/0/14627/coverbig.jpg?v=93821897c5b4bfb8592c833c402bd827)
O silêncio da casa Carvalho já não era mais o mesmo.
Desde a última briga, Annabeth desapareceu da vida social da mansão. Sumiu dos cafés da manhã, dos almoços em família, dos jantares de gala. E quando passava por algum cômodo, era como se fosse um fantasma.
John a observava em silêncio. Os hematomas no rosto dela já tinham sumido, mas os olhos... Aqueles olhos doces e vivos, agora pareciam eternamente em guarda.
Ele começava a enxergar.
**
Na biblioteca, John estava sozinho, fingindo ler um livro de política. Mas sua mente estava longe. Lembrava da gravação do Ricardo. Lembrava de como a Vanessa havia chorado segundos antes de todos subirem contra Anthony. Lembrava do soco que Noah dera em Annabeth. Lembrava... do olhar de dor e surpresa da irmã caindo no chão.
Algo não se encaixava mais.
A porta rangeu. Noah entrou.
- Também não consegue dormir? - perguntou, sem rodeios.
John fez que não.
Por um instante, o silêncio se instalou de novo, mas Noah quebrou:
- Eu bati nela. Nossa irmã. E ela me protegeu. Eu... Não sei se consigo me perdoar.
John o encarou por longos segundos. Depois, disse:
- Acha que estamos sendo manipulados?
- Por quem?
- Vanessa. Anne.
Noah hesitou. Mas não negou.
- Nunca me senti tão cego. Eu queria que tudo voltasse a ser como antes...
- Eu também - John suspirou. - Mas pra isso, precisamos descobrir o que é real.
- E se for tarde demais?
- Então a gente vai carregar essa culpa pelo resto da vida.
**
Na cozinha, Ricardo estava afinando o violão. Quando Annabeth entrou em silêncio, ele apenas sorriu, como se não quisesse invadir o espaço dela.
- Tem algo novo? - ela perguntou, sentando ao lado dele.
Ele dedilhou os primeiros acordes de uma melodia triste.
- Chama-se "Silêncio Partilhado". Fiz depois do que aconteceu... É sobre você.
Ela fechou os olhos e deixou a música a envolver como um abraço.
- Obrigada por ainda estar aqui.
- Sempre vou estar, Beth. Sempre.
Mas quando seus dedos roçaram sem querer, ela recuou. Ainda era cedo demais.
**
Do lado de fora da casa, na varanda de pedra, Vanessa e Anne fumavam em silêncio.
- Eles estão se afastando - disse Anne, amassando a ponta do cigarro na pedra. - Estão começando a pensar.
Vanessa sorriu, mas os olhos estavam frios.
- Então vamos dar a eles algo novo em que pensar. Vamos desviar a atenção... talvez com um escândalo. Ou uma doença súbita. Algo que faça todos voltarem a nos ouvir.
Anne ergueu uma sobrancelha.
- E quanto à Annabeth?
- A gente termina de quebrá-la.
**
Naquela mesma noite, Annabeth encontrava Anthony no jardim, perto do lago.
- Eles estão começando a duvidar - ele disse, com um sorrisinho discreto.
- E isso é bom?
- É o começo. Mas temos que nos proteger, Beth. Elas vão tentar algo maior agora.
Ela assentiu, olhando para o céu.
- Vamos vencer isso juntos.
- Sempre - respondeu ele, tocando levemente o ombro dela.
Na varanda, sem serem vistos, John observava os dois irmãos em silêncio.
Algo estava prestes a mudar. E desta vez, ele estaria atento.
Foi um dia ensolarado, com ares de primavera e aroma de flores recém-cortadas. Mas nem mesmo o céu azul foi capaz de prever o que estava por vir.
Na tarde de domingo, Vanessa apareceu histérica no salão, segurando o celular em mãos, com os olhos molhados de falsa dor. Anne vinha logo atrás, soluçando e tentando "confortar" a madrasta.
- Isso é um escândalo! Um absurdo! Roberto, por favor, faça algo!
Roberto pegou o celular das mãos dela. Seus olhos arregalaram-se ao ver as imagens: vídeos e fotos claramente editadas de Annabeth e Ricardo em momentos íntimos. A maioria tiradas de ângulos estranhos, cheias de insinuações, mas nenhuma verdade explícita. Ainda assim... o suficiente para envenenar.
- Isso é uma traição! Dentro da minha casa! - gritou Roberto, furioso.
Annabeth, chamada à sala na mesma hora, entrou sem saber o que acontecia. Estava com Ricardo e Anthony, os três voltando de uma visita ao conservatório musical.
- O que está acontecendo?
- Você ousa perguntar?! - rugiu o pai, jogando o celular aos pés dela. - Desonra! Eu devia ter te expulsado quando levantou a mão contra sua madrasta!
- Isso não é verdade! - ela tentou argumentar, mas a voz do pai abafava qualquer defesa.
Ricardo tentou se explicar.
- Sr. Roberto, posso provar que fui vítima de montagem. Isso é tudo manipulado!
Mas Vanessa se jogou no chão, fingindo desmaio. Anne gritava que Annabeth havia tentado "roubar" o namorado da irmã, manchando o nome da família. O espetáculo estava armado. E já tinha público.
**
- Está decidido! - bradou Roberto, mais tarde, no escritório. - Annabeth está fora da minha casa. Fora da minha família. Anne é agora a única senhorita Carvalho reconhecida.
Noah se levantou num pulo.
- O senhor está cometendo um erro, pai.
- Fique no seu lugar, Noah!
John, de braços cruzados, disfarçava o desprezo. Internamente, ele já ebulia. Olhou para o irmão mais novo, e um simples aceno entre eles bastou: o plano começaria agora.
- Se é isso que o senhor quer... - disse John, com frieza, controlando o ódio na voz. - Apoiaremos a decisão.
- Com pesar, mas sim - completou Noah, com um olhar demorado em Annabeth.
Vanessa sorriu discretamente.
**
No portão da mansão Carvalho, Annabeth estava de malas prontas. Ricardo mantinha-se ao lado dela, firme. Anthony saiu com eles, com os punhos cerrados e olhos cheios de lágrimas contidas.
- Eu não volto mais - disse ele, em voz baixa. - Não enquanto aquele homem se deixar governar por serpentes.
Annabeth não chorava. Já não tinha mais lágrimas. Mas em seu olhar, havia uma nova firmeza. A dor endurecera suas emoções, forjara aço onde antes havia doçura.
Antes de entrar no carro, ela olhou para John e Noah, de longe.
Eles a encaravam da sacada. Pela primeira vez, sem ódio, sem julgamento... só arrependimento.
**
- Vamos acabar com elas. - disse John mais tarde, trancado no quarto com o irmão.
- Já passou da hora.
Noah abriu o notebook. O primeiro nome na busca: Anne Carvalho. Ou seria Anne alguma-coisa?
E a primeira rachadura no império das mentiras foi aberta...