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O dossiê em mãos. A verdade em pedaços. O coração em guerra. Isadora passara a madrugada em claro, lendo e relendo cada folha, tentando encaixar as peças de um quebra-cabeça sem imagem de referência. Sua mente era um labirinto de perguntas: por que Leonardo financiara sua família em segredo? Por que seu pai escrevera aquelas cartas? E, acima de tudo, por que ela?
As horas arrastaram-se até o amanhecer. Quando os primeiros raios de sol atravessaram a janela, ela já sabia o que faria. Precisava de respostas, e para isso teria que fingir que nada havia mudado. Um erro e Leonardo perceberia. Um gesto fora do lugar e ele trancaria todas as portas - inclusive as que levavam à verdade.
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Na manhã seguinte, a casa fervilhava. Leonardo estava organizando uma reunião de emergência com os acionistas da Vasconcellos Holding. Algo estava fora do previsto.
Isadora desceu para o café usando um vestido leve e um sorriso calculado.
- Dormiu bem? - perguntou ele, sentado à cabeceira da mesa.
- Como uma princesa - mentiu.
- Ótimo. Hoje será um dia longo. E talvez... revelador.
Ela congelou por dentro, mas não demonstrou.
- E do que se trata essa revelação? - perguntou com voz doce.
- Mudança de rumos. E talvez... de aliados.
Ele levantou-se com uma xícara de café ainda pela metade, caminhando até a sacada. O silêncio entre eles era quase poético - ou explosivo, prestes a estourar.
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No início da tarde, Isadora aproveitou o reboliço da casa para voltar à sala trancada. Desta vez, encontrou algo novo sobre a mesa: uma pasta vermelha com o nome PROJETO HERA. Ao abri-la, deparou-se com relatórios confidenciais de espionagem corporativa, manipulação de ações e compra de silêncio na imprensa.
E o mais chocante: uma foto antiga, de seu pai e Leonardo mais jovens, ao lado de um homem que ela não conhecia, mas cujo rosto a fez estremecer. Ela já o vira antes - em uma matéria antiga sobre corrupção e desaparecimentos de empresários no norte do país.
Embaixo da foto, escrito à caneta: "O elo perdido. Se ela descobrir, tudo desmorona."
O chão sob seus pés parecia instável.
- Achei você - disse Leonardo, encostado à porta, o rosto na penumbra.
Isadora virou-se devagar, o sangue gelado.
- Eu estava procurando um livro. Essa sala tem algo de proibido?
Ele entrou, calmo demais.
- Tem sim. Proíbe mentiras.
Ela encarou o marido. Ele caminhou até a mesa e fechou a pasta vermelha.
- Você quer saber o que é o Projeto Hera?
Ela engoliu em seco.
- Quero saber por que tem um arquivo sobre minha vida nesta casa. Por que ajudou meu pai. Por que se casou comigo. Quero saber quem é você de verdade, Leonardo.
Ele sorriu, mas os olhos estavam escuros como tempestade.
- A verdade te destruiria.
Ela se aproximou.
- Pior é viver uma mentira sem saber.
Houve um silêncio. Ele tirou o paletó, afrouxou a gravata e se apoiou na mesa.
- Seu pai... era brilhante. Mas também estava envolvido com gente que não perdoa erros. Eu o ajudei porque ele me implorou. Mas em troca... ele me deu você.
Isadora recuou.
- O quê?
- Não literalmente. Mas ele sabia que um nome como o seu traria legitimidade à minha imagem. Uma aliança que acalmaria os investidores. Ele ofereceu a filha em troca da sobrevivência.
Ela sentiu vontade de gritar, mas permaneceu firme.
- E você aceitou? Fez tudo isso como parte de um jogo?
- No começo, sim. Mas agora... eu não sei mais.
Ela riu, amarga.
- Você me manipulou. E eu fui estúpida o suficiente pra achar que havia algo real nisso.
Leonardo se aproximou devagar.
- Isadora, nada nesse mundo é preto e branco. Você não conhece o inferno que é manter esse império vivo. Se eu não jogasse sujo, já teria sido enterrado.
- Talvez merecesse.
Ele parou diante dela.
- Talvez. Mas agora que você sabe demais... precisamos decidir juntos o que fazer.
Ela franziu o cenho.
- Está me ameaçando?
- Estou te convidando para o centro do tabuleiro. Não como peão, mas como rainha.
Ela o empurrou e saiu da sala sem olhar para trás.
Naquela noite, Isadora recebeu um envelope sob a porta de seu quarto. Dentro, uma carta manuscrita por seu pai. A caligrafia era antiga, trêmula, mas o conteúdo, devastador:
"Filha, se você está lendo isso, é porque as verdades começaram a emergir. Eu não sou o homem que você pensava. Mas tudo o que fiz foi para te proteger. Leonardo é perigoso, sim - mas também é a única chance de você sobreviver ao que está por vir. Acredite nele, pelo menos por enquanto. Não confie em ninguém de fora. Não procure a polícia. E acima de tudo: nunca mencione o nome de DARLAN."
Isadora sentiu a respiração falhar.
Darlan. O homem da foto. O rosto que parecia assombrar as entrelinhas da sua história. Quem era ele, e por que era tão perigoso?
Na madrugada seguinte, ela decidiu agir. Entrou no escritório de Leonardo e clonou o conteúdo do pendrive que ele sempre levava no bolso. Com ele, esperava descobrir tudo - ou pelo menos o suficiente para se defender.
Mas, ao conectar o pendrive ao notebook escondido, o que encontrou foi ainda mais perturbador: vídeos. Gravações feitas por câmeras escondidas. Dentre elas, um vídeo recente, gravado em seu próprio quarto. Mostrava ela lendo as cartas do pai.
Ela estava sendo vigiada.
- Você mexeu no que não devia - disse uma voz atrás dela.
Virou-se. Não era Leonardo. Era um homem que ela nunca vira antes, mas com olhos frios como gelo.
- Quem é você? - perguntou, tentando manter a calma.
- Alguém que vai te manter viva. Mas só se obedecer.
Ele puxou o notebook da mesa, desconectou o pendrive e saiu sem dizer mais nada. Segundos depois, Leonardo entrou no cômodo, ofegante.
- Onde ele está?
- Quem era ele, Leonardo? Por que tem gente dentro da nossa casa?
- Darlan está se movendo. Você está na linha de fogo.
Ela recuou, os olhos marejados.
- Eu não escolhi isso.
- E eu também não - respondeu ele. - Mas agora estamos juntos. E se quisermos sair vivos, vamos ter que confiar um no outro.
Ela não respondeu. Caminhou até a porta.
- Eu vou descobrir quem é Darlan. E quando descobrir, vou acabar com esse jogo.
Ele segurou seu braço, firme, mas não agressivo.
- Cuidado, Isadora. Às vezes, quando você cava fundo demais... encontra o inferno.
Ela o encarou por longos segundos, depois se soltou.
- Melhor o inferno que a mentira.
E saiu.
O jogo estava longe de terminar. Mas ela não jogava mais para sobreviver.
Jogava para vencer.