Ele era um monstro, sem dúvida. Mas ele não era o único monstro naquela sala. Ele nem sabia se era o pior. Ele tinha matado a maioria das pessoas com suas próprias mãos, isso ele não podia negar. E ele não queria. Ele estava orgulhoso do que tinha feito. A maior parte, pelo menos. Era a única coisa no que era bom, matar. Ele era o melhor. E talvez seu talento para matar o fizesse um dos piores monstros, mas ele sabia o quão facilmente a ordem de matar e mutilar rolava para fora das línguas de muitos homens reunidos nesta sala, e como eles saboreavam o seu poder para fazê-lo. Ele não tinha certeza se isso não os tornava tão ruins. Mas não era ele quem deveria decidir, de qualquer maneira. Talvez um dia, todos eles incluindo Growl, teriam que enfrentar um poder maior. Esse dia não terminaria bem para nenhum deles.
Growl não estava muito preocupado, no entanto. Ele viveu no inferno, ainda vivia. Ele não tinha nada a temer. Nada que o esperasse, além da morte, poderia fazer danos piores do que já tinha sido feito. Não havia nada nele que não tivesse sido quebrado, nada para destruir, exceto seu corpo talvez, mas ele não estava preocupado com isso também. Ele conhecia a dor, até a agonia. Era a única constante em sua vida. Chegava a vê-la quase como uma amiga. Algo com o que ele podia contar, algo previsível.
Não, ele não tinha medo da dor, nem da morte. Falcone sempre disse que isso o tornava um bem tão valioso. E isso era algo de que Growl estava orgulhoso, mesmo que as palavras vindas da boca de Falcone deixassem um sabor amargo.
Eles o consideravam um idiota, pensavam nele como um cachorrinho estúpido que fazia aquilo sem a menor ideia do que estavam tramando. Como um dos muitos cães de briga de Falcone e dos outros homens mantidos para entretenimento.
Mas muitas pessoas tinham cometido o mesmo erro, confundiam o silêncio equivocado com estupidez, igualavam a falta de palavras com falta de compreensão e conhecimento. Era um erro pelo qual eles poderiam pagar por um dia. Ele conhecia a maior parte de seus segredos mais profundos e escuros, simplesmente porque eles não mantinham suas bocas fechadas quando ele estava por perto. Eles pensavam que ele não estava ouvindo, e mesmo se ele estivesse, como ele poderia entender o que eles estavam dizendo?
Ele os desprezava, mas pagavam bem e o respeitavam por sua força e brutalidade, isso era o suficiente para ele. Ele não tinha intenção de usar seu conhecimento. Ele não precisava de muito dinheiro para comprar comida para seus cachorros e para si, e para as mulheres uma bebida de vez em quando. Ele gostava de uma vida simples. Não queria complicações. Ele lançou seus os olhos para a menina encolhida no assento do passageiro. Ele esperava que ela não se tornasse uma complicação. Ele não poderia devolvê-la. Falcone não gostaria disso.
Não que Growl tivesse qualquer intenção de devolvê-la. Ela era a sua posse mais valiosa até agora. Ela estava olhando pela janela, ignorando-o. Como ela tinha feito na festa. Como todos fizeram até que não pudessem mais ignorá-lo. Ela ainda pensava que estava acima dele? Voltou o olhar para a estrada. Não importava. Ela era sua agora. A ideia emitiu uma punhalada de orgulho nele e sua virilha apertou em antecipação.
CARA
Eu mal podia respirar. Por causa do medo e do fedor. Deus, o fedor era pior do que qualquer coisa que eu já tinha cheirado antes. Sangue. Metálico e doce, oprimindo. Eu ainda podia ver a poça de sangue espalhando-se sob o corpo sem vida do pai, podia ver a mãe ajoelhada no meio do líquido vermelho, e os olhos horrorizados de Talia. Cada momento da noite parecia estar queimado em minha mente.
Meus olhos voaram para o homem ao meu lado.
Growl. Ele conduzia o carro com uma mão, parecendo relaxado, quase em paz.
Como alguém podia parecer em paz depois do que tinha acontecido? Depois do que ele fez?
Suas roupas estavam cobertas de sangue, assim como suas mãos. Muito sangue. A repulsa me paralisou.
Algumas semanas atrás, meus guarda-costas teriam rapidamente me levado para longe de um homem como ele. Minha mãe praticamente me arrastou para longe dele na festa de Falcone.
E agora eu estava à sua mercê.
Ele era a mão brutal e violenta de Falcone. Ele se virou para mim.
Seus olhos estavam vazios, um espelho para jogar meu próprio medo de volta para mim. Seus braços e peito estavam cobertos com tatuagens bélicas, facas, espinhos e armas.
