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POV TAYLA
- Mamãe?
A voz de Lewis ecoou dentro do carro e meu corpo estremeceu como se aquele simples encontro de olhares pudesse definir meu futuro. E podia!
Ryan e Lewis se encararam. Os mesmos olhos. O mesmo azul gélido, a mesma intensidade, até a forma idêntica de estreitá-los diante da dúvida. Era como assistir a um espelho do passado refletido no presente. Eles se analisavam em silêncio, mentes aceleradas, perguntas não ditas pairando entre eles.
Meu coração disparou. Minhas pernas ameaçaram ceder e me apoiei na porta do carro, desesperada.
Por quanto tempo eu sonhei com aquilo? Um menino chamado Lewis, com os olhos de Ryan. Um futuro que planejamos juntos, cheio de promessas ingênuas: "Teremos um Lewis e uma Alice, e eles vão adorar o Rancho Palmer, assim como nós. Nas noites de verão, dormiremos todos na casa da árvore e contaremos histórias até tarde."
Eu tive Lewis. Mas a certeza de que Ryan era o pai? Não, eu não tinha!
E agora, diante dos dois, o medo me consumia. Se Ryan sequer cogitasse ser o pai daquele menininho ruivo, lindo e curioso, jamais aceitaria ficar longe do filho. E eu não estava disposta a dividir meu filho. Lewis já tinha um pai: Aydan.
Aydan, que segurou minha mão no parto, que o embalou no primeiro choro, que jurou protegê-lo como sangue do seu sangue.
Mas meu terror ia muito além de uma simples disputa entre Ryan e Aydan. Havia "ele". E eu rezava intimamente para nunca descobrir a verdade, para que a dúvida permanecesse eternamente como um escudo entre meu filho e aquela herança maldita. Preferia viver na incerteza do que ter a confirmação de que o sangue de Lewis carregava o mesmo DNA daquele homem que havia sido o maior erro da minha vida. Mil vezes a dúvida eterna do que a certeza devastadora.
O chão pareceu tremer sob meus pés, pronto para me engolir viva.
Lembrei daquela madrugada, quando acordei meu filho. Comecei a beijá-lo até que ele se espreguiçou, não parecendo com muita vontade de sair da cama. Abriu os olhos e me encarou, do mesmo jeito que o pai fazia:
- Eu não quero acordar!
- Mas precisa – sorri, beijando seu pescoço e o fazendo gargalhar.
- Eu sonhei com a sua história de criança, mamãe.
- Que história de criança?
- Aquela que você sempre me conta... Da Alice e o País das Maravilhas.
- Hum... – Fui trocando sua roupa - E o que sonhou, afinal?
- Eu era o coelho.
- Então deve saber que ele dizia: "Estou atrasado, muito atrasado"!
Lewis levantou-se, deixando-me com a roupa na mão e sorri ao ver o motivo. Cheshire entrou no quarto, com aquele jeito manhoso, esperando que o menino o pegasse no colo e levasse para a cama, a fim de alisá-lo e mimá-lo.
- Papai disse que a ponta do rabo do Cheshire foi pintada por você, quando ainda era criança.
- Eu? – ri – Já fiz muitas coisas não muito legais, mas pintar o rabo de Cheshire não está na minha lista, menininho! Saiba que Cheshire tem este rabo assim desde que nasceu.
Ouvi uma batida na porta e a empregada entrou, sorrindo:
- Desculpe o atraso, senhora Tayla.
- Tive que tirar um garotinho da cama. Não queria levantar! – Expliquei, divertindo-me com o jeito manhoso e preguiçoso de Lewis para acordar tão cedo.
- Vamos, Lewis, escovar os dentes. – Ela o lembrou.
- Cheshire pode tomar banho para passear? – Ele me olhou.
- Claro que não! Cheshire odeia banho e você sabe disto.
- Mas...
- Nem pensar! – peguei o gato das mãos dele – Vá escovar os dentes e deixe nosso amiguinho em paz.
