/0/14627/coverbig.jpg?v=93821897c5b4bfb8592c833c402bd827)
O clima estava pesado na mansão Carvalho desde o recital. John mal trocava palavras com Vanessa, e Noah mantinha-se recluso em seu quarto. Roberto, mais severo que o normal, ignorava qualquer assunto relacionado a Annabeth.
Anthony, por outro lado, tornara-se uma sombra constante ao lado da irmã. Silencioso, protetor, disposto a tudo para não deixá-la sozinha.
Isso irritava Vanessa profundamente.
Ela sabia que o único obstáculo real entre ela e o controle total da família era aquele garoto de olhar afiado e língua afiada.
Então, ela decidiu enfrentá-lo.
**
Anthony estava no jardim interno, lendo. Vanessa apareceu como se flutuasse, os cabelos perfeitamente penteados, o perfume doce e enjoativo.
- Precisamos conversar.
Ele não respondeu.
- Você está atrapalhando a harmonia da nossa casa.
Anthony fechou o livro com força.
- Isso aqui nunca foi uma casa. E a única coisa que atrapalha é a sua presença.
Vanessa arqueou uma sobrancelha.
- Você é apenas um garoto insolente. Se continuar tentando me enfrentar, vai acabar arrastando a sua irmã pro fundo com você.
- Ela já está no fundo - ele retrucou, se levantando. - E você é o peso que puxa ela pra baixo. Mas quer saber a diferença entre nós? Eu a amo. Você ama o espelho.
Ela sorriu. Um sorriso gelado, quase satisfeito.
Então, num movimento rápido, Vanessa deu um tapa com força no próprio rosto. Um estalo seco ecoou pelo pátio. O som foi alto o suficiente para atrair atenção.
Alguns empregados correram. Roberto apareceu segundos depois, seguido por Noah e Anne.
- O que está acontecendo aqui?! - gritou Roberto.
Vanessa cambaleava, teatral.
- Ele... ele me bateu. O Anthony me agrediu!
- O QUÊ?! - gritou Roberto, indo pra cima do filho.
- Isso é mentira! - Anthony berrou, recuando, os olhos arregalados. - Ela tá fingindo! Ela mesma se bateu, eu nem encostei nela!
Mas o olhar de todos já estava envenenado. Até Noah, ainda confuso, avançou com fúria.
Antes que seu punho acertasse Anthony, Annabeth surgiu correndo, gritando:
- NÃO!
Ela se colocou entre o irmão e o golpe.
O soco acertou em cheio o rosto de Annabeth. Um estalo seco. O silêncio. E o som do corpo dela caindo.
Tudo parou.
- BETH!!! - Anthony gritou, caindo de joelhos, segurando a irmã desacordada com desespero.
O mundo pareceu desacelerar.
Noah olhava para sua própria mão. Tremia. O sangue dela manchava seus dedos. Os olhos de Annabeth, antes tão vivos, estavam fechados. Uma pequena linha de sangue escorria do nariz.
Ele deu um passo para trás.
- O que eu... o que eu fiz?
Vanessa tentou aproveitar o caos, mas percebeu tarde demais: o encanto estava quebrando.
John chegou, afastando os empregados, observando a cena em choque. Roberto ainda gritava, mas suas palavras soavam distantes. Noah parecia um fantasma. E Ricardo, que acabava de chegar para uma visita, correu para ajudar Anthony a carregar Annabeth.
**
No quarto, minutos depois, Annabeth ainda estava desacordada. Ricardo colocou gelo no rosto dela, em silêncio. Anthony não largava sua mão.
Noah, do lado de fora, se sentou no chão. As mãos no cabelo, os olhos vidrados.
John se aproximou e sentou-se ao lado dele.
- Nunca mais. - Noah murmurou. - Nunca mais levanto a mão contra um de vocês. Nunca mais.
John o olhou de soslaio.
- Eu vi o olhar da Vanessa antes dela se bater. Algo tá errado, Noah.
E naquele instante, em silêncio, os irmãos começaram a ver.
**
Lá embaixo, Vanessa observava a escada com olhos frios, e Anne dizia baixinho:
- Deu tudo errado.
- Ainda não - respondeu Vanessa, com um sorrisinho. - Ainda temos tempo.
