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Capítulo 2: "A Presa Indomável"
(Narrado por Bianca Corsini)
A Costa Amalfitana nunca pareceu tão sufocante. A beleza quase irreal das águas azul-turquesa refletia a luz dourada do sol da manhã, mas o peso do que se aproximava tornava tudo menos encantador.
Eu estava no jardim da nossa villa, segurando uma tesoura de poda enquanto cortava flores para os arranjos da sala de jantar. O cheiro doce de jasmim e lírios misturava-se ao salgado do mar, uma combinação que geralmente me trazia paz. Mas hoje, cada pétala cortada parecia um lembrete da faca invisível que pairava sobre meu pescoço.
- Bianca, você está fora de si? - Sofia apareceu atrás de mim, os cabelos loiros presos em um coque frouxo, enquanto cruzava os braços com uma expressão de incredulidade. - Você realmente acha que consegue escapar disso?
Olhei para ela, o suor escorrendo pela minha têmpora, mas mantive a expressão calma.
- Quem disse que estou tentando escapar? - respondi, minha voz tranquila enquanto cortava mais uma flor. - Só estou... avaliando minhas opções.
Sofia bufou, inclinando-se contra o arco de pedra que separava o jardim da villa.
- Avaliando suas opções? Bianca, estamos falando de Don Raffaele Valentini. O homem que provavelmente pode fazer você desaparecer com um estalar de dedos.
- E daí? - retruquei, girando nos calcanhares para encará-la de frente. - Desde quando uma Corsini tem medo de um Valentini?
Ela hesitou, mordendo o lábio inferior.
- Não se trata de medo. Se trata de... bom senso.
- Bom senso nunca me serviu de nada - respondi, jogando as flores recém-cortadas em uma cesta de vime.
O vento soprou forte, fazendo as folhas das palmeiras balançarem acima de nós. Olhei para o horizonte, para o mar que parecia tão infinito quanto a minha vontade de ser livre.
- O que você vai fazer, Bianca? - Sofia perguntou, baixando a voz.
Suspirei, colocando a tesoura na cesta.
- Não sei ainda. Mas o que eu não vou fazer é me curvar diante de um homem que acha que pode me comprar como se eu fosse uma propriedade.
Sofia riu nervosamente.
- Ele não é um homem comum.
- Eu também não sou uma mulher comum.
Depois que Sofia voltou para dentro, fiquei sozinha no jardim. A brisa do mar trouxe uma onda de frescor, mas minha mente fervilhava de pensamentos conflitantes.
Por um lado, minha liberdade era tudo para mim. Passei anos me rebelando contra as regras impostas pela minha família. Fui para Paris estudar arte, algo que meu pai considerava uma perda de tempo. Recusei pretendentes escolhidos a dedo por ele. Sempre fui a ovelha negra, mas com orgulho.
Por outro lado, sabia que minha resistência tinha limites. Meu pai, Enrico Corsini, já estava comprometido com essa aliança. Ele havia deixado claro que minha recusa poderia colocar nossa família em risco.
- Bianca, você não entende o que está em jogo - ele me disse na noite passada. - Não é apenas sobre você. É sobre todos nós.
Mas e daí? Desde quando minha vida deveria ser sacrificada por jogos de poder?
Minhas mãos tremeram levemente enquanto pegava outra flor para cortar.
Eu sabia que fugir era impossível. A máfia tinha olhos em todos os lugares, e Valentini era o tipo de homem que nunca deixava uma afronta sem resposta.
Ainda assim, a ideia de me casar com um homem que nem conhecia, um homem conhecido por sua crueldade, era insuportável.
Minha mente se dividia entre o medo e a raiva. Medo do que poderia acontecer se eu tentasse resistir, e raiva de estar sendo forçada a viver como uma peça em um tabuleiro que eu não escolhi jogar.
Cortei a última flor com um movimento brusco, a lâmina deslizando com mais força do que o necessário.
- Maldito seja esse casamento - murmurei, mais para mim mesma do que para qualquer outra pessoa.
Mais tarde, na sala de estar, encontrei Sofia sentada com um copo de vinho tinto na mão.
