Capítulo 3 Acaso não existe

Sábado à noite. Melissa inventou uma desculpa qualquer pra mãe - "estudo com as meninas", "trabalho em grupo", uma dessas mentiras embrulhadas com laço - e saiu sem olhar pra trás. Vestia uma saia jeans desfiada, top preto e uma jaqueta oversized. Não sabia exatamente pra onde ia, só sabia que tinha que ir.

O motorista da família achava que ela ia pra casa de uma amiga. Mal sabia ele que, ao descer no shopping mais próximo, ela chamou um carro por aplicativo e digitou o destino que pesquisou escondida a semana toda: "Morro do Horizonte – Entrada Principal."

Do outro lado da cidade, Kaíque também se preparava. Na laje da Viela 12, o baile ia começar. Os alto-falantes já estremeciam o concreto com batidas graves. O cheiro de churrasco, cerveja e erva se misturava no ar. As minas desciam do salto, os manos encostavam com copo na mão, e os fogos já avisavam: hoje tem fluxo.

- Hoje eu vou esquecer essa mina, de vez - falou pra si mesmo, ajeitando o cordão no pescoço.

Mas o destino, esse moleque debochado, já tinha outro plano.

Melissa chegou à entrada da comunidade com o coração acelerado. O motorista hesitou:

- Moça... tem certeza? Aqui é meio perigoso...

- Pode me deixar aqui, por favor.

Ela desceu. Sentiu o chão diferente. Era outro mundo. Outro cheiro, outro som. Mas, estranhamente, se sentia mais viva ali do que em qualquer festa gourmet da Zona Sul.

Seguiu o som. As luzes, o barulho, os gritos animados - tudo a puxava pra dentro. Cruzou o portão improvisado com uma sensação que misturava medo e adrenalina.

E então viu ele.

Kaíque estava de costas, mas ela soube. Era ele. O mesmo da Linha Amarela. O dono daquele olhar. Daquele corpo. Daquela energia que fazia o mundo parecer pequeno.

Ele virou.

Os olhos se encontraram.

E naquele segundo, tudo parou.

Gente dançando, som estourando, luz piscando - mas pra eles, só havia aquele instante. Como se todo o caos em volta servisse apenas pra empurrá-los um pro outro.

Kaíque franziu a testa, surpreso.

- É... não era alucinação, não.

Melissa mordeu o lábio, segurando o riso.

- Acha que só você atravessa o asfalto?

E foi ali que o jogo começou.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022