Capítulo 5 Barulhos Que Só Ele Ouvia

Na semana seguinte, Rafael quase não foi ao encontro. O dia tinha começado mal. O pai o acordou gritando, a comida do café da manhã estava azeda e, na escola, esqueceram de novo que ele fazia parte do grupo da apresentação. Às vezes, o esquecimento doía mais que a rejeição direta.

Mas ele foi mesmo assim. Com o capuz cobrindo metade do rosto, os fones nos ouvidos, e o caderno no bolso. Quando entrou na sala 12, Alice já estava lá, colando na parede um cartaz com letras feitas à mão:

"Nem toda dor grita. Algumas apenas silenciam."

Ele leu, mas não comentou. Sentou no canto de sempre, de onde podia ver todos e ainda assim parecer invisível.

Dessa vez, a roda começou com um exercício novo. Isa, sempre criativa, sugeriu:

- Hoje, cada um escreve uma carta. Pode ser pra si mesmo, pro passado, pro futuro, pra alguém que nunca vai ler. Só escreve.

Rafael não sabia se conseguiria. Mas quando pegou o papel, a mão foi sozinha. Talvez fosse a raiva, ou a exaustão, ou uma necessidade desesperada de dizer algo.

Carta para o Pai (que nunca entenderia):

"Eu juro que eu tento. Tento ser forte, tento aguentar, tento fingir que seus gritos não me afetam. Mas afetam. Cada palavra atravessa como faca. Cada vez que você diz que é "frescura", eu me afundo um pouco mais. Não quero que você me entenda. Só queria que parasse de me machucar. Às vezes, penso em sumir só pra ver se você notaria. Mas eu tô aqui. Ainda. E talvez isso já seja tudo o que consigo ser hoje."

Ele não leu em voz alta. Mas colocou na caixa com um aperto no peito. Alice olhou para ele de novo, como se soubesse exatamente o que ele havia escrito. Mas não perguntou nada. Só ficou ali. Presente.

No fim da reunião, Clara - a menina nova - se aproximou.

- Eu escrevi uma carta também... mas pra mim mesma - disse, tímida. - Se um dia quiser trocar, tipo... sem ler, só entregar... acho que pode ser legal.

Rafael hesitou. Mas tirou do bolso a carta e estendeu a ela, dobrada em quatro. Clara fez o mesmo. Nenhum dos dois leu na frente do outro. Mas ao ir embora, Rafael percebeu que não sentia o peito tão pesado quanto quando chegou.

Naquela noite, ele leu a carta de Clara. Era uma promessa:

"Eu prometo tentar. Mesmo quando tudo parecer inútil. Porque talvez, só talvez, exista algo bom esperando mais adiante. E eu quero estar viva pra ver."

Rafael guardou aquela carta no caderno, entre as páginas escritas com dor. E pensou que talvez, só talvez, não estivesse mais completamente sozinho.

                         

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