Rael tossiu com o rosto cheio de neve e o seu futuro Beta correu para ajudá-lo a levantar. A comoção ao redor dele era intensa. Choro, risos, parabenizações, mas a Luna de nascimento, Laila, não se aproximou, permaneceu a alguns metros de distância, acompanhada de outros lobos da mesma idade.
Laila era uma bela jovem Luna, com cabelos loiros, pele muito clara e olhos pequenos, tímidos, de cor castanha. A observei por alguns instantes, enquanto ela mordia o lado de dentro da bochecha, creio que incerta do que deveria fazer.
Quando o meu irmão foi até ela, os dois se encararam e meu irmão sorriu. Ele estava feliz, seus olhos verde-terrosos brilharam. Ela sorriu em retorno, as bochechas tornaram-se rosadas e ele a pegou nos braços em um abraço apertado. Todos aplaudiram, como se estivessem assistindo a um show.
Foi uma cena bem bonita, duas almas gêmeas se encontrando, me fez desejar encontrar a minha também. Espero que não demore muito, pois, tenho a intenção de me guardar para ela, para não haver risco de que ela acabe passando pelo que a minha mãe passou.
Todos os alfas aliados do clã dos Lobos Brancos, presentes no evento, foram parabenizar o casal. Os membros do clã estavam contentes, afinal, o herdeiro do clã dos Lobos Negros era um excelente partido, não é à toa que tantas fêmeas se ofereciam para ele.
Respirei fundo e fui até eles, meu irmão me viu e seu sorriso se ampliou.
- Gavin! Irmão, Laila é a minha companheira!
O abracei, dava para sentir a felicidade deles exalando pelos poros. Os mais velhos discutiam sobre planos para ele e para os clãs, mas tudo o que o meu irmão fazia era olhar para a sua alma gêmea com adoração, e ela retribuia o olhar.
- Parabéns irmão, Luna Laila, fico feliz por vocês!
- Eu também, alfa Gavin, eu já os considerava da família, agora somos parentes de verdade!
Ela me abraçou e meu irmão não sentiu ciúmes, tamanha era a confiança que tinha em nosso amor e companheirismo fraternos. Mal sabia ele que as minhas gengivas doeram e o gosto amargo da toxina de união desceu pela minha garganta pela primeira vez. Me afastei um pouco e inventei uma desculpa para sair de perto deles.
Passei a mão pelo rosto e segui para a mesa do banquete, enfiando comida na boca, cujo gosto eu nem me importava. Só queria uma distração, mas não adiantava, a minha natureza os observava, rosnando baixinho, o ressentimento contra o meu irmão mais forte a cada minuto, a inveja me fazia sentir vergonha de mim mesmo.
Peguei um jarro de vinho, mas uma mão firme o tomou de mim.
- Hei, guri, além de não vir falar com o seu tio favorito, ainda está tentando roubar álcool da festa?
- Tio Orium! - Exclamei ao ver o adulto que mais gostava e admirava depois do meu pai e irmão.
Ele me abraçou apertado, sorridente como sempre. Seus longos cabelos trançados com fitas da cor dos olhos de sua Luna.
- Cadê a Luna Odessa e Ragnar? Um tempão que não vejo o seu filhote!
- Eles ficaram no clã. Vim para trazer alguns dos meus lobos para encontrar as suas companheiras. A viagem não foi perdida, um dos meus guardas encontrou a fêmea dele e a levaremos conosco quando voltarmos.
- É... Temos muitas razões para comemorar hoje... - Disse, de maneira meio vazia, pois era como estava me sentindo.
- Te trouxe um presente, consegui com a fada Lisbella, é uma máquina dos humanos cuja bateria é recarregada pela luz solar e funciona aqui, não sei se vai ser útil, mas tenho certeza que pode desmontar e usar as peças!
- Sério? - Alfa Orium sempre me dava presentes quando me encontrava, assim como a minha dinda. - Valeu, tio, não precisava!
- Relaxa, sei o quanto gosta dessas coisas. E como você está, comendo fermento demais dos bolos de sua madrinha para ficar tão alto? Está quase da altura do seu irmão, e tem o quê? Treze ciclos?
Ele riu e bagunçou os meus cabelos.
- É... treze completos.
- Daqui a pouco o seu lobo nasce, consigo sentir a aura dele, forte para cacete, rapaz! Não me surpreenderia se ele aparecesse hoje para parabenizar o lobo irmão e a futura Luna dos Lobos negros.
- Alfa Orium, venha, precisa escutar isso! - Um dos alfas gritou.
- Vou lá, filhote, mas nada de álcool pra você! Mais tarde, falo contigo e te entrego o presente. Ah, se quiser, volte comigo para o meu clã, Ragnar iria gostar da visita!
- Tá bom, tio, obrigado!
Assim que o alfa Orium se afastou, as emoções ruins da minha natureza retornaram. A minha respiração ficou pesada quando ele levantou um caneco de vinho e apontou para mim, sorridente.
