A semana se passou e enfim pode voltar ao hospital para livrar-se de vez da bota, o médico fez outro raio x, ela afirmou não sentir dor, nem estava mais tomando a medicação, ele deu alta, mas proibiu qualquer esporte radical, longas caminhadas e evitar escadas por mais um mês para não exigir demais dos ligamentos e receitou fisioterapia e hidroterapia para uma recuperação completa.
Sua andança pela Europa estava fora de cogitação, por sorte, após o trabalho com o cancelamento das reservas e ressarcimento da passagem, tinha resolvido acertar as datas da viagem apenas quando tivesse de fato alta médica, além do mais, precisava estar liberada da empresa, isso seria na segunda-feira seguinte.
Liberada da bota estava com pressa de voltar em casa, ficou receosa de novamente encontrar Juliano na saída do hospital, mas sabia que desta vez seria impossível, pois sabia por André que o CEO havia se despedido de todos na quarta-feira, voltando à matriz. Voltou para casa de Uber, estava ansiosa para dar uma volta com seu próprio carro, estava com muita saudade de dirigir, marcou as dez seções de fisioterapia e hidroterapia assim que chegou em casa.
Iria viajar apenas quando estivesse plena fisicamente, pois costumava caminhar pelas cidades, para conhecer a rotina dos locais onde visitava e eram longas caminhadas não poderia arriscar acabar machucada pelo esforço demasiado. Durante a semana que seus pais estiveram com ela, pode contar tudo que estava acontecendo em sua vida profissional, eles a convidaram a passar pelo menos uma temporada em sua casa no litoral.
Sabendo agora de sua limitação temporária, resolveu ligar para a mãe e contar da alta e que iria para a praia na quarta-feira seguinte, antes iria voltar ao trabalho na segunda-feira, assinar a saída, fazer sua despedida, por ter se comprometido na terça para jantar com umas amigas, então apenas na quarta cedo poderia pegar estrada para o litoral.
Também acertou as duas semanas de Dona Olga, um anjo nestas duas semanas, mas não tinha orçamento para manter uma empregada, por sorte ela já tinha uma posição em outra casa, essas duas semanas foi um empréstimo de uma amiga da cunhada de Ana.
No sábado acordou cedo em sua cama, nem acreditou, duas semanas dormindo na sala, o dia amanheceu ensolarado, brincou com seus cachorros, fez uma leve faxina na casa, ainda estava se recuperando, mas precisava transferir as coisas da sala para seu quarto novamente, principalmente as roupas.
A tarde resolveu caminhar um pouco num parque, nada de muito esforço o médico havia alertado, então ela apenas deu uma pequena volta, levou um livro e sentou-se em um dos bancos, mas logo o tempo nublou e teve que se levantar e ir depressa ao carro para não levar um banho de chuva. Chegando ao carro, pensou se não seria o momento de ir a Nova York novamente, fazer essa rotina no Central Park por duas semanas ia ser revigorante, não exigiria muito esforço, evitaria longas caminhadas.
A noite sua amiga Diana a chamou para um barzinho, comemorar seu restabelecimento, ela ainda não estava apta para andar de salto, ia esperar a semana de fisioterapia para se equilibrar num salto novamente, então pôs uma sapatilha se sentindo muito baixinha, ela ficou sentada a maior parte do tempo, para evitar esforço.
O garçom veio com drinks, elas acharam estranho e responderam que não tinham pedido, o garçom explicou que era um presente, pelo que caíram na gargalhada, a noite tinha começado muito bem, apesar de estar sem salto, estava com um vestido tomara que caia, o cabelo solto em ondas pelo colo, caprichou na maquiagem, nunca se comparava a beleza da amiga, mas estava muito sexy também.
Ficaram buscando o admirador secreto ou admiradores, alguns caras olhavam para elas e elas ficaram apostando qual dos rapazes naquele bar era o financiador da comemoração daquela noite, continuaram rindo e conversando quando chegou uma garrafa de champanhe junto com dois caras vindo se apresentar, travaram uma boa conversação, até trocou contato com um deles, pareceram dois caras muito animados, mas eram totalmente superficiais.
A noite foi ótima, poder sair um pouco de casa, rir e conversar, parece que sua vida estava voltando aos eixos. Acordou de ressaca no domingo, mas teve se arrastar da cama para se arrumar, tinha combinado almoçar com o irmão, ficou até o meio da tarde praticamente no chão brincando com a sobrinha, o irmão havia preparado um churrasco, ela estava se sentindo muito feliz, quando foi para casa as quatro da tarde.
Desabou no sofá, coisa que nunca fazia, dormiu pelo resto da tarde, acordando confusa, se já era segunda ou não, mas era apenas oito da noite, levantou lavou o rosto, selecionou um filme em um dos canais da TV a cabo e torceu para seu sono voltar, pois precisava estar plena no dia seguinte, seria um dos dias mais importantes da sua vida, o fechamento de um ciclo.
Assistiu um filme muito água com açúcar, romântico, para ver se o sono lhe voltava, mas não adiantou, a deixou inquieta, tratou de trocar de canal, foi parar em canal Cult, A Joia do Nilo, não era necessariamente um sonífero, mas como era um filme que já tinha visto tantas vezes quase sabia as falas de cor.