Lewis riu e correu na minha direção, jogando-se contra meu corpo e dando-me um beijo e um abraço apertado. Sim, tudo aquilo porque iria ao banheiro escovar os dentes sem mim! Depois deu a mão para a nossa ajudante, fazendo uma voz fininha:
- "Estou atrasado, muito atrasado!"
Sorri enquanto o observava, percebendo o quanto tinha os trejeitos do pai.
Botei Cheshire na cama e peguei mais alguns brinquedos que ele gostava e pus na mala, pois tinha esquecido que seriam alguns meses fora de casa. Foi quando encontrei uma foto no chão, minha e de Ryan, quando tínhamos mais ou menos uns seis anos de idade.
Senti meu estômago congelar-se, lembrando exatamente do dia em que foi tirada. Percebi os dois xis riscados nos olhos de Ryan e os dentes de vampiro feitos com caneta hidrocor.
Mordi o lábio com força, para não gritar por Lewis para lhe dar uma bronca por ter estragado a minha foto. Mas o que eu diria? Que ele transformou o homem da foto num vampiro sendo que eu fazia aquilo com todas as folhas impressas em que Ryan aparecia?
Mas como Lewis sabia que aquele menino da foto era Ryan? Haveria tanta semelhança entre o menino e o homem, a ponto de meu filho fazer a constatação de que eram a mesma pessoa?
Olhei para meu filho e Ryan, ainda se encarando, agora de forma levemente hostil. Certamente Lewis lembrou do homem que eu transformava em aberração a cada foto que encontrava impressa em jornais ou revistas.
Observar o semblante de meu filho me fez voltar no tempo, muitos anos atrás, naquele mesmo lugar, onde jamais imaginei que um dia pudesse ter raiva de Ryan Palmer, o garoto que eu mais amava na vida, com o qual estive prestes a casar e com quem fiz planos de vivermos juntos até a fim de nossa existência.
Nona adorava contar como, no nosso primeiro aniversário, eu arruinei o bolo coletivo. Enquanto Ryan e eu assistíamos à festa sentadinhos na mesa, decidi presentear todos com meus pés na cobertura.
Aos dois anos, balbuciei "Ryan" pela primeira vez. E na mesma semana recebi dele meu primeiro tapa. Assim começou nossa história: um nome doce na boca e uma marca amarga na pele.
Quando eu tinha três anos joguei uma pedra em Ryan. Ele foi parar no hospital e levou três pontos. Sempre disse que foi vingança pelo tapa que ele me deu quando eu mal falava seu nome.
Com quatro anos Nona nos pegou debaixo da cama, nos beijando. Levamos uma bronca, mas ela guardou o segredo de minha mãe. Era nossa brincadeira favorita: mamãe e papai.
Quando fizemos cinco anos o pai de Ryan construiu uma casa na árvore gigante. Na primeira subida, caí e quebrei a perna. Ryan ficou mais assustado que eu.
Aos seis anos, enquanto brincávamos de comidinha na nossa "casa", eu lhe dei uma planta venenosa para comer. Claro que eu não sabia que era perigosa. Ryan foi parar no hospital, tendo que fazer lavagem estomacal.
Com sete anos perdi meu primeiro dente e minha mãe disse que tinha que jogar em cima da casa, oferecendo para algum santo. Lembro que chorei muito, porque não queria jogar meu dente fora. No final da tarde ouvimos um grito e encontramos Ryan no chão. Ele tinha subido no telhado e pegado o meu dente, mas ao cair quebrou a perna. A parte boa é que fiquei com o meu dente e pude guardá-lo. A família de Ryan descobriu que ele era alérgico a componentes usados em analgésicos. Meu amigo ficou alguns dias internado por conta do inchaço e eu achei que ele tinha virado um monstro, já que seus olhos mal apareciam.
Com oito anos eu retirei meu primeiro livro de empréstimo na biblioteca da escola e se chamava "Alice no País das Maravilhas". Me apaixonei pela história e nunca terei certeza se o amor à primeira vista se deu ao fato de aquele ter sido o primeiro livro que li sozinha. Ryan me deu um gato, que juntos escolhemos o nome: Cheshire.