- Você está muito quieta hoje - ela comentou, arqueando uma sobrancelha. - Isso não é normal.
Sentei-me no sofá de frente para ela, pegando o copo que havia deixado para mim na mesa.
- Não estou quieta, estou pensando.
- Ainda sobre Valentini?
Revirei os olhos.
- Claro que sim. O que mais estaria ocupando minha mente ultimamente?
Sofia deu um sorriso irônico.
- Talvez a última vez que você namorou um idiota que achava que podia te controlar?
- Isso foi diferente - respondi, tomando um gole de vinho. - Aquilo foi escolha minha. Isso... isso não é.
- Então o que você vai fazer? - ela insistiu, inclinando-se para frente.
Encarei o líquido vermelho no meu copo, como se pudesse encontrar uma resposta ali.
- Não sei. Mas vou deixar uma coisa bem clara, Raffaele Valentini pode me forçar a casar, mas nunca vai me domar.
Sofia soltou uma risada curta.
- Boa sorte com isso.
No final da tarde, enquanto o sol começava a se pôr, ouvi o som de pneus no cascalho da entrada da villa. Fui até a janela e vi um carro preto estacionando.
Dois homens saíram. Um deles era alto e corpulento, com um terno escuro que parecia sufocá-lo. O outro segurava um envelope.
Sofia apareceu ao meu lado, espiando pela janela.
- Amiga, isso não é bom.
- Eu sei.
Desci as escadas e fui até a porta antes que os homens tivessem a chance de tocar a campainha.
- O que vocês querem? - perguntei, cruzando os braços.
O homem com o envelope deu um passo à frente, estendendo-o para mim.
- Uma mensagem de Don Valentini.
Peguei o envelope, mas não o abri imediatamente.
- E o que diz a mensagem?
- Ele está vindo para encontrá-la - respondeu o homem, com uma expressão impassível.
Meu coração deu um salto, mas mantive a compostura.
- Quando?
- Amanhã à noite.
Sem esperar por mais perguntas, os dois homens voltaram para o carro e foram embora.
Subi para o meu quarto, ainda segurando o envelope. Quando finalmente o abri, a mensagem era breve:
"Estou indo para conhecê-la pessoalmente. Prepare-se."
O cheiro de charuto impregnava o papel, um lembrete sutil de quem estava no controle.
Mas, ao invés de medo, senti uma onda de raiva.
- Ele quer me ver? Pois bem. Ele que venha. Quero mostrar que não tenho medo, Don babaca.
A noite caiu, e o silêncio na villa era quase ensurdecedor. Enquanto me preparava para me deitar, as palavras da mensagem ecoavam na minha mente.
"Prepare-se."
O que ele queria dizer com isso? Estaria ele esperando que eu me comportasse como uma noiva submissa?
A audácia dele me tirou o fôlego. Prepare-se? Para quê? Para ser tratada como uma peça no tabuleiro dele? Não, eu não permitiria isso.
Pela janela, observei o horizonte, onde o céu começava a se tingir de laranja com o pôr do sol. A sensação de estar presa, de ser encurralada, tornou-se quase insuportável.
Mas, ao mesmo tempo, havia algo mais. Curiosidade. Quem era esse homem que achava que podia controlar tudo e todos? Que tipo de monstro era Don Raffaele Valentini?
Tudo o que eu sabia dele vinha de boatos e histórias contadas em sussurros. Diziam que ele era implacável, um estrategista brilhante, mas também alguém que não hesitava em destruir quem ficava em seu caminho.
Afastei-me da janela e me aproximei do espelho de corpo inteiro que ficava ao lado do guarda-roupa. Meu reflexo parecia quase estranho para mim. Os cabelos castanhos caíam em ondas soltas pelos ombros, e meus olhos âmbar brilhavam com uma determinação que eu não sabia que possuía.
- Ele que não pense que vai ter uma noiva submissa - sussurrei, a voz firme como uma promessa.
Ri baixinho para mim mesma. Ele estava prestes a descobrir que eu não era esse tipo de mulher.
Mas e o homem por trás do mito? Quem era ele de verdade?