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Capítulo 4 - "Sombras na Neve"
(Narrado por Lyria)
As chamas do vulcão dançavam sob o céu escuro, lançando reflexos dourados que pareciam fluir pelas encostas de pedra negra. O calor era constante, familiar, como uma pulsação que vinha das profundezas da terra e encontrava eco em meu próprio sangue. Mesmo assim, naquela noite, eu sentia um frio inquietante, como se algo na paisagem fervilhante de Ignisfera estivesse fora de lugar.
Estava no terraço superior do palácio, um dos poucos lugares em que eu podia escapar dos olhares críticos da corte. As chamas iluminavam o vestido que escolhi para aquela noite, uma peça dourada com detalhes em vermelho profundo, que brilhava com intensidade à luz do fogo. As mangas longas e o corte ajustado eram uma escolha deliberada, a imagem de força e sofisticação era tão importante quanto qualquer palavra que eu pudesse dizer.
Abaixo de mim, os corredores fervilhavam de vida. Servos apressados carregavam bandejas para os nobres reunidos no grande salão, enquanto conselheiros murmuravam entre si sobre as tensões crescentes entre os reinos. Mas nada disso me importava no momento. Meu olhar estava fixo no horizonte, onde as montanhas escuras se erguiam contra o céu.
Minha irmã estava longe, no coração do Reino do Gelo, e uma sensação incômoda me dizia que algo estava errado.
- Milady. - A voz grave de Harun, meu guarda pessoal, interrompeu meus pensamentos.
Virei-me lentamente, mantendo a expressão serena. Harun era um homem robusto, com olhos castanhos que lembravam brasas apagadas. Ele havia servido à nossa família por anos, e eu confiava em sua lealdade mais do que confiava na maioria dos membros da corte.
- O que foi, Harun? - perguntei, minha voz controlada, mas firme.
- Recebemos uma mensagem dos anciãos. Dizem que a primeira reunião entre a Luna Sienna e o Alfa Caelum foi bem-sucedida.
- Bem-sucedida? - repeti, arqueando uma sobrancelha. - Eles esperavam outra coisa?
Harun hesitou, o que só aumentou minha desconfiança. Ele sabia tão bem quanto eu que os anciãos sempre tinham segundas intenções.
- Disseram que os laços entre os reinos começarão a se fortalecer a partir de agora - continuou ele, evitando meu olhar.
Soltei uma risada curta, sem humor.
- "Fortalecer"? Ou manipular?
Harun não respondeu. Sabia que eu não esperava uma resposta.
Voltei meu olhar para o vulcão. Havia algo hipnotizante na forma como as chamas subiam e desciam, como se estivessem vivas. Mas, naquela noite, elas pareciam mais sombrias, mais ameaçadoras.
- Algo não está certo, Harun - murmurei, mais para mim mesma. - Os anciãos estão escondendo algo, tenho certeza disso.
- Milady, o que quer que estejam planejando, não podemos agir sem provas.
- Não vou agir sem provas - respondi, girando para encará-lo. - Mas isso não significa que ficarei de braços cruzados.
Mais tarde naquela noite, retirei-me para meus aposentos, mas o sono não veio. Minhas preocupações com Sienna e os segredos dos anciãos eram como brasas queimando em minha mente, impedindo qualquer descanso.
Minha suíte era uma mistura de luxo e tradição. As paredes eram decoradas com tapeçarias bordadas à mão, representando cenas de batalhas antigas e momentos importantes da linhagem real. Uma lareira no canto lançava um brilho quente pelo ambiente, mas mesmo seu calor parecia insuficiente para afastar o desconforto que sentia.
Sentei-me em frente ao espelho de meu toucador, olhando para meu reflexo. O rosto que me encarava parecia mais pálido do que de costume, os olhos mais escuros.
Foi quando ouvi o som.
Um sussurro suave, quase imperceptível, vindo da direção da lareira. Levantei-me lentamente, cada músculo em meu corpo tenso. O ar no quarto parecia ter mudado, ficando mais pesado, mais denso.
- Quem está aí? - perguntei, minha voz firme.
Por um momento, houve silêncio. Então, uma figura começou a se formar entre as sombras projetadas pelas chamas.
Era ele.
Arkanis.
O nome de Arkanis era conhecido em todo o reino. Um ser misterioso, envolto em histórias e rumores que o associavam ao Reino das Sombras. Alguns diziam que ele era uma lenda, um mito criado para assustar crianças. Mas eu sabia que ele era real.
- Lyria, filha do fogo. - Sua voz era profunda, como o eco de um trovão distante.
Ele estava envolto em um manto escuro, e seus olhos brilhavam como duas estrelas negras. Sua presença encheu o quarto, apagando qualquer vestígio de calor.
- O que você quer, Arkanis? - perguntei, mantendo meu tom firme, embora meu coração estivesse acelerado.
- Não sou eu quem quer algo, Lyria. É você.
Franzi o cenho, mas não respondi. Ele deu um passo à frente, e o ar pareceu congelar ao seu redor.
- Você sente isso, não sente? - continuou ele, sua voz como um sussurro frio. - Algo está errado. Sua irmã está em perigo.
- Se sabe algo, diga logo.
- Nada é de graça, minha cara. Nem mesmo informações.
Hesitei. Sabia que Arkanis não era confiável, mas também sabia que ele podia ser útil.
- O que você quer em troca? - perguntei finalmente.
Ele sorriu, e o gesto fez um calafrio percorrer minha espinha.
- Apenas sua atenção... por enquanto.
A resposta não me agradou, mas antes que pudesse pressioná-lo, ele desapareceu, dissolvendo-se nas sombras como se nunca tivesse estado ali.
Quando Harun veio me buscar na manhã seguinte, já havia tomado minha decisão.
- Quero que envie alguém para Aurelion - ordenei.
- Um espião? - perguntou ele, surpreso.
- Um observador. Alguém em quem possamos confiar. Preciso saber o que está acontecendo lá.
- Isso é arriscado, milady.
- Mais arriscado é ficarmos no escuro.
Harun assentiu relutantemente, mas não questionou mais.
Enquanto ele saía para cumprir minha ordem, voltei meu olhar para o horizonte. As chamas do vulcão ainda queimavam intensamente, mas agora pareciam mais ameaçadoras do que nunca.
Sienna podia ser a Luna do Fogo, mas eu era sua irmã. E faria o que fosse necessário para protegê-la. Mesmo que não achasse certo ser ela a Luna.
E mesmo que isso significasse enfrentar as sombras.
Naquela noite, enquanto tentava dormir, uma visão invadiu meus sonhos. Via Sienna, envolta em gelo, enquanto algo sombrio se erguia atrás dela. Acordei ofegante, com o som da voz de Arkanis ainda ecoando em minha mente:
- O equilíbrio está quebrado, e apenas o fogo pode restaurá-lo.