pimentão, pois era certo que ele encararia aquilo como um aceite à sua carona.
Ela não fez muita cerimônia, estava com vontade mesmo de passear de Mercedes e lembrou que precisava ainda tratar com ele do ressarcimento que já tinha conseguido e seria direcionado ao cartão de crédito dele, não tinha mencionado na reunião um assunto pessoal, pois nem tinha ainda resolvido o problema, mas naquela semana em casa conseguiu se comunicar com o financeiro do hospital e acertar as coisas.
Assim que ele deu partida no carro ela informou que tinha conseguido acertar as coisas com o hospital, ele a olhou de relance e cerrou os olhos, ela seguiu explicando os detalhes técnicos que explicavam a demora no acerto, pediu que ele conferisse no extrato de seu cartão se de fato fizeram o estorno e que se algo desse errado que ele lhe informasse, o prazo dado foi de 5 dias úteis, então venceria na próxima quarta feira.
Ele assentiu com a cabeça, não tirando os olhos da estrada, viu que ele não pôs no GPS a direção de sua casa, mas ele parecia conhecer, não lhe perguntou nada, continuava dirigindo, era próximo do meio dia, pensou que era seu horário de almoço, lhe voltou o pensamento do que ele fazia no hospital naquele momento, logo após sua saída da consulta.
Apesar da timidez, decidiu tirar a limpo, perguntando se não estava atrapalhando seu trajeto, ele prontamente respondeu que não, em seguida questionou sobre o fato dele estar no hospital, demonstrando uma falsa preocupação sobre algum colega que por ventura estivesse precisando de cuidados, pois estava realmente desconfiada da sua presença naquele local.
Ele ficou quieto por alguns segundos, suspirou e respondeu que a recepcionista havia lhe ligado informando da consulta logo pela manhã, ela lembrou que recebeu a mesma ligação pela manhã em seu celular, e lembrou que o número dele devia estar ainda em seu cadastro como número de contato, praxe do hospital, pois ele tinha figurado como seu responsável, assinando inclusive sua alta naquele dia.
Ela ficou muito envergonhada, não sabia o que responder, ele sentiu seu embaraço, e respondeu que tinha uma reunião no centro logo após o almoço, então era caminho, pensou em ver como ela estava, ela agradeceu a atenção, estavam chegando à sua casa, pareceu uma indelicadeza desta vez não lhe convidar a entrar, apesar de que não tinha muita coisa para oferecer, torcia que a empregada que tinha contratado temporariamente já tivesse com o almoço pelo menos começado.
Ele aceitou, com a empregada em casa seus cachorros passavam o dia no pátio traseiro, pois a empregada não conseguia controlá-los e tinha medo deles, todo dia pela manhã ela usava todo seu charme e persuasão, que se resumia uma caixa de biscoitos caninos, para atraí-los ao pátio traseiro, onde um cerca separava o quintal da parte frontal da casa, ao final da tarde os soltava para poder transitar livremente por toda a casa, exceto o interior.
Ele a ajudou a sair do carro, com sua muleta, ela vasculhou na bolsa seu controle remoto do portão, muito pacientemente ele a acompanhou até a entrada de sua casa, com sorte ao entrar sentiu o cheiro da comida da Dona Olga, que se mostrou melhor cozinheira do que faxineira, mas ela achou ótimo, nunca foi uma neurótica por limpeza.
Ela o apresentou à empregada, ele olhava sua casa com curiosidade, sentaram-se na sala, que agora era uma espécie de quarto improvisado, mas Olga deixava tudo arrumado. Ela tratou de puxar alguma conversa, já que ele permanecia mudo, ela viu que ele olhava para os retratos na mesa de centro, sua família, tinha também livros e alguns rabiscos dela, depois para os quadros, que eram mais registros de viagem.
O por do sol numa vila INCA no Peru, outro dela no meio de ciganos no mercado em Praga, já tinha visitado muitos países, ela tratou de falar amenidades de viagem, contar as circunstâncias de viagens, ela perguntou se ele já tinha ido à Nova York, já que lhe parecia fascinar a cidade, ele respondeu que tinha ido pelo menos cinco vezes esse ano.
Ficou totalmente envergonhada da pergunta, é claro que um homem de negócios como ele já deveria ter rodado o globo em busca de parcerias comerciais, ele explicou também que passou boa parte da adolescência nos Estados Unidos, bem como retornou ao Brasil para se graduar na USP em Economia e fez especialização em Harvard, morou em Nova York por dois anos, antes de voltar ao Brasil.
Tinha lido sua biografia, sabia disso, mas não era fácil ouvir do próprio homem, suas viagens eram apenas souvenir para ele, que devia olhar com curiosidade como os pobres mortais se vangloriavam dessas pequenas conquistas.
Ele se voltou para os livros de viagem que ela tinha sobre a mesa de centro, alguns esboços de casas, um hobby que tinha, também estava aberta sua agenda onde planejava sua viagem, na verdade estava toda rabiscada a página, pois tinha remanejado toda a viagem com o acidente.
Dona Olga veio perguntar algo sobre o almoço, quando ela voltou atenção para seu convidado ele tinha um dos esboços na mão e olhava com atenção, elogiou seu trabalho artístico, não era grande coisa, era um desenho mais técnico, mas com esses dias de tédio tinha dedicado bastante atenção naquele esboço, era como ela imaginava sua casa dos sonhos no alto da colina, se um dia tivesse dinheiro e coragem para derrubar sua casa atual.
Ele perguntou porque ela tinha não tinha um desenho desses em um quadro, ela muito timidamente, explicou que na verdade não era uma desenho artístico, mas um projeto arquitetônico, ele perguntou então se ela tinha formação em arquitetura, ela explicou que chegou a fazer algumas matérias quando ainda estava na faculdade de engenharia, mas que não tinha habilitação para construção civil.
Dona Olga voltou convidando eles a se sentarem para o almoço, ela viu que havia apenas dois pratos na mesa arrumada, com os olhos pediu para ela trazer outro prato, Dona Olga negou com a cabeça, como se tivesse com medo do convidado, mas ela insistiu, ela olhou para o convidado sentado que olhava aquele embate silencioso com curiosidade, um sorriso no canto da boca.
Ela ganhou a batalha de olhares e Dona Olga voltou com um prato a mais e os talheres sentando na frente do convidado, na ponta da mesa ela já estava sentada, comeram, vez ou outra Juliano fazia algum elogio espontâneo à comida, Dona Olga foi ficando mais a vontade, orgulhosa.
Logo a empregada passou de retraída para faladeira, contando um pouco da rotina da patroa nessa última semana, instigada por um inquisidor como Juliano, que até estava se divertindo com a empregada, principalmente quando ele perguntou como a enferma estava se portando esta semana.
Dona Olga passou o relato dos primeiros dias difíceis, de como ela era teimosa em não querer ajuda, ela tentou amenizar dizendo que era a primeira vez que tinha uma empregada em casa, que realmente esta semana estava sendo um aprendizado. Terminado o almoço Juliano a ajudou a sair da mesa e voltaram para a sala, ele informou que tinha que retornar à empresa, agradeceu o excelente almoço e deu votos de que ela se restabelecesse logo.
Sentiu que estava ficando amiga daquela pessoa, que até algumas semanas atrás era um completo estranho, mas ao lembrar das circunstâncias em que seus caminhos se cruzaram, sentiu um aperto ao peito, ainda estava ressentida pelo emprego, era um fato, não podia esquecer tal coisa assim tão fácil, e o sorriso que tinha dado ao se despedir dele morreu.