Capítulo 2 Ecos no Espelho

A neblina da manhã ainda recobria as janelas da antiga estalagem onde Maria agora vivia, protegida pelo encanto de anonimato que João insistia em manter. A cidade de Gravenmor era uma tapeçaria de segredos: ruas que pareciam dobrar o tempo, sombras que sussurravam nomes, e um castelo adormecido no topo da colina que vigiava tudo em silêncio.

Desde o primeiro encontro com a "Ordem dos Véus", uma sociedade oculta que manipulava a magia e a carne, Maria havia sentido um estremecer dentro de si. Não era apenas medo - era fascínio. Os símbolos tatuados no pulso de João pareciam agora gravados em seu próprio espírito, e embora os dois raramente estivessem juntos sob a luz do dia, as noites que compartilhavam queimavam com intensidade proibida.

João, por sua vez, tornara-se ainda mais enigmático. Suas ausências se prolongavam, suas cartas eram enigmáticas e seladas com lacre negro. Havia um pacto que ele se recusava a quebrar - algo mais antigo do que o castelo, mais profundo que os juramentos da carne.

Naquela noite, Maria esperava. Vestida apenas com um robe de veludo vinho, seus pés descalços repousavam sobre um tapete de pele. A lareira acesa projetava sombras dançantes nas paredes. Em suas mãos, segurava o espelho de obsidiana que João lhe deixara, dizendo:

- "Olhe apenas quando desejar ver além da verdade."

Ela esperou. Meia-noite. Nenhum sinal de passos. Nenhum arrepio familiar.

Então, arriscou.

Levantou o espelho e encarou sua própria imagem. A princípio, apenas o reflexo de seus olhos grandes e assombrados. Depois, a mudança - sutil, lenta, cruel. Sua imagem se distorceu, e a figura de João apareceu atrás dela, sussurrando algo que ela não conseguia ouvir. A imagem se esvaiu. Em seu lugar, uma torre negra, um círculo de homens encapuzados, e uma figura ajoelhada - um corpo nu, acorrentado, tremendo.

Maria jogou o espelho no chão. Ele não quebrou.

Ela soube, ali, que havia ultrapassado um limiar. A magia em sua vida não era apenas decorativa. Era uma maldição. Era um chamado.

Noite seguinte.

A porta se abriu sem som. João entrou, silencioso como sempre, envolto em seu sobretudo de couro, o capuz ainda molhado pela garoa.

- Você olhou, não foi?

Ela apenas assentiu. Não havia raiva em sua voz, apenas cansaço.

- Então agora você sabe. Aquilo que você viu... era parte do meu passado. E parte do seu futuro, se escolher continuar.

Maria não hesitou.

- Me mostre.

João se aproximou. Passou os dedos pelo rosto dela, depois por seus lábios, e os olhos dele brilharam por um instante, como se ativassem alguma força latente. Em um estalo, os móveis da sala se moveram por si só, revelando uma entrada secreta sob o chão. Uma escadaria espiral descia até onde o calor da superfície não alcançava.

- Você deve descer sozinha. Eu a esperarei.

Ela obedeceu.

Subsolo da Estalagem.

As paredes eram forradas de veludo escuro. Arcos de pedra seguravam tochas eternamente acesas. O cheiro era uma mistura de incenso e vinho, suor e magia.

No centro, um altar de madeira negra.

Uma mulher, de cabelos platinados e expressão de soberana, a esperava com um cálice nas mãos. Vestia-se com uma túnica transparente, e seus olhos não eram humanos - eram âmbar, como os de uma pantera.

- Você é a escolhida de João?

- Eu sou Maria.

- A submissão verdadeira começa quando a alma cede antes do corpo. Está preparada?

Maria hesitou. Mas algo em seu peito se acendeu - a fome por pertencimento, por poder, por entrega.

- Sim.

A mulher sorriu. Estendeu o cálice.

- Beba. E a primeira chave será sua.

Ao beber, Maria sentiu calor nas veias, e uma névoa envolveu seus sentidos. Sons, cores, cheiros - tudo se confundiu. Ela via João, nu, acorrentado, sendo marcado com símbolos pelos mesmos sacerdotes encapuzados. Ela via a si mesma em trajes de seda, conduzindo homens com um estalar de dedos. Via o castelo. Via a torre. Via o fogo.

E, por fim, viu João ajoelhado diante dela, murmurando:

- "Seja minha Senhora ou minha Serva. Mas escolha agora."

Ela despertou.

A mulher ainda estava ali. O cálice, vazio.

- A escolha virá três vezes. E você não poderá voltar atrás.

Horas depois.

João voltou a vê-la, deitada no altar, com o símbolo da serpente marcado em sua clavícula. Um sinal de iniciação.

Ele a beijou com reverência. E então sussurrou:

- Agora você faz parte da Ordem. E seu corpo já não é só seu. Assim como o meu nunca foi meu.

Eles se uniram ali mesmo, entre velas e sombras, em um ato tão antigo quanto a magia. Não havia vergonha. Havia uma dança - de domínio e entrega, de medo e poder.

E quando a manhã chegou, Maria não era mais apenas uma mulher.

Ela era um enigma. Uma chave. Um portal.

E o segredo deles... estava apenas começando a se abrir.

            
            

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