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A manhã seguinte chegou nublada, como se até o céu sentisse o peso daquela casa. Isadora acordou cedo, ainda com o gosto amargo da noite anterior. Estava vestida, maquiada e pronta para o tal baile que Leonardo mencionara. No entanto, ao sair do quarto, não encontrou ninguém nos corredores. A mansão, tão silenciosa quanto um mausoléu, parecia esconder algo mais do que apenas móveis caros.
Enquanto descia as escadas, escutou passos apressados e sussurros vindos de uma porta no final do corredor principal - uma que até então parecia sempre trancada. Ela se aproximou discretamente, os saltos nas mãos para não fazer barulho, e encostou o ouvido na madeira fria.
- Isso não pode vazar, entendeu? - era a voz de Leonardo, mais grave e ríspida do que de costume.
- Mas senhor... se ela descobrir...
- Ela não vai. Ninguém vai. Não agora.
Isadora recuou antes que fosse pega. A conversa durou poucos segundos, mas foi o suficiente para uma semente de inquietação brotar. Quem era "ela"? Do que Leonardo falava com tanto desespero escondido?
Mais tarde, durante o café da manhã, ele apareceu com o rosto impassível e a postura de sempre.
- Espero que tenha uma boa atuação hoje à noite. A mídia vai estar toda lá.
- E você vai sorrir ou continuar com essa cara de quem planeja um golpe de Estado? - rebateu ela, tentando soar casual, mas com os ouvidos ainda queimando pelas palavras ouvidas na porta.
Ele sorriu de canto, frio. - O segredo da sedução é parecer inacessível. Você devia tentar.
Ela apenas ergueu as sobrancelhas. Ele sempre parecia saber como provocar, como instigar. Mas agora, ela sabia que havia mais.
O salão do baile era deslumbrante, iluminado por centenas de luzes douradas. Isadora usava um vestido de seda vinho que abraçava seu corpo com perfeição. Estava linda - e todos notaram. Mas ela só se importava com uma coisa: desvendar quem era Leonardo Vasconcellos.
Durante a noite, ele dançou com ela, sorriu para câmeras, apresentou-a a políticos e empresários. Mas em seus olhos, ela via outra coisa. Preocupação. Vigilância. Ele estava ali, mas parte dele parecia em outro lugar.
- Você está ótimo hoje - comentou ela, entre um sorriso e outro para os fotógrafos. - Quase parece humano.
Ele a puxou mais para perto na dança. - Continue assim e pode até me convencer de que estamos felizes.
Ela o encarou nos olhos. - Você está escondendo algo. Eu sei.
Leonardo a soltou com delicadeza, mas firmeza. - Você não sabe nada, Isadora. E é melhor continuar assim.
Antes que ela pudesse responder, ele se afastou, atendendo uma ligação.
Mais tarde, ao voltar para casa, ela decidiu investigar. Esperou a casa dormir. A mansão tinha dezenas de câmeras, mas ela percebeu que algumas áreas eram "zonas mortas" - trechos propositalmente sem vigilância.
Ela voltou à porta onde ouvira a conversa pela manhã. Estava trancada. Mas como toda boa filha de empresário falido, ela sabia abrir trancas simples. Com um grampo de cabelo e paciência, o clique finalmente veio.
O quarto era escuro, abafado. Ela acendeu uma pequena luz de mesa e congelou.
Mapas, arquivos, pastas com logotipos da própria empresa de Leonardo. Fotos em preto e branco. Imagens de câmeras de segurança... dela. De sua família. E no centro da mesa, um dossiê com seu nome em letras vermelhas: ISADORA MOURA CASTRO.
Ela abriu, o coração acelerado. Ali estavam suas fichas escolares, históricos médicos, movimentações bancárias da família. Até... cartas antigas do pai, algumas endereçadas a Leonardo. Uma, em especial, chamou sua atenção.
"Leonardo, sei que nosso acordo está prestes a ser posto à prova. A Isadora não pode descobrir nada sobre a origem real do investimento. Cuide disso."
Ela recuou, assustada. Que acordo era esse? O que o pai escondia?
Um barulho de passos.
Ela apagou a luz, fechou a porta e correu pelos corredores em silêncio absoluto, escondendo-se atrás de uma estátua ao ver Leonardo surgir no corredor.
Ele estava sem gravata, com os cabelos um pouco desalinhados. Parecia ter acordado com um pressentimento.
Ele parou diante da porta. A fechadura estava no mesmo lugar. Tudo em silêncio.
Mas seus olhos varreram o corredor com desconfiança.
Isadora mal respirava.
Ele girou nos calcanhares e voltou para o quarto. Assim que ela teve certeza de que era seguro, correu para o seu.
Trancou a porta. Tremia. Agora era oficial: seu casamento não era só uma fachada. Era uma armadilha.
Mas por quê?
E o que exatamente Leonardo sabia sobre seu pai?
Ela não podia confiar nele. Mas também não podia sair dali... ainda não. Precisava descobrir tudo.
No silêncio do quarto, ela observou pela janela os carros de luxo na garagem. Um deles ainda tinha o motor quente, mesmo sendo quase três da manhã.
Ela voltou ao dossiê que trouxera escondido. Folheou até encontrar um recibo de transferência: o valor exato que salvara sua família da falência havia um ano. Mas não era do banco que sua família alegava ter feito o empréstimo. Era uma conta internacional - ligada à Vasconcellos Holding.
A ajuda não viera de uma instituição. Viera de Leonardo.
Mas por quê? Por que alguém como ele, que sempre se mostrara tão frio e calculista, ajudaria sua família em segredo?
A não ser que... ele tivesse interesse nela muito antes de sequer se conhecerem.
Um plano.
Um jogo.
E ela, a peça principal.
Mas o tabuleiro estava mudando.
Ela não seria mais uma jogadora passiva. E se Leonardo achava que podia controlá-la, não fazia ideia de com quem estava lidando.
A caça tinha começado. E ela não seria a presa.