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"Há prazer na entrega, mas o poder está em quem escolhe se render."
- Velho Código da Casa de Vellaris
A neblina rastejava pelos corredores de pedra, carregando o cheiro antigo de velas encantadas e segredos não ditos. Mira apertava o capuz contra o rosto, como se o pano pudesse esconder o tremor de seus dedos - ou de sua alma.
Era a primeira noite.
Ela fora levada até ali por ordem do Conselho Arcano, acusada de carregar sangue impuro, descendente de bruxos renegados. Sua pena? Servir à Casa de Vellaris por sete luas. Um castigo. Uma oportunidade. Um destino amarrado por correntes invisíveis e encantamentos antigos.
As portas da Câmara de Iniciação se abriram sem que mãos humanas as tocassem. O ranger lento da madeira soava mais como um sussurro do que um convite. Ela entrou.
Kael estava à sombra do trono de obsidiana, onde apenas os mestres da Ordem podiam se sentar. Seus olhos - âmbar profundo, como fogo contido - a atravessaram. Ele usava o traje ritual: calças de couro negro, o torso nu, coberto por runas vivas que se moviam como fumaça encantada pela pele.
- Você chegou, Mira das Cinzas - sua voz era grave, calma, com um tom de ironia velada. - Sabe por que está aqui?
Ela engoliu seco, mantendo os olhos baixos.
- Para pagar por minha linhagem. Para aprender a obedecer.
- Errado. - Ele se aproximou devagar. - Está aqui para descobrir quem você realmente é... e o que deseja.
Um arrepio percorreu a espinha de Mira. Ela sentia o poder dele como uma maré - não violenta, mas inevitável. A sala começou a responder ao feitiço que se formava entre os dois. As runas nas paredes brilharam. Os colares mágicos - instrumentos de controle, mas também de conexão - surgiram flutuando no ar.
Kael escolheu o colar dela. Prateado, fino, com uma pedra opaca no centro.
- Este só brilha com verdade. Está pronta?
Ela hesitou. Mas havia algo nela - algo proibido, enterrado, pulsando - que dizia sim.
Quando ele fechou o colar em seu pescoço, não foi dor que ela sentiu. Foi um calor. Um feitiço de pertencimento. Um juramento sem palavras.
Kael então tocou o cristal e a pedra brilhou levemente.
- Medo. Desejo. Rejeição. Esperança. Você carrega tudo isso.
Ele sorriu. E dessa vez, o sorriso não era frio.
- Vamos dançar com seus monstros, pequena Mira.
O salão da Câmara de Iniciação era feito de pedra negra viva, com veios cintilantes que pulsavam sob os pés descalços de Mira. Cada passo ecoava, não no som, mas na alma - como se o próprio chão sentisse seus pensamentos mais ocultos.
Kael deu meia-volta e caminhou em direção ao altar de obsidiana. Com um gesto, ergueu um véu de luz que revelou uma pequena mesa baixa, cheia de instrumentos: correntes encantadas, plumas vibrantes de fênix, frascos com líquidos incandescentes e pergaminhos selados. Nada era decorativo. Cada objeto tinha propósito.
- Mira, a Casa de Vellaris não é um castelo. É uma escola. Um templo. E, para alguns, um espelho.
Ela permaneceu em silêncio.
- Aqui você não será apenas treinada para obedecer - disse, com a voz profunda ressoando nas paredes -, mas para entender por que deseja se entregar. E o que pode conquistar com isso.
Mira finalmente ergueu os olhos. Seu rosto era suave, de beleza discreta, mas os olhos castanhos carregavam algo antigo, selvagem, talvez herdado dos pais exilados. Ela sussurrou:
- E o que você conquista... quando domina alguém?
Kael arqueou a sobrancelha.
- A verdade. Ninguém mente no momento da entrega. A alma se desnuda.
Ele estendeu a mão, convidando-a. A hesitação em Mira era palpável. As pernas não queriam se mover, mas o coração implorava por resposta, por descoberta. Ela caminhou até ele.