Mas ela sabia. Sabia que a semente da dúvida havia sido plantada.
E que o fim do jogo começava quando os peões começavam a enxergar o rei.
A luz do quarto era suave quando Annabeth abriu os olhos. A dor no rosto era intensa, mas o peso no coração era ainda maior.
Sentia a mão de Anthony segurando a sua com força, como se temesse que ela desaparecesse.
- Tony... - ela murmurou, com dificuldade.
Ele se inclinou imediatamente.
- Tô aqui, Beth. Tô aqui. Me perdoa... Eu devia ter tirado você dali. Eu devia...
- Ei... - Ela tentou sorrir, mesmo com a boca cortada. - Não é sua culpa. Você me salvou.
- Mas olha o que fizeram com você! - Anthony se levantou, os olhos cheios de fúria. - Eles iam me bater! E você ficou no meio! Se eu não tivesse... Se...
Ela esticou o braço e tocou o rosto do irmão.
- Não deixa o ódio te engolir também, Tony. Eles não merecem essa parte boa de você.
Ricardo, sentado em silêncio do outro lado do quarto, se aproximou devagar com um pano limpo e um copo d'água.
- Você devia descansar, Annabeth.
- Obrigada, Ricardo. Por ter me ajudado...
Ele assentiu, tentando esconder a dor no olhar. Mas ela sabia. Sabia que o coração dele estava em guerra. Ele queria acreditar nela, mas a pressão daquela casa - daquela "família" - era cruel demais até para os mais fortes.
**
Enquanto isso, do lado de fora do quarto, Roberto cruzava o corredor com Vanessa ao lado. A mão dela repousava em seu braço, o rosto levemente vermelho ainda - falsamente - pela agressão inexistente.
- Não sei onde erramos - disse ele, olhando para a porta do quarto. - Talvez tenhamos sido permissivos demais com essa menina. E agora até o Anthony está saindo do controle.
Vanessa abaixou o rosto como se estivesse constrangida.
- Eles são bons meninos... Só estão... perdidos. Mas juntos, vamos guiá-los de volta, Roberto.
Ele suspirou, cansado.
- Eu confio em você, Vanessa.
Do outro lado do corredor, Anne observava a cena com um sorriso vitorioso.
**
Horas depois, Annabeth desceu as escadas, com o rosto inchado e o silêncio carregado nos ombros. A casa parecia mais fria do que nunca.
Roberto, John e Noah estavam na sala.
Ela se aproximou devagar, olhando para cada um deles.
- A partir de hoje, eu não quero mais nada de vocês.
O silêncio caiu como uma lâmina.
- Annabeth... - John começou, mas ela ergueu a mão.
- Não. Eu ouvi vocês. Vi os olhos de cada um. Vi como hesitaram. Como preferiram acreditar na mentira do que em mim. Não tenho mais pai. Nem irmãos.
- Você não pode dizer isso - Noah se levantou, o rosto tenso. - Você é minha irmã.
- Irmãos não batem. Irmãos não viram o rosto. Irmãos não machucam. - Ela virou-se para o pai. - E pais não abandonam suas filhas.
Roberto não disse nada. Nem sequer a olhou.
John baixou os olhos. Noah permaneceu de pé, congelado, com o arrependimento crescendo no peito como um veneno lento.
Anthony apareceu atrás dela, como uma sombra protetora.
- Vamos, Beth.
Ela assentiu, e os dois subiram as escadas, deixando para trás o vazio e a dúvida.
**
Na sala, Noah desabou no sofá.
- O que a gente fez?
John olhou para o pai, depois para a porta onde Vanessa acabara de passar.
- A pergunta certa é: quem nos fez fazer isso?
E pela primeira vez, os ecos da mentira começaram a perder força.
**
No quarto, Annabeth deitou a cabeça no ombro de Anthony.
- Só temos um ao outro agora.
- E isso basta, Beth. Enquanto eu estiver aqui, ninguém mais encosta em você.
Ela acreditava nisso. Precisava acreditar.
Mas do lado de fora da porta, Anne escutava em silêncio, com o mesmo sorrisinho no rosto.
O jogo ainda não tinha acabado.
Nem começado de verdade.