Dei dois passos para o lado, pegando uma segunda taça da bandeja que passava. Estendi a ela.
- Dez minutos da sua atenção. Uma conversa decente. Longe de idiotas insistentes e loiras entediantes.
Ela aceitou a taça, mas hesitou ao olhar em volta. A pista de dança continuava pulsando, vi que procurava alguém e isto me incomodou um pouco.
- Achei que estivesse sozinha...
- Estou com uma amiga ... ela esta ali. - Ela sorriu enquanto acenava para a sua amiga sentada em companhia de um dos amigos de Ares.
A amiga dela era a mesa que estava com ela naquele café, me lembrava que ela encarou a mim e Ares mais de uma volta enquanto a mulher a minha frente me ignorava.
Vi quando seu corpo relaxou e ela voltou a sua atenção a mim. Como se o gesto de sua amiga e o sorriso cumplice de ambas fosse de aprovação.
- Dez minutos. - disse, por fim. - Depois disso, prometo que finjo que não te conheço.
- Justo. - respondi com um sorriso enviesado, guiando-a até uma das mesas mais afastadas do jardim, iluminada apenas por velas pequenas e uma brisa suave que brincava com os cabelos dela.
Sentou-se com um movimento gracioso, cruzando as pernas de um jeito quase inconsciente que me fez prender o olhar por um segundo a mais do que deveria.
O garçom se aproximou e por coincidência ela pediu o vinho que eu também estava bebendo e isto me fez sorrir.
- Te vi mais cedo, no café a poucos metros daqui. - confessei e vi quando corou levemente.
- Que coincidência. - Sorriu despretensiosa.
O que me fez pensar que apesar de não ter me olhado nos momentos em que eu a admirava, ela havia me notado naquele café.
A observei enquanto ela se ajeitava na cadeira e ajustava a bolsa em seu colo. O garçom trouxe as tacas de vinho e eu aproveitei o momento após o brinde para me apresentar.
- Luciano Moretti, prazer. - Anunciei, estendendo a mão com naturalidade, sem perder o tom firme, quase informal, de quem está mais interessado na reação do que no protocolo.
- Belle Romano - ela respondeu, tocando minha mão com uma leveza que contrastava com a firmeza do olhar.
O nome soou bem nos meus lábios, e talvez por isso o repeti baixo, mais para mim do que para ela.
- Belle... combina com você.
Ela não agradeceu, mas manteve o olhar firme no meu, com um canto de sorriso que parecia desafiar qualquer tentativa de charme barato. Não era o tipo de mulher que se desmontava por palavras bem colocadas - e isso, de algum modo, tornava tudo ainda mais interessante.
- E você sempre é assim... direto, observador, um pouco convencido? - ela perguntou, levantando uma sobrancelha.
- Nem sempre. Mas esta noite parece pedir um pouco de tudo.
Ela riu, e aquele som - ainda contido, ainda guardado - teve o efeito de um estalo na minha pele. Como se estivesse marcando presença sem pressa, sem pressões.
- Então me diga, Moretti... o que exatamente chamou sua atenção?
Inclinei a cabeça, avaliando como responder sem parecer um idiota qualquer.
- O fato de você parecer perfeitamente confortável ignorando todo o resto. Inclusive a mim.
- Eu não estava ignorando - ela disse, tocando a taça com os dedos. - Estava apenas... decidindo se valia a pena.
- E decidiu?
- Ainda estou decidindo.
Soltei uma risada leve, deixando o vinho tocar meus lábios. Ela também bebeu, sem quebrar o contato visual.
- Gosto disso - confessei. - De mulheres que fazem o tempo trabalhar a favor delas.
Ela não respondeu, mas aquele leve levantar de canto de boca foi o bastante para entender que eu estava no caminho certo.
- Quantos anos você tem, Belle Romano? - perguntei com naturalidade, apenas porque queria ouvir mais da voz dela, sorver mais daquela presença tão sutil quanto perturbadora.
Ela não demorou a responder:
- Vinte e cinco.
Assenti, mas meus olhos ficaram presos nos dela por um segundo a mais.
Ela parecia mais jovem do que dizia. Algo no jeito de gesticular, na delicadeza contida dos movimentos, na pele sem marcas e no olhar que ainda carregava algo quase ingênuo... não combinava com vinte e cinco. Mas a maioria das mulheres costumava mentir para menos, não para mais. Provavelmente era apenas uma impressão minha.
- Vinte e oito. - disse então, sem rodeios.
Ela sorriu, como se tivesse aprovado. Como se tivesse gostado do que ouviu. E foi a minha vez de sorrir, sem disfarçar o leve prazer que aquela pequena reação me causou.
- E o que você faz da vida, Belle? - perguntei, deixando a pergunta escapar como se não importasse tanto assim.
Ela hesitou. Um movimento sutil nos dedos, tocando o cristal da taça como se buscasse tempo.
- Prefiro não me aprofundar tanto... ainda - disse com uma expressão leve, mas as bochechas coraram, entregando mais do que ela gostaria.
- Claro. Me desculpa pela intromissão.
Ela se ajeitou na cadeira, e por um segundo, não soube dizer se era desconforto... ou se era outra coisa.
- Está tudo bem - respondeu. - Só não quero revelar demais.
- Justo. - Inclinei levemente a cabeça. - Mistérios são bons. Dão vontade de descobrir.
Ela desviou o olhar por um momento, como se refletisse sobre a noite, sobre mim. E então, talvez por impulso, deixou escapar:
- Sou escritora.
Meus olhos se acenderam.
- Escritora... isso significa que estou correndo o risco de virar personagem?
- Provavelmente sim - ela riu. - Mas ainda não decidi qual será seu papel.
Inclinei o corpo para frente, encarando-a sem disfarces.
- Então me escreva como quiser. Serei o que você decidir que eu seja.
A taça dela parou no ar, e o sorriso que veio em seguida carregava mais calor do que antes.
- Talvez eu te descreva como um vilão. Ou te mate nos primeiros capítulos...
Ela riu, divertida, e aquilo me fez sorrir também. Além de linda, elegante e misteriosa, ela ainda tinha senso de humor - e isso, sinceramente, a tornava ainda mais interessante.
- Justo. Também não me descreveria como o típico protagonista nos padrões de príncipe encantado em cavalo branco.
- Interessante... Me descreva como você se definiria, Luciano.
A maneira como ela pronunciou meu nome me prendeu. Havia algo quase íntimo ali, mesmo dito com naturalidade. Ela falava italiano com perfeição, mas não era difícil perceber que não era seu idioma de origem. O sotaque era suave, bem trabalhado - mas presente o suficiente para me deixar atento.
Mais uma camada atrás da qual ela se escondia.
E eu queria desnudar todas elas. Lentamente. Com as mãos, com palavras, com olhares.
Com tempo.