Capítulo 3 Ricardo Albuquerque

Fechei os olhos mais uma vez, numa vã tentativa de mergulhar novamente no sono que teimava em me abandonar. Pela janela, a escuridão da madrugada persistia; o sol ainda era uma promessa distante, faltando pelo menos uma hora para o amanhecer pintar o céu. Eu já havia internalizado esse ritmo, dispensando a necessidade de um relógio. Era difícil recordar a última vez que desfrutara de uma noite de sono completa e tranquila. A jornada da paternidade solo, somada à responsabilidade de administrar os negócios da família, embora trouxesse suas recompensas, invariavelmente cobrava seu preço.

A linha entre o trabalho e o lar se tornara tênue, quase inexistente, e a recente dor de cabeça com um inquilino excessivamente exigente em um dos meus imóveis apenas intensificava meu nível de estresse.

Sofia, com seu jeito doce e cativante, era o único raio de sol em meio a essa tempestade de preocupações. Seu sorriso inocente tinha o poder de dissipar, ainda que momentaneamente, as nuvens carregadas que pairavam sobre mim.

Contudo, permanecer deitado, remoendo os problemas, era uma batalha perdida antes mesmo de começar. Infelizmente, a inércia jamais os faria desaparecer. Com esse último pensamento pragmático, finalmente me levantei, determinado a enfrentar mais um dia.

Sob o jato quente do chuveiro, a lista mental de tarefas para o dia já começava a se formar em minha mente. No topo, com prioridade máxima, estava a busca por uma babá competente e, crucialmente, que realmente gostasse de crianças. A ajuda inestimável da minha mãe em Serra Dourada estava chegando ao fim. Apesar do profundo amor que nutria pela neta, seus compromissos e responsabilidades na instituição que fundara e que cuidava com a dedicação de uma mãe exigiam seu retorno.

Enrolei a toalha na cintura, o corpo ainda meio grogue, mas a mente já engatilhada para o dia que se iniciava. A academia era meu refúgio matinal, a válvula de escape onde eu podia, literalmente, descarregar um pouco do peso do mundo.

Vesti uma camiseta surrada e um calção confortável, calcei os tênis e desci as escadas em direção à pequena academia que montei no andar de baixo. Era um espaço funcional, com os equipamentos essenciais para manter o corpo são e a mente sã – ou pelo menos tentar. Enquanto ajustava o peso na barra, repassei mentalmente os critérios para a babá perfeita: paciência infinita, um carinho genuíno por crianças, responsabilidade, experiência e, talvez, um toque de leveza para equilibrar a seriedade do meu dia a dia.

A cada repetição, a tensão nos meus ombros parecia diminuir um pouco. O ferro frio em minhas mãos era uma âncora no caos dos meus pensamentos. Entre um exercício e outro, peguei o celular e comecei a rolar pelos currículos que minha mãe havia pré-selecionado. Rostos, formações, experiências... nenhum deles saltava aos olhos, nenhum transmitia aquela faísca de conexão que eu buscava para cuidar da minha filha.

Suspirei, largando as barras no suporte com um baque metálico. A busca seria árdua, eu sabia. Mas minha filha merecia o melhor. E eu não descansaria até encontrar a pessoa certa para cuidar do meu bem mais precioso.

Duas longas horas depois de ter desafiado meus limites na academia, meus músculos clamavam por um segundo banho naquele início de manhã. Mas antes, meus pés me guiaram, quase que por instinto, até o quarto de Sofia. A porta entreaberta revelava um santuário lilás, onde adesivos de flores vibrantes dançavam em uma das paredes, a promessa silenciosa de um reino de princesa. No centro da cama, um anjo loiro dormia profundamente, os fios de cabelo emoldurando um biquinho adorável que apertou meu coração com uma onda avassaladora de amor. Saí dali na ponta dos pés, o peito transbordando por aquela pequena criatura.

Mal a toalha tinha envolvido minha cintura, o toque estridente do celular cortou o silêncio matinal. Nem precisei fitar o visor para adivinhar o remetente. Pela hora ingrata, só podia ser Carlos, meu eficiente – e às vezes inconveniente – assistente, trazendo consigo a inevitável bagagem de problemas. Ele era o único com a audácia de me importunar antes do café, um privilégio concedido pela urgência e pela minha notória falta de apreço por interações sociais matutinas.

Um suspiro profundo precedeu o atendimento. - Alô, Carlos. Que seja algo crucial. Meu estômago ainda está roncando de vazio.

