Capítulo 2 O Alfa Solitário

Capítulo 2 - "O Alfa Solitário"

(Narrado por Caelum)

O vento uivava como um lobo faminto lá fora, golpeando as muralhas da Fortaleza de Ébano Branco com uma força implacável. Eu estava em meu escritório, a única parte da fortaleza onde o frio parecia ainda mais intenso. As paredes de gelo, embora perfeitamente lisas, refletiam minha expressão dura e cansada. A luz fraca das tochas tremulava, projetando sombras longas e irregulares.

Minha capa de pele branca repousava sobre meus ombros, mas mesmo com sua espessura, o frio parecia penetrar até aos ossos. Era uma sensação constante, um lembrete de que, no Reino do Gelo, o calor não era apenas raro, mas um luxo que não podíamos nos dar ao luxo de buscar.

Do outro lado do salão, uma mesa esculpida em cristal de gelo exibia mapas e pergaminhos espalhados em desordem. A maioria detalhava as fronteiras entre os reinos, com marcas de batalha e áreas de tensão. Meus olhos, no entanto, estavam presos à janela. A neve caía incessante, cobrindo a paisagem com seu manto branco e frio, mas o que me prendia era o vazio. Sempre o vazio.

- Você está perdido em pensamentos, Caelum.

A voz de Orin me arrancou do devaneio. Meu beta estava parado à entrada do escritório, sua presença sólida e imponente. Ele usava uma armadura prateada adornada com runas antigas, que brilhavam fracamente à luz do fogo.

- Entre, Orin. - Minha voz saiu baixa, mas firme.

Ele avançou com passos pesados, suas botas esmagando pedaços de gelo que se acumulavam no chão. Quando alcançou a mesa, cruzou os braços e me olhou com aquela expressão que eu já conhecia bem, ceticismo disfarçado de preocupação.

- Você convocou a reunião com a Luna do Fogo? - perguntou ele, direto como sempre.

Assenti lentamente, afastando-me da janela.

- Sim. É a única opção que nos resta.

Orin arqueou uma sobrancelha, visivelmente desconfortável.

- A única opção? - Ele soltou um riso curto, sem humor. - Desde quando confiamos no Reino do Fogo para qualquer coisa além de destruição?

- Não se trata de confiança. - Minha voz ganhou uma ponta de frieza, refletindo o gelo ao nosso redor. - Trata-se de sobrevivência.

Orin descruzou os braços e começou a andar pela sala, seu semblante carregado de desaprovação.

- Caelum, você sabe tão bem quanto eu que eles não vão aceitar isso de bom grado. O Reino do Fogo é impulsivo, caótico. E essa Luna... - Ele fez uma pausa, como se buscasse as palavras certas. - Sienna. Ela é conhecida por sua rebeldia.

- Eu sei.

- Sabe? - Ele parou e me encarou diretamente. - Então por que arriscar? Eles podem ver isso como uma fraqueza. E fraqueza é algo que não podemos mostrar agora.

- Não estou interessado no que eles pensam de nós, Orin. - Caminhei até a mesa, apontando para um mapa que mostrava as fronteiras de Aurelion. - Olhe para isso. Nosso território está diminuindo. As tempestades estão mais violentas. Nossos clãs menores estão começando a se rebelar porque acham que não posso protegê-los.

- Isso não é culpa sua.

Levantei o olhar para ele, e por um momento, a máscara de Alfa quase se quebrou.

- Mas eles acham que é.

Orin permaneceu em silêncio, seus olhos escuros avaliando minhas palavras. Ele sabia que eu estava certo, mas admitir isso não era fácil.

- E quanto à profecia? - perguntou ele, finalmente.

- O que tem ela?

- Se você e essa Luna realmente se unirem... - Ele hesitou, escolhendo cuidadosamente suas palavras. - Você sabe o que dizem. Que um herdeiro nascido dessa união trará equilíbrio ou destruição.

Soltei um suspiro pesado, passando a mão pelo cabelo escuro que caía sobre minha testa.

- Não acredito em profecias.

- Não precisa acreditar, Caelum. Mas muitos outros acreditam. E alguns vão querer impedir que isso aconteça, a qualquer custo.

- E é exatamente por isso que precisamos dessa aliança. - Minha voz se ergueu, carregada de determinação. - Não é apenas sobre nós. É sobre o futuro de nossos reinos.

Orin balançou a cabeça, mas não disse mais nada. Ele sabia que, quando eu tomava uma decisão, não havia como voltar atrás.

- Prepare tudo para a chegada da Luna Sienna. - Ordenei, endireitando a postura. - A Luna do Fogo deverá chegar em três dias.

Ele fez uma reverência curta antes de sair, deixando-me sozinho novamente.

O silêncio voltou a preencher o escritório, mas agora parecia mais opressor. Caminhei até o centro da sala e olhei para o chão. As runas antigas gravadas no gelo começavam a brilhar fracamente, um lembrete da magia que sustentava nosso reino.

De repente, senti uma leve vibração sob meus pés. Não era incomum que o gelo se movimentasse, mas isso parecia diferente. Era mais... profundo.

Abaixei-me e toquei a superfície fria com a palma da mão. Uma energia estranha percorreu meu corpo, algo que eu não sentia desde...

Afastei a mão rapidamente, como se o gelo tivesse me queimado. A fissura que apareceu diante de mim era pequena, quase insignificante, mas o que ela simbolizava era impossível de ignorar.

Algo estava mudando.

Levantei-me, os olhos fixos na rachadura. O peso da decisão que eu havia tomado parecia dobrar, como se o próprio gelo estivesse tentando me avisar de algo.

No entanto, recuar não era uma opção.

Caminhei até a janela novamente, observando a vastidão branca que se estendia até onde os olhos podiam ver. O vento continuava a uivar, mas agora havia um som diferente misturado ao seu lamento. Algo mais profundo, mais ameaçador.

E pela primeira vez em anos, senti um calafrio que não vinha do frio ao meu redor, mas de dentro de mim.

Enquanto eu observava a paisagem, a neve começou a cair mais pesada, como se o próprio céu estivesse tentando encobrir o que estava por vir. E, por um breve momento, pensei ter visto uma sombra entre as tempestades.

            
            

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