Capítulo 4 Olhos que marcam

O baile rolava pesado, mas eles estavam em outra frequência. Enquanto a galera dançava no ritmo do tamborzão, Kaíque e Melissa se encaravam como se estivessem num duelo silencioso.

- Você não tem cara de quem cola em baile de favela - ele falou, se aproximando devagar, o copo de gin na mão.

- E você não tem cara de quem conversa antes de puxar pela cintura - ela rebateu, o olhar firme, desafiador.

Kaíque riu. Um riso rouco, daqueles que arrepiam.

- Gosta de perigo, princesa?

- Gosto do que é real. E você... parece real demais.

A música trocou. Um batidão mais lento, mais pesado. Daqueles que fazem o corpo se mover sem pedir permissão.

Melissa não esperou convite. Se aproximou.

- Vai me mostrar como se dança aqui... ou só sabe falar bonito?

Kaíque deu um passo pra trás, estendeu a mão e ela aceitou. Os dois se encaixaram no meio da pista como se o mundo tivesse guardado aquele momento há anos.

Ela sentia o calor do corpo dele, o cheiro da pele com perfume barato e suor. Ele sentia o toque da pele dela - macia, cheirosa, perigosa.

Ela descia devagar, rebolando com controle e ousadia. Ele acompanhava, firme, mas sem invadir. Ainda.

Os olhares diziam tudo que as bocas não podiam gritar ali no meio do povo.

- Como é seu nome? - ela perguntou no meio do som.

- Kaíque. E o seu, patricinha corajosa?

- Melissa.

- Melissa - ele repetiu como quem prova um doce raro.

Um cara se aproximou, bêbado, e puxou Melissa pelo braço.

- E aí, bonequinha, dança comigo?

Kaíque virou na hora.

- Tá maluco, irmão? Some daqui.

O bêbado recuou, resmungando. Melissa olhou surpresa.

- Cê não gosta de dividir, é isso?

- Não com qualquer um.

Ela sorriu.

E naquele momento, entre o calor do baile, a fumaça no ar e o cheiro de adrenalina, Kaíque entendeu:

Aquela garota ia ser seu maior problema.

E o melhor também.

            
            

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