A voz de Carlos, carregada de uma respiração pesada que denunciava sua própria dose de paciência matinal, ecoou do outro lado da linha. - Desculpe, senhor Ricardo, mas o chef Antoní Mendez continua insistindo nas ligações. Ele exige uma reunião urgente com o senhor e o conselho, alegando que o restaurante precisa de uma reformulação visual imediata e que a empresa, como proprietária do imóvel, deve arcar com os custos.

Respirei fundo, tentando conter a irritação que borbulhava. Antoní era um talento inegável na cozinha, mas sua vaidade estratosférica e suas exigências incessantes estavam se tornando um fardo pesado. - Carlos, marque essa reunião para as dezesseis horas. Vou para a capital e resolverei essa questão de uma vez por todas. Não aguento mais essa novela.

A conversa se estendeu por mais alguns minutos, abordando outros assuntos pendentes, até que finalmente consegui me despedir de Carlos e parti em busca das mulheres da casa.

Antes mesmo de cruzar o umbral da cozinha, o som de risadas alegres invadiu meus ouvidos, um contraste bem-vindo com o peso dos meus pensamentos.

- Bom dia! Parece que alguém acordou com o pé direito por aqui - anunciei, depositando um beijo suave na testa macia da minha princesa. - Dormiu bem, Sofi?

Com um sorriso travesso iluminando seu rosto angelical, ela assentiu vigorosamente, os olhos fixos no pedaço de bolo que devorava com uma concentração adorável, como se fosse a iguaria mais requintada do mundo. Balancei a cabeça com um meio sorriso e me virei para cumprimentar minha mãe.

- Bom dia, Dona Luciana - disse, aproximando-me para lhe dar um beijo na testa, sentindo o toque suave de sua pele enrugada.

- Bom dia, meu filho! Nem te ouvi chegar ontem à noite. Tudo bem? - sua voz carregava uma ponta de preocupação.

- Estou com alguns problemas na empresa, mãe. Inclusive, depois do café, terei que ir para a capital. A senhora pode ficar com a Sofi hoje?

- Claro que posso, meu querido. Você sabe que pode sempre contar comigo. Você chegou a ver os currículos que te enviei? Alguma candidata te agradou?

- Eu sei, mãe, obrigado. E sobre as candidatas... dei uma olhada rápida enquanto estava na academia, mas nenhuma me causou uma boa primeira impressão. Algumas tinham qualificações interessantes, mas pecavam na falta de experiência - falei, a frustração tingindo minhas palavras mais uma vez.

- Há uma candidata que me chamou particularmente a atenção, Ricardo. Eu sei que não possui a vasta experiência que você procura, mas senti algo de bom vindo dela. Amélia Garcia é o nome dela.

- Achei muito jovem, mãe. Apenas vinte e cinco anos. Você se lembra do que aconteceu com a última babá jovem que contratamos...

- O que aconteceu, papai? - a voz doce e curiosa de Sofia interrompeu a conversa, seus olhinhos arregalados fixos em mim.

- Nada, meu amor, assunto de adultos. Termine seu café, que a vovó vai cuidar de você hoje. O papai precisa viajar e só volta amanhã, está bem?

Seu rosto se contraiu em uma carinha triste, aquela que sempre me atingia em cheio quando mencionava minhas viagens. Sem a presença da mãe, que se fora no dia de seu nascimento, Sofia era extremamente carente de atenção e sentia profundamente minha ausência durante o dia. Por isso, eu tentava ao máximo trabalhar de casa. Com a voz um pouco hesitante, ela assentiu.

- Mãe - comecei, cedendo à intuição da minha mãe -, se a senhora tem tanta confiança de que essa mulher será uma boa babá, peça para que ela faça um período de experiência de um mês. Mas qualquer falha, por menor que seja, ela está fora.

Um sorriso iluminou o rosto de minha mãe, e ela acenou com entusiasmo. - Ligarei para a moça ainda hoje. E na primeira semana, ficarei aqui, ajudando e observando como ela se adapta.

- Se a senhora tem tanta confiança assim...

Ela me lançou um olhar significativo, como se me lembrasse de um histórico de acertos. - Você sabe que meu sexto sentido raramente falha. E aquela outra babá... bem, você se lembra que não fui eu quem a escolheu, mas sim sua antiga secretária.

Sabiamente, engoli qualquer comentário que pudesse surgir e me concentrei em terminar meu café, o sabor amargo da preocupação ainda pairando na minha boca.

                         

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