Em pleno horário de pico, lá estava ela no meio da multidão para entrar no trem sentido Tucuruvi. Entrar não foi difícil, mas Lara não conseguiu um lugar para segurar e ficou ali, no meio do vagão, sem poder se segurar, equilibrando-se entre uma perna e outra, enquanto o trem balançava.
Perto da Sé, uma freada brusca e ela perdeu o equilíbrio, empurrando o rapaz ao seu lado. Ele era bem mais alto que ela e assustou-se com o empurrão, mas quando a viu, segurou-a pelo braço e sorriu.
- Tudo bem? - Ele perguntou.
- Tudo - respondeu ela, sem graça. - Desculpe.
- Esquenta não - disse ele. - Troca de lugar comigo. Aqui tem uma barra pra você segurar.
- Obrigada.
Tímida, Lara trocou de lugar com o rapaz que ainda sorria para ela. Ele era bonito, loiro e de olhos claros, mas o que chamou a atenção dela foi a gentileza dele. Alguns olhares dos dois se encontraram durante o trajeto, ela sorriu algumas vezes e ele sorriu de volta, mas logo sua estação chegou e quando foi descer, notou na mão dele a aliança prateada. Então apenas seguiu seu caminho.
Era sempre assim, fechada, Lara não se dispunha muito a relacionamentos, mas, quando alguém chamava a sua atenção, não demorava muito e ela descobria algo que acabava com o encanto. O que para ela já era algo normal, mesmo que sua terapeuta dissesse o contrário.
Quando estava chegando ao prédio em que morava, uma fina chuva começou a cair. "Ótimo" pensou ela com sarcasmo, já que a última coisa que ela precisava era chegar encharcada em casa.
Felizmente, Beto estava na portaria e destravou o portão assim que ela pisou na calçada, então logo ela estava em área coberta
- Bem no dia do seu rodízio, dona Lara? - Beto comentou.
- É. São Pedro não gosta muito de mim - respondeu ela.
- Não fale assim - repreendeu o porteiro. - Ele tem a chave do céu, se não gostar de você, não te deixa entrar lá.
Beto era um homem católico e de muita fé. Carregava um crucifixo enorme no peito e sempre quando a portaria estava mais tranquila, ele tirava um terço do bolso e passava a rezá-lo.
- Tudo bem, Beto - respondeu Lara. - Vou me esforçar para mudar isso. Agora eu vou subir e tomar um banho, porque estou exausta.
Ela subiu de elevador até o quarto andar e entrou em seu apartamento, ligando em seguida a televisão para ouvir música e foi direto para o banheiro. A água do chuveiro estava quente na medida certa, então ela relaxou e deixou que o calor levasse todo cansaço e estresse.
Quando terminou o banho, enrolou-se na toalha e saiu do banheiro, ao mesmo tempo que o interfone tocou, o que a fez suspirar desanimada enquanto caminhava até a cozinha.
- Pois não? - Ela atendeu.
- Oi Larinha. - A voz de Dona Ivone soou do outro lado. - Tá ocupada, meu amor?
- Não, Dona Ivone - respondeu ela. - Eu acabei de sair do banho.
- Ah, pois bem. Eu acabei de tirar um bolinho do forno, vem tomar um cafezinho comigo.
Lara respirou fundo em silêncio.
- Claro, Dona Ivone. Só vou me vestir e já subo.
- Venha logo, estou esperando.
Lara devolveu o interfone ao gancho e foi para o quarto se vestir. Ela já estava pronta para colocar seu pijama, mas, ao invés disso, colocou uma calça de moletom e uma camiseta branca. Então, tirou a toalha da cabeça e tirou apenas o excesso de água dos cabelos, para em seguida sair de casa.
Dona Ivone morava no sexto andar e era uma senhora simpática, daquelas que é impossível não fazer amizade e, como os pais de Lara moravam no interior, acabava sendo um lugar de aconchego.
- Oh minha querida, entre - disse Dona Ivone ao abrir a porta. - Estou passando um café fresquinho. Sente-se.
A mesa estava posta com xícaras, o açucareiro, requeijão, leite e claro, o bolo que ela havia feito. Lara sentou-se e ficou brincando com o desenho de frutas na toalha. Então, Dona Ivone veio da cozinha carregando o bule de café e um prato com torradas.
- Pegue um pedaço do bolo, Larinha - disse a senhora, sentando-se à mesa. - É de coco, receita da minha mãe. Você vai adorar.
Lara sorriu e pegou para si um pedaço de bolo, enquanto Dona Ivone lhe servia uma xícara de café. De fato, o bolo estava divino, parecendo algodão doce de tão leve.
- É bom, não é? - Dona Ivone comentou. - Minha mãe fazia esse bolo no dia do aniversário de casamento dela, porque meu pai gostava e ela dizia que tinha conquistado ele com essa receita. Pena que eu não tive a mesma sorte.
- Ainda há tempo, Dona Ivone. - Lara respondeu. - A senhora ainda pode conhecer alguém que goste.
- Ah não, menina - disse ela. - Eu estou muito bem, tenho você para me fazer companhia e os meus sobrinhos cuidam de mim de vez em quando.
- A senhora disse que sua mãe fazia esse bolo no aniversário de casamento - comentou Lara. - Seria hoje? Por isso a senhora fez o bolo?
- Você é muito esperta. - Ela respondeu. - Era sim. E sempre chove nesse dia desde que eles se casaram. Acho que Deus tenta me agradar mantendo essa tradição, então, para compensar eu faço esse bolo.
- É mesmo uma delícia.
- Se quiser, eu te passo a receita - sugeriu a senhora. - Afinal, a senhorita já está na hora de arrumar um namorado.
- Acho que acabaram os homens bons no mundo, Dona Ivone.
- Aí é que você se engana. Temos um morador novo no prédio, eu o vi hoje, quando fui pegar minha correspondência na portaria. Ele é um, como vocês dizem hoje, um gato e muito educado também.
- E como a senhora sabe que ele está disponível? - Lara perguntou.
- Não tem aliança e o Beto disse que mora sozinho - respondeu ela. - Disse que quem arrumou o apartamento dele foi o próprio dono. Parece que eles são irmãos e ele está recomeçando a vida.
- Ele pode só ter se divorciado - comentou ela.
- O importante é que está solteiro. Você devia conhecê-lo.
Lara apenas concordou, porque sabia que não a faria mudar de ideia e até ficou curiosa para saber quem era, mas não fez nenhuma pergunta para não dar esperanças para a vizinha. Então, apenas continuou tomando seu café e trocou o assunto para a saúde de Dona Ivone, o que rendeu conversa até tarde da noite.