Além do mais adorava o ator principal e o romance estava mais para comédia, precisava de alguma dose de bom humor e talvez até que ela não tivesse algum sono, era o melhor a se fazer.
E então nesse momento seus olhos se fecharam e caiu em um sonho estranho sobre uma estrada deserta, casas abandonadas, de repente olhou seus pés estava descalça, olhou para cima, para ver se estava vestida, aparentemente não era um daqueles sonhos em que se está nu.
O alivio se tornou desespero, a sua frente brasas, e atrás Dani de Vito com uma arma mandando atravessar o braseiro, seu pés doíam assim que começou o caminho, lágrimas de dor atravessavam seus olhos.
Acordou com a perna latejando de dor e lágrimas nos olhos, não era de estranhar que o sonho tivesse sido tão doloroso, por algum motivo sua perna machucada acabou ficando em uma posição desconfortável, teve dificuldades de voltar para uma posição aceitável, a dor era excruciante.
Decidiu ir ao hospital no final da tarde, para ver se estava tudo bem, se arrumou com alguma dificuldade, devido a dor na perna. Não quis arriscar e pegou um Uber, dirigir com a perna dolorida ia ser um martírio desnecessário.
Chegando ao escritório, curiosamente não estava ansiosa, alguma coisa havia desligado nessas duas semanas, não se sentia mais parte daquela rotina, agora aquele lugar não lhe significava mais nada, até mesmo as pessoas que cumprimentou, em suas rotinas, se sentiu deslocada, era sorte que estava a poucos minutos de sua libertação oficial.
Após passar pelo setor e abraçar a todos, foi a Recursos Humanos, a papelada estava pronta, o valor da rescisão devidamente depositado em sua conta, a empresa fez questão de pagar uma indenização, apesar da rescisão ser a pedido dela.
Desceu as escadas e deu uma última olhada na fachada da empresa, a seguir chamou o Uber para retornar ao hospital, a dor na perna estava piorando, achou um banco para se sentar, a sensação de vazio, alguma coisa estava faltando, olhou no estacionamento da diretoria, o carro dele não estava lá.
Ele finalmente havia voltado para a Direção Central, depois do dia em que ele almoçou na sua casa não teve a oportunidade de conversar com ele novamente, nem tinha sentido vontade, até aquele momento, olhando a vaga vazia, apertou seu coração, o que era isso? Estava sentindo saudade?
Não soube responder, o Uber chegou, lhe distraindo daquele pensamento, chegando ao hospital, olhou ao redor, novamente procurando um carro que não podia estar ali, aquela história tinha acabado, no que estava pensando? Não tinha história alguma.
Depois de fazer o raio x, o médico lhe repreendeu, duas semanas era muito pouco para ficar subindo e descendo escadas, ela devia tomar mais cuidado, senão iria voltar para a bota, a fisioterapia e hidroterapia deviam iniciar aquela semana, ela tranquilizou o médico, também ia passar um tempo com os pais num apartamento na praia.
Passou um mês com os pais, hidroterapia, fisioterapia constantes, estava plena novamente, voltou ao hospital e a sua rotina de exercícios no parque, o período com seus pais tinha sido muito bom, mas também se sentia controlada e mimada demais por sua mãe, sentia saudades de casa, de sua independência.
O fato de estar oficialmente desempregada também era uma constante latejando sua cabeça, precisava arrumar um novo emprego, o cargo que tinha visto numa pequena empresa acabou por ser preenchido. Enquanto estava com seus pais, descobriu um programa de mestrado em uma universidade na capital.
Passou o tempo lá elaborando um plano de pesquisa e uma proposta de tese, sempre quis se aperfeiçoar, seria uma chance de ouro, se inscreveu e submeteu à vaga. Mas ainda faltava algumas semanas para eles divulgarem o resultado, se aprovada teria que se mudar em pouco tempo e adeus viagens pelo próximo ano pelo menos, até as próximas férias escolares, além do mais a bolsa não se comparava ao seu salário na empresa, ia ter que reduzir em muito seus custos.
Precisava planejar sua vida com cuidado, seus próximos passos iam definir o rumo de sua carreira, e isso por consequência ia definir o rumo da sua vida.
Também tinha os projetos pessoais, sua vida não podia se resumir apenas em trabalho, estava na hora dela mudar, aproveitar essa oportunidade para experimentar coisas novas.
A incerteza sobre a mudança de cidade a deixou estagnada por algumas semanas, voltou para casa e se dedicou a pequenos projetos, aproveitando o tempo livre, fez um curso de culinária, começou um curso de programação on line, um desenho artístico, piano, era muito tempo livre.
As semanas foram passando e o resultado da seleção para mestrado foi publicado, ela não passou, estava fora da vida acadêmica há muito tempo e suas recomendações eram fracas, não teve tempo, nem disposição para publicar um artigo sequer desde que se formou na faculdade e mesmo após ter feito pós graduação.
A realidade era dura, mas ela tinha se acomodado na empresa, era um fenômeno nela, mas fora dela um zero à esquerda. O choque de realidade era preciso para ela acordar da bolha em que se encontrava, precisava se dedicar mais ou mudar de planos.
Enquanto isso, o curso de culinária lhe preenchia os dias, fazia várias receitas e começou a vender algumas criações para alguns amigos que lhe incentivaram a começar uma pequena empresa, mas quando foi atrás descobriu a burocracia que era montar uma empresa de comida.