Capítulo 5 Uma Aliança Impossível

Capítulo 5 - "Uma Aliança Impossível"

(Narrado por Caelum)

A Fortaleza de Ébano Branco estava mergulhada em um silêncio pesado, como se a própria estrutura soubesse da gravidade da reunião que ocorreria naquele dia. O grande salão principal, uma extensão de paredes brilhantes feitas de gelo puro, cintilava com reflexos das chamas fracas que ardiam nas lâmpadas encantadas. A luz dançava no teto abobadado, criando formas que pareciam vivas.

Eu estava sentado no trono de gelo, uma imensa obra esculpida nas montanhas de Caelum. Sua superfície gélida era tão familiar para mim quanto o próprio ar do reino, e mesmo assim, naquele momento, senti o desconforto incomum de estar prestes a enfrentar o desconhecido.

Diante de mim, Sienna estava em pé, o que só aumentava a sensação de tensão. O traje que ela usava, uma pele branca finamente bordada, oferecida como presente pela minha corte, parecia quase deslocado contra a ferocidade de seus olhos. Era evidente que ela não se sentia à vontade no ambiente gelado, e isso era algo que eu entendia perfeitamente.

Ela estava fora de seu elemento. Mas, de certo modo, eu também estava.

- Achei que Alfas não precisassem de adornos para se sentir poderosos. - A voz dela quebrou o silêncio, carregada com um tom de provocação.

- E Lunas não precisam de sarcasmo para mascarar sua insegurança - retruquei, inclinando-me ligeiramente para a frente.

Ela ergueu uma sobrancelha, claramente desafiadora, mas não respondeu de imediato. Sienna era um quebra-cabeça que eu ainda não conseguia decifrar completamente. Por trás da bravura e da chama ardente em seus olhos, havia algo mais. Uma cautela que a fazia pesar cada palavra, cada gesto.

- Por que estou aqui, Caelum? - Ela finalmente quebrou o silêncio, cruzando os braços. O movimento fez o colar que usava brilhar à luz das lâmpadas.

Levantei-me lentamente, permitindo que a altura do trono adicionasse um peso à minha presença. Caminhei até a borda da escadaria que separava o trono do chão do salão, parando a poucos passos dela.

- Porque nossas terras estão em perigo - respondi, minha voz firme como o gelo.

- Suas terras, talvez. - Ela estreitou os olhos. - O Reino do Fogo está mais do que capaz de cuidar de si mesmo.

Eu não pude evitar um sorriso frio. A teimosia dela era frustrante, mas havia algo admirável na maneira como ela se recusava a demonstrar qualquer fraqueza.

- Talvez você devesse perguntar isso aos seus anciãos, Luna. - Apontei com um gesto casual. - Eles certamente não parecem compartilhar da sua confiança.

Ela deu um passo à frente, reduzindo a distância entre nós. Seu olhar era tão afiado quanto qualquer lâmina, e pela primeira vez, senti o calor irradiando dela.

- E você acha que eu vim aqui porque confio neles?

Seu tom foi como uma fagulha em um campo seco, e percebi que tinha tocado em algo mais profundo. Ela não confiava nos próprios aliados, assim como eu não confiava completamente nos meus.

- Vamos deixar as provocações de lado por um momento. - Respirei fundo, deixando minha voz baixar de intensidade. - Não estamos aqui para medir forças, Sienna. Estamos aqui porque há algo maior do que nós acontecendo.

Ela estreitou os olhos, mas não falou. Talvez estivesse esperando que eu continuasse, ou talvez estivesse apenas calculando seu próximo movimento.

- Há clãs menores, tanto no Norte quanto em Ignisfera, que veem nossa aliança como uma ameaça - expliquei, cruzando os braços atrás das costas. - Eles estão conspirando nas sombras, aguardando o momento certo para atacar.

- E você acha que isso justifica uma aliança entre nós? - Ela inclinou a cabeça, o tom de descrença evidente.

- Não se trata do que eu acho. Trata-se do que é necessário.

A resposta pareceu pegá-la de surpresa. Por um breve momento, percebi algo diferente em sua expressão. Uma fração de segundo de vulnerabilidade que desapareceu tão rapidamente quanto surgiu.

- E o que exatamente você espera de mim, Caelum? - perguntou ela, sua voz mais controlada agora.

- Cooperação. Temporária, é claro. - Fiz uma pausa, estudando sua reação. - Precisamos trabalhar juntos para conter essa ameaça antes que ela se torne algo maior.

Ela ficou em silêncio por um longo momento, o olhar fixo em mim. Era como se estivesse tentando enxergar além das palavras, tentando encontrar alguma pista de minhas verdadeiras intenções.

- E o que você oferece em troca? - perguntou finalmente.

Sorri de lado. Era exatamente a resposta que eu esperava.

- Um pacto. - Dei um passo à frente, reduzindo ainda mais a distância entre nós. - Um compromisso de cooperação que beneficie ambos os reinos.

- E como você sugere que isso seja selado? - Ela ergueu uma sobrancelha, desafiadora.

- No gelo, como é costume em Caelum.

Ela soltou uma risada curta, claramente zombeteira.

- Gelo? É claro que você diria isso. Mas se quer a minha cooperação, vai ter que provar que pode lidar com o fogo.

Franzi o cenho.

- E o que exatamente você quer dizer com isso?

- Um ritual em Ignisfera - explicou ela, cruzando os braços novamente. - Se quer a minha lealdade, terá que participar de algo que demonstre sua disposição de caminhar em meu mundo, assim como estou aqui no seu.

Era uma proposta ousada, e eu sabia que aceitar significava me expor a riscos que iam além do físico. Mas recusar seria uma demonstração de fraqueza, algo que eu simplesmente não podia permitir.

- Está bem. - Minha resposta foi direta, sem hesitação. - Se é isso que precisa para confiar em mim, eu aceito.

Quando estendi a mão para selar nosso acordo, senti a hesitação dela. Mas, eventualmente, Sienna fez o mesmo, seus dedos tocando os meus.

Foi nesse momento que aconteceu.

Uma explosão de energia percorreu meu corpo, como um choque que irradiava calor e gelo ao mesmo tempo. Por um breve instante, o mundo ao nosso redor pareceu desaparecer, e tudo o que restou foi a sensação avassaladora de nossos poderes colidindo.

O toque dela não era apenas quente. Era incandescente, como o coração de uma chama. E, estranhamente, em vez de afastar, senti-me atraído por aquilo.

Quando finalmente soltamos as mãos, havia algo diferente no ar. Algo que nenhum de nós parecia disposto a reconhecer em voz alta.

- Parece que temos um acordo - disse ela, com um sorriso que não alcançou os olhos.

Assenti, mas minha mente estava longe. Porque, pela primeira vez em muito tempo, senti algo além do gelo.

Naquela noite, enquanto refletia sobre os eventos no silêncio de meus aposentos, uma sensação persistente continuava a me incomodar. Não era apenas o calor do toque dela ou a tensão crescente entre nós. Era algo mais profundo, mais inquietante.

Como se, ao selarmos aquele pacto, tivéssemos aberto uma porta que não podia ser fechada.

E o que estivesse do outro lado... ainda estava esperando.

                         

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