Ele tinha tudo, a admiração das pessoas ao seu redor, o trono do nosso pai, uma bela fêmea luna o aguardando, quando ele nunca se guardou para ela...
Belisquei a pele da minha barriga. Aqueles sentimentos eram terríveis, não combinavam comigo. Eu estava feliz por meu irmão, será um bom líder, mas o meu lobo sentia tanta inveja dele que estava me dando ânsia de vômito. Especialmente quando a imagem dele marcando Laila apareceu na minha mente, era o que ele estava pensando em fazer!
Como?
Por quê?
Eu nem gostava dela, não era o meu tipo... se é que eu tinha um tipo. Não a conhecia como pessoa, nunca criamos laços reais. Além disso, ela não me atraía, era mais como irmã. Sei lá...
Minhas mãos estavam tremendo, belisquei a minha carne novamente, com mais força.
" O que há com você, lobo imbecil? Ele é nosso irmão, nosso melhor amigo!"
Resmunguei, tentando me comunicar com a minha natureza.
" Alfa fraco!"
O quê?
A primeira vez que ouço a minha natureza e ele estava menosprezando nosso irmão e nem tinha nascido! Meu pai sempre diz que eu e a minha natureza somos apenas um, mas não era assim que me sentia.
" Nosso irmão não é fraco! É um bom irmão e será um bom Alfa, seu lobo é forte e corajoso!
" Eu sou mais forte! Tome a fêmea para nós!"
- O que está fazendo, idiota? Resmungando sozinho e... caraca, está sangrando!
Natalia arregalou os olhos ao ver as minhas garras estendidas cortarem a carne da minha barriga que eu estava beliscando.
- Sai daqui, peste! - Rosnei para ela, mostrando os caninos em ameaça a minha própria irmãzinha.
Meu pai, mesmo de longe, virou em minha direção, seus olhos negros mostravam que a sua natureza estava atenta.
Antes que mais alguém notasse o que estava acontecendo comigo, corri para dentro da floresta de pinheiros, na mesma direção da caverna onde ficamos no treinamento de sobrevivência.
A dor em meu corpo era forte, mas a dor em minha alma era maior. Eu não conseguia parar de chorar, o vazio em meu peito crescia na mesma medida em que os meus ossos se partiam e contorciam. Quando as minhas pernas quebraram para trás, cai no chão de neve e virei de barriga para cima. O meu lobo estava furioso comigo, com meu irmão, com meus pais.... Era tanta raiva, tanto rancor, tanta mágoa...
Tentei gritar de dor, mas o som que saiu da minha garganta foi um uivo. Os pelos negros empurraram a carne das minhas mãos, tingindo a neve de vermelho com o meu sangue.
Estava perdendo o controle dos meus membros, a grande pata com garras afiadas arranhou o meu peito, cortando a carne, acelerando a transformação.
Quase agradeci aos deuses pela neve, pois aliviava o terror da transformação incomum. Havia algo errado, vi transformações antes, inclusive do meu irmão, era um processo doloroso, sim, mas havia antecipação e felicidade. Tudo o que eu sentia era dor, física e emocional.
Quanto mais o meu lobo tomava o controle, mas o desespero tomava conta de mim.
Quando a dor física parou, não me senti melhor. A minha mente estava confusa, nada fazia sentido, apenas um desejo forte de matar, de controlar, de marcar Laila.
Meu lobo queria uma Luna para ele e não sentiria remorso algum em tomar a do nosso irmão, a quem nitidamente considerava fraco, menos merecedor do trono do que nós.
"Tome tudo para nós!"
Eram as palavras que o lobo repetia, entre outras sem nexo.
- Oh, seu idiota, você está aqui e se transformou! Que massa! Seu lobo é lindo, pelo tão negro quanto uma noite sem lua, igual do papai!
Eu estava no interior da minha forma de lobo, sem o menor controle, como um passageiro no banco de trás. Assisti quando o lobo levantou a cabeça e olhou para a minha irmã. Não havia reconhecimento, nem carinho, nem nada familiar no que ele sentia.
Seu rosnado era alto e ameaçador.
- Gavin... os seus olhos estão vermelhos, acho que isso não é bom....
O lobo caminhou lentamente na direção dela, que me encarava com a fisionomia confusa.
- Gavin, para de bobeira, é feio ficar rosnando para a sua irmã!
A voz dela foi se tornando mais baixa a medida que eu me aproximava. O lobo mostrou os dentes para ela, rosnando furioso.
" O que está fazendo, é nossa irmã!"
Gritei no meu âmago, o lobo sacudiu a cabeça, de olhos fechados, como seu eu fosse um intruso no seu cérebro.
- Gavin... para com essa brincadeira, está me assustando! - Natalia disse, com a voz chorosa e assustada. - Vou chamar a mamãe!
Não era uma brincadeira, eu também estava assustado e não conseguia fazê-lo parar. Queria que ela corresse, gritasse por ajuda, mas ela ficou ali, me encarando com os seus olhos marejados e fedendo a medo.