- Este é o primeiro ritual. Não há dor. Apenas revelação.
Kael tocou o colar, e o feitiço brilhou. Com a outra mão, retirou um pequeno frasco. O líquido era dourado, espesso como mel.
- Essência de mirra solar - explicou. - Amplifica as emoções mais profundas. Uma gota na pele, e você sentirá tudo... como se fosse fogo.
Ele ergueu o frasco e olhou em seus olhos. A pergunta não foi dita, mas estava ali: "Você consente?"
Ela assentiu, leve, mas firme.
Kael sorriu de novo - e com delicadeza, deixou cair uma única gota na base de seu pescoço.
O calor subiu como uma onda. Primeiro um arrepio, depois um sopro interno, como se uma chama tímida começasse a crescer dentro dela. Mira fechou os olhos, os lábios entreabertos. Não havia dor. Havia... prazer? Não o carnal, ainda, mas o prazer de ser vista, tocada, sentida - não pelo corpo, mas pela essência.
Kael se aproximou e murmurou:
- O colar traduz emoções em cor. Deixe-o falar por você.
A pedra brilhou. Um azul profundo e pulsante. Curiosidade, desejo, medo - tudo ali, misturado, pulsando como um coração exposto.
Kael tocou o cristal.
- Perfeita.
Ele então estendeu a mão novamente. Mira, agora envolvida por aquela nova energia, entregou-se ao toque. Ele pegou sua mão e conduziu-a até a mesa de iniciação. A superfície parecia fria, mas quando ela tocou, sentiu como se o calor do feitiço estivesse por toda parte.
Kael pegou uma tira de seda negra e amarrou lentamente os olhos dela. O mundo desapareceu.
- Agora, confie. Não em mim, mas em você. Seu corpo saberá a verdade antes da sua mente.
Ela sentiu os passos dele, o ar se mover, o som leve do metal. Algo encostou em sua pele - uma pluma? Talvez. Depois, um toque firme no pulso, e ela soube: ele estava prendendo seus braços com as correntes encantadas. Mas as correntes eram diferentes. Quentes. Elas vibravam em resposta às batidas do seu coração.
- Diga "pare" se quiser. Sempre. Essa é a regra sagrada da Casa - sua voz era próxima ao ouvido dela, como um feitiço de proteção e tentação ao mesmo tempo.
Mira não disse nada.
- Boa garota - Kael sussurrou.
Esse elogio a atravessou como uma onda. Nunca ninguém a chamara assim. Boa. Desejada. Vista.
Os minutos seguintes foram uma dança entre sensações. Toques leves, outros firmes. Palavras ditas em voz baixa, encantamentos antigos que acariciavam os ouvidos mais do que a pele. Kael explorava não o corpo dela, mas os limites entre submissão e empoderamento.
Cada comando era uma ponte, cada resposta, um renascimento.
Mira, mesmo de olhos vendados, via tudo. Via quem era quando não precisava fingir força. Quando podia, por fim, se render - não por fraqueza, mas por escolha.
O feitiço do ritual crescia. A sala inteira parecia pulsar com a energia entre os dois. A pedra do colar agora brilhava em tons de rosa e dourado.
Quando ele finalmente removeu a venda dos olhos dela, o tempo parecia ter parado. Ela olhou ao redor, ainda presa, mas diferente. Algo dentro dela havia mudado.
- Você não é mais uma noviça, Mira. É uma iniciada. A partir de agora, cada escolha que fizer aqui... será sua. Inclusive me desafiar - disse Kael, soltando-lhe os pulsos. - A escravidão mágica é uma ilusão. Só existe dominação verdadeira quando existe desejo.
Ela sorriu. Fraco, tímido. Mas pela primeira vez em muito tempo... real.
- E se eu desejar dominar também? - perguntou ela, surpresa com a ousadia.
Kael sorriu como quem já sabia.
- Então o jogo começa.