Eu não conseguia parar de olhar para ele, mesmo que eu quisesse. Eu precisava, mas eu estava congelada. Eventualmente ele voltou sua atenção de volta para a rua. Eu tremi, e deixei minha cabeça cair para frente até que minha testa descansou contra a janela fria.
Havia um zumbido baixo na minha cabeça. Eu não conseguia pensar direito. Controle-se.
Eu precisava descobrir uma maneira de sair disto.
Mas nós já estávamos diminuindo quando nós nos aproximamos de uma área residencial antiga. A pintura tinha descascado da maioria das fachadas, e o lixo espalhava-se pelas ruas. Alguns carros sem pneus e com janelas quebradas estavam estacionados. Eles não andariam para lugar nenhum.
Growl parou o carro em frente a uma garagem, que estava recémpintada, então ele saiu. Antes que eu pudesse bolar um plano, ele estava do meu lado e abriu a porta. Ele agarrou meu braço e me puxou para fora. Minhas pernas dificilmente poderiam me apoiar, mas ele não parecia se importar. Ele me levou ao redor do carro, passando por uma calçada rachada e um gramado cheio de mato. Um grupo de adolescentes estava reunido duas casas abaixo ouvindo música e fumando, e do outro lado da rua uma mulher com uma regata manchada e tatuagens serpenteando pelos braços tirava o lixo, parecia que ela daria à luz a qualquer momento.
Abri a boca para pedir ajuda.
Growl soltou uma respiração dura. - Faça. Grite. Eles não vão te ajudar. Eles têm seus próprios problemas.
Eu hesitei. Os adolescentes e a mulher estavam realmente olhando para nós, observando enquanto Growl estava me arrastando para sua casa, e eles nem sequer piscavam. Até mesmo o sangue em Growl não parecia chocá-los. Havia resignação em suas expressões, parecia escapar de seus poros. Eles não tinham energia para cuidar de si mesmos, assumir o controle de suas próprias vidas, ou lutar pelo seu futuro, muito menos pelo meu. Eu supliquei a eles com os meus olhos mesmo assim, esperando. Ainda esperando depois de tudo. A mulher foi a primeira a desviar o olhar e a voltar para sua própria casa, momentos depois os adolescentes voltaram para o que quer que estivessem fazendo.
Aquelas pessoas não se importavam com o que estava acontecendo comigo. Eles não me ajudariam.
Chegamos em frente a uma porta. A pintura tinha descascado, revelando a madeira branqueada pelo sol. Growl abriu a porta. Não estava trancada. Meus olhos se voltaram para o grupo de adolescentes. Não parecia que eles deixariam passar a oportunidade de invadir uma casa que nem estava trancada. Olhei para o meu captor, para a cicatriz que percorre toda a sua garganta, o sangue em sua camisa e mãos, as linhas duras de seu rosto.
Growl olhou para mim e minhas pernas quase dobraram sob a escuridão em seus olhos ambares. Ele não disse nada.
- Mesmo nesta área ninguém ousa te irritar, - eu sussurrei.
- Isso é verdade. Mas não é por isso que eu não tenho que trancar minha porta. A maioria das pessoas nessa área são viciados e não têm nada a perder. - Growl me arrastou para sua casa e fechou a porta. O interior da casa era ainda pior que seu exterior. O arcondicionado estava trabalhando no máximo, transformando o pequeno corredor em que estamos em um freezer.
Eu tremi violentamente, mas Growl parecia imune ao frio. Não haviam fotos nas paredes, nenhuma decoração. Esta casa era um lugar solitário e escuro. Todas as portas estavam fechadas, mas de trás de uma delas eu ouvia sons que eu não conseguia reconhecer. Parecia com um raspar. Ele tinha outra mulher trancada lá?
Lágrimas chegaram em meus olhos. Era isso. Tudo estava acabado.
Será que eu já tinha desistido de lutar?
Ele me arrastou para um quarto. Seu quarto? As únicas peças de mobiliário eram uma cama e um guarda-roupa, mas o que faltava em mobiliário, sobrava com decorações na parede. Punhais e facas zombavam de todas as direções. Growl me soltou e eu tropecei para frente. Eu caí de joelhos. A única outra opção teria sido cair na cama, e eu não iria para qualquer lugar perto dessa coisa. Eu rapidamente me virei, a garganta apertada com medo enquanto Growl me observava da porta. Parecia que ele tinha se levantado do inferno; Um homem envolto em trevas, morte e sangue. Um monstro.
Oh Deus, oh Deus, oh Deus.
- Eu voltarei - ele murmurou antes de se virar e fechar a porta.