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- Eu não estava me sentindo bem nos últimos tempos – ela começou, fazendo com que eu sentisse minha barriga contrair-se com uma sensação horrível – E fiz alguns exames. O resultado saiu há dias atrás. Estou com câncer.
Fiquei muda. Não que eu quisesse, mas a minha voz não saiu. O silêncio se fez presente entre nós, uma em cada canto do país, ligadas através de um aparelho celular.
- Tayla, você ainda está aí?
- Nona, isto não é possível! Você é a pessoa mais forte que eu conheço.
- Querida, estou indo para oito décadas de vida! Acha mesmo que sou forte? Meus ossos doem, minha visão é embaçada, tenho preguiça de levantar cedo, estou dormindo antes das galinhas... Então está mais que na hora de eu voltar para onde vim: "dó pó ao pó".
- Não... Fale isto... Por favor! – Pedi, num fio de voz.
- Sei da situação entre você e Ryan e do quanto o que peço é difícil para ambos.
- Não deve ser nada difícil para ele. Não esqueça que quem fez tudo errado foi Ryan, Nona.
- Engraçado é que ele diz exatamente o contrário.
- Mas você sabe tudo que houve... Sabe que Ryan não tem razão.
- Amo vocês dois, de maneira igual. E atribuo a culpa a ambos.
- Eu... Acho que não é hora de falarmos sobre isto, Nona. – Eu não queria brigar com ela, principalmente depois de receber aquela notícia que me deixou totalmente aterrorizada.
- Pode vir e não falarmos absolutamente nada sobre isto, meu amor. Pedirei o mesmo a Ryan, caso queira. Eu tenho no máximo seis meses com vocês. E sei o quanto os verões eram especiais no Rancho Palmer quando os tinha aqui comigo. Meu último desejo é que possamos passar o último verão juntos, aqui... Eu, você, Ryan, Lewis...
- E... Aydan?
- Claro, claro! Adoro Aydan e ele sempre será bem-vindo na minha casa. O receberei tão bem quanto ele me recebe aí.
Nona e Aydan se davam muito bem. Aliás, era impossível alguém não adorar Aydan. O mesmo acontecia com Nona. Então era meio óbvio que os dois teriam uma relação de respeito, amizade e carinho.
- Nona, você disse seis meses. Sabe que não aceitarei isto, não é mesmo? Precisamos procurar outros médicos, e tratamentos alternativos...
- Eu já tomei a decisão, Tayla: não farei o uso de radioterapias, quimioterapias ou medicamentos fortes. E ninguém me fará mudar de ideia.
- Nem Lewis? – tentei – Sabe o quanto ele sofrerá se você morrer.
- E eu sei que você não contará a verdade a ele, Tayla. Lewis é tudo para mim... Como se fosse o meu bisneto.
- Mas ele... Não é. E... Você sabe disto, não é mesmo? – minha voz falhou ao final – Eu não quero ser indelicada, mas... Lewis é meu. Só meu!
- Achei que fosse também de Aydan, o pai dele.
- Ah... – senti meu coração acelerar – Óbvio que sim.
- Lewis será o único bisneto que conhecerei, já que a considero minha neta de verdade, Tayla. E sabe que Ryan certamente não terá filhos.
Engoli em seco, sentindo as pernas trêmulas. Talvez Nona tivesse sim um bisneto de verdade, o garotinho ruivo de olhos azuis gelados que ela amava como se fosse sangue do seu sangue. Mas eu tinha jurado para mim mesma que jamais faria o teste para saber se Lewis era ou não filho de Ryan. Eu preferia morrer com a dúvida porque dependendo do resultado poderia ser pior, muito pior.
- Eu irei para Solidão neste verão, Nona – falei, limpando as lágrimas que desceram mornas pela minha bochecha – Não sei quanto a Ryan, mas passo por cima de qualquer coisa para que tenha os melhores dias da sua vida antes de partir. E se é seu desejo que fiquemos todos juntos no Rancho Palmer, assim será. Sabe o quanto será difícil para mim voltar... Mas a amo muito para não atender um pedido seu. – Fui sincera.
- Ah, querida... – ouvi o suspiro dela do outro lado da linha – Não tem ideia do quanto me deixou feliz com esta decisão. Prepararei um quarto incrível para Lewis.
- Nona, não precisa se incomodar.
- Trará Cheshire?
- Bem... Cheshire é parte da família! – Lembrei, sorrindo.
- Ele também terá o seu cantinho, como sempre. E... A casa da árvore ainda está aqui, do mesmo jeito.
Se eu não estivesse sentada, cairia com aquela revelação. Só de tocar no nome "casa da árvore" foi como se eu tivesse sido atingida por um raio diretamente no coração, um redemoinho de lembranças querendo tomar conta de mim. Apertei o pingente de trevo com tanta força que chegou a doer minha mão.
- Nona, sabe que nada mais será como antes, não é mesmo? E... Nunca perdoarei Ryan pelo que houve. Tudo que estou fazendo, é por você. Ainda assim será bem difícil para mim.
- Só tenho a agradecê-la por aceitar fazer esta velha moribunda feliz no seu último verão.
Respirei fundo, tentando não externalizar o quanto aquilo estava me doendo.
- Sei que poderemos convencê-la a fazer um tratamento adequado.
- Não, não poderão – ela riu – E... Eu já fiz o testamento. E gostaria de compartilhar com vocês a minha decisão.
Novamente um frio percorreu minha espinha. Aquilo estava se tornando real demais. E eu não estava preparada para me despedir de Nona... E do Rancho Palmer, para sempre.
- Eu não tenho direito em nada, Nona.
- Se eu a chamei para o testamento, é porque você tem importância suficiente para isto, Tayla.
- Nona, não... Por favor.
- O Rancho Palmer é muito mais que uma grande extensão de terras, minha querida Taylice – o "Taylice" me fez voltar no tempo, como se estivesse prestes a cair no buraco profundo e sinuoso do coelho branco – No Rancho Palmer, como no País das Maravilhas, quase todo mundo é louco. Mas alguns, merecem um final feliz.
Abri o portão e entrei com o carro. A casa principal surgiu à frente, suas janelas refletindo o pôr do sol como olhos vermelhos. Algo dentro dela sussurrou, igual à Alice diante da porta minúscula: "Você está grande demais para este lugar. Nunca vai caber aqui de novo."
Lewis remexeu-se no banco de trás do carro, durante seu sono, murmurando algo incompreensível.
Engoli em seco quando o carro aproximou-se ainda mais da casa e o reconheci, de costas, recostado na parede da varanda de madeira descascada, a silhueta tão perfeita quanto uma moldura. O mesmo ombro largo que carregara minha mochila na volta da escola, a mesma nuca bronzeada que eu costumava beijar escondida na casa da árvore.
Cinco anos haviam se passado. Meu coração acelerou como se o tempo tivesse dobrado sobre si mesmo. Eu podia jurar que ele ficou mais alto, mais largo, mais... perigoso. As cicatrizes da adolescência ainda estavam lá, invisíveis, mas palpáveis: no jeito que ele inclinava a cabeça, nos dedos que batiam inquietamente no corrimão de madeira.
"Bem-vinda de volta à toca do coelho, Tayla Torres. Desta vez, a queda vai te quebrar."