Eu não dormi mais naquela noite. Fiquei deitado na cama, olhando para o teto, lembrando dos sentimentos negativos que tive contra o meu próprio irmão. Eu conhecia aqueles sentimentos e não gostava nada deles: Ciúmes, inveja, desdém e muita raiva. Não vinham da minha forma humana, mas do meu lobo e me perguntava a razão da minha natureza ter tanto ressentimento contra aquele que era o meu melhor amigo.
O peso no meu peito era uma constante, uma sensação ruim que me acompanhava há várias fases lunares.
Quando sai do quarto, fui recebido pela energia barulhenta e estonteante da minha família, apesar de o sol mal ter raiado.
- Gavin, seu dorminhoco, eu te chamei várias vezes! - Minha irmã disse em voz alta, obviamente para alguém lá em baixo ouvir.
- Para de mentir, Natalia, não me chamou vez nenhuma!
- Sh! Fala baixo, mamãe me pediu para te acordar, mas eu acabei me distraindo e esqueci! A gente vai viajar!
- Viajar? Para onde? Ninguém me falou nada sobre viajar até ontem...
- Mamãe recebeu uma mensagem da Luna Rebeca, a natureza de Laila nasceu e vai ter um baile para os alfas não marcados aliados irem conhecê-la. Já pensou se você for o companheiro dela? - Ela sacudiu as sobrancelhas com um sorriso idiota no rosto do qual faltava um dente.
- Sabe muito bem que o meu lobo ainda não nasceu, trouxa!
- Ah, mas a Loba Luna dela, sim, ela te reconheceria... talvez, seja o Rael, já pensou? Aí mamãe não precisaria ficar viajando todo verão para lá. Laila é tão bem guardada, será que é bonita?
- Não sei, ué, você a viu por último, não foi?
- Eh... verdade, mas faz tempo.... era bem bonita, muito branquela para o meu gosto, sabe que eu gosto de lobos com a pele mais beijada pelo sol. - Ela deu uma risadinha e eu puxei uma mexa de seus cabelos com força. - Mãe, Gavin está puxando o meu cabelo! - Ela gritou afastando a minha mão.
- Ela está falando de machos de novo, mãe! - Gritei por cima dela antes de puxar o cabelo de novo. - Se comporta, sua trouxa, é só um filhote!
Ela fez uma careta para mim e desceu correndo as escadas, fingindo estar chorando para fazer queixa de mim.
O pior é que vai funcionar...
Quando cheguei na cozinha, as duas pirralhas mais novas estavam em torno do meu pai e ele as alimentava, mamãe terminava de pôr a mesa, orgulhosa por preparar mais um desjejum no fogão que a Luna Humana a presenteou.
- Não pode puxar os cabelos da sua irmã, Gavin, ela é pequenininha! - Mamãe me abraçou e beijou a minha bochecha. - Nossa, você está mais alto? Está quase da altura do seu irmão, a sua natureza está avançando bem rápido...
Natalia fez beicinho, fingindo estar chorando para piorar a minha bronca, decepcionada por minha mãe ter se distraído com a minha altura.
Rael chegou à cozinha logo após eu sentar, tinha os cabelos molhados e uma toalha pendurada nos ombros.
- Corri toda a fronteira do clã, pai, com menos cinco segundos do tempo que levei ontem.
Rael, apesar de não conseguir manter o membro dele dentro das calças, era muito centrado e responsável. O tempo todo tentava se superar para receber a validação dos nossos pais. Assim como fez comigo, mamãe o abraçou e beijou a bochecha dele.
- Senta aí, hora de comer, vamos sair cedo, Laila está madura e Rebeca tem esperança que encontre o companheiro da filha dentre os aliados.
Vi a maneira em que mamãe encarou Rael, observando a reação dele. Meu irmão olhou para mim de soslaio e deu de ombros.
- Se vocês quiserem, eu posso ficar aqui e-
- Nem pensar, Rael! Nos últimos anos, você e seu irmão se recusaram a me acompanhar nas últimas visitas, mas, agora é diferente, ela pode ser a alma gêmea de um de vocês!
- Sua mãe tem razão!
- É, mamãe tem razão! - As duas caçulas repetiram as palavras de meu pai como papagaios.
- Se for comparar com vocês, talvez a minha companheira nem tenha nascido, ou ela seja um filhote que ainda se alimenta das tetas da madre... - Resmunguei e meu pai rosnou para mim antes de chutar o meu calcanhar por baixo da mesa.
- Anda, terminem o desjejum, Adanir já está la fora esperando!
Quando subi as escadas de má vontade para me preparar para a viagem, meu pai me seguiu.
- Como está? O seu lobo te disse algo?
- Não... ele não me diz nada, só sente...
- Sente o quê?
- Não sei dizer... (menti) Parece estar bravo ou triste com alguma coisa.
Os olhos do grande Alfa Derik estavam atentos aos meus, parecia que ele queria dizer algo, mas decidiu por guardar para si.
- Eu mandei recado para lady Dófona, quando voltarmos da viagem, ela vai te examinar.
- Acha que a minha natureza está com algum problema para nascer?
- Não sei, filhote, mas não há de ser nada. Queria que o velho Agar estivesse aqui, ele saberia o que está acontecendo e como devemos lidar com ele. Gavin... eu estive pensando, tanto sua mãe quanto eu alcançamos a terceira forma, talvez, eu tenha cometido um erro ao nomear o seu irmão...
- Pai, posso levar o tocador de música que Luna Esmeralda me deu na viagem? - Meu irmão gritou lá de baixo.
Meu pai respirou fundo, vi quando engoliu em seco.
- Pode, Rael, mas só poderá ouvir músicas quando estivermos no clã dos Lobos Brancos em segurança!
- Eu sei, temos que ficar sempre atentos, pai, valeu!
Quando o meu irmão se afastou, meu pai segurou o meu ombro e disse-me bem baixinho: - Gavin, a revolta da sua natureza tem algo a ver com o trono do clã? Precisa falar logo, filhote. Eu lembro o que senti em relação ao meu primo...
- Eu sei, pai, já conversamos sobre isso, conheço a sua história e é diferente da nossa, Rael é um bom irmão e será um ótimo Alfa, eu jamais pensaria em tirar isso dele.
Meu pai me encarou por alguns segundos, respirou fundo antes de sorrir obviamente forçado.
- Está certo., filhote, vá arrumar as suas coisas, vou deixar que dirija um dos carros dessa vez.
- Sério? - Eu sorri, empolgado. Adoro carros, motores, os humanos são geniais com suas invenções e aprendi cedo a consertar e guiar todo tipo de máquina que os Elfos importam. - Mamãe não vai reclamar?
- Não, ela vai no carro do seu irmão, com o futuro Beta e Adunna no banco de trás, sozinhos sem os pais para interferirem, sua mãe tem quase certeza que eles são companheiro e quer, você sabe, servir de cupido.
Eu ri das palavras de papai, mas uma coisa é inegável, mamãe geralmente acerta essas coisas...