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O quarto de Clara era seu refúgio. Mas, ultimamente, parecia mais uma prisão. As paredes cor-de-rosa que um dia representaram sonhos agora pareciam sufocar. Os livros empilhados, os desenhos colados na parede, até a luminária em forma de nuvem – tudo parecia pertencer a alguém que ela não era mais.
Clara passava horas ali, olhando para o teto, com fones nos ouvidos, mas sem som. Ela só queria se desligar. Às vezes, chorava sem saber o porquê. Outras, nem isso conseguia. Sentia que tinha desaprendido a sentir.
A mãe de Clara batia na porta com frequência: - Filha, você quer jantar? - Não tô com fome, mãe. - Você precisa comer...
Silêncio. E o som dos passos se afastando. Ninguém insistia muito. As pessoas geralmente não insistem com quem acha que está tudo bem fingir.
Mas Clara não estava bem.
Naquela noite, ela se deitou cedo, embora soubesse que não dormiria. Fechou os olhos, desejando sumir. Não morrer, exatamente... só desaparecer por um tempo. Como se pudesse colocar a vida em pausa e respirar sem culpa.
Seu celular vibrou.
Era uma notificação de uma rede social. Uma colega de sala tinha postado fotos sorrindo com outras meninas, com a legenda: "As melhores". Clara deslizou o dedo pela tela, encarando aqueles rostos conhecidos. Rostos que antes andavam ao lado do seu. Agora, eram só imagens de um mundo do qual ela se sentia expulsa.
Ela quis chorar, mas não conseguiu. Apenas fechou o aplicativo e abriu seu caderno.
Escreveu: "Não é que eu não queira viver. É que viver tem doído demais ultimamente."
Ficou olhando para a frase como se ela fosse uma porta. Pequena, entreaberta, permitindo que um pouco de luz entrasse. Talvez, escrever fosse isso: abrir frestas.
Na manhã seguinte, Clara foi para a escola. Vestiu o moletom favorito, colocou o capuz e foi em silêncio, como sempre. Mas ao entrar na sala, algo diferente aconteceu.
Uma menina nova. Sentada na cadeira ao lado da dela. Cabelos curtos, fone de ouvido, olhar perdido. Clara sentiu um arrepio estranho. Era como se estivesse se vendo ali. Como se aquela menina também estivesse tentando não existir.
Durante a aula, sem pensar muito, Clara empurrou o estojo na direção dela. Um gesto mínimo, quase imperceptível. A menina olhou, surpresa. Depois, sorriu de leve. Um sorriso tímido. Que doeu. Que aqueceu.
E então Clara entendeu: às vezes, o começo da cura mora num gesto pequeno. Num quase-nada. Como um estojo empurrado. Como uma frase escrita à mão.
Ela voltou pra casa e escreveu: "Hoje, alguém me olhou como se eu existisse. E por um instante, eu acreditei."