- Escutem, escutem! – Júnior ficou em cima do assento do ônibus, pedindo toda atenção para ele. – A palestra vai começar amanhã às oito da manhã. Hoje, graças a Deus, não precisamos estar presentes. Então, isso quer dizer que...
- Ai, que saco, Júnior. Para de enrolar. – Sua namorada, Raquel, o interrompeu. – Hoje á noite, no bar do hotel. A gente. Os paulistas. E muito álcool.
- Durante a porra da noite inteira! – outra voz gritou, mas não consegui decifrar de quem era.
Todos nós gritamos e a expectativa nos invadiu enquanto fazíamos planos.
- Vocês trouxeram roupas específicas? – Sarah perguntou do assento em frente ao meu.
- Fernanda fez questão de preparar a minha mala com absolutamente tudo que eu não irei precisar. – Eu respondi. – Então sim, eu tenho. E mal vejo a hora de chegarmos.
- Olha para ela! – Well gritou ao meu lado. – Quanta animação!
- Será que vai ser hoje? – Sarah olhou para Well e os dois fizeram cara de surpresos.
Eu sorri e revirei os olhos.
- Até parece que vocês nunca foram a alguma festa comigo. Sabem que eu me divirto bastante. Minha companhia chega até ser suportável. E eu só quero dançar e dançar. Aproveitar porque isso tudo aqui tá quase acabando.
Lembrei da agonia que foi para eu conseguir sair de casa e convencer a todo mundo que eu iria ficar bem. Minha irmã, linguaruda que só ela, fez questão de falar aos meus pais que eu havia passado mal na última madrugada. Depois de inúmeros avisos e de eu ter jurado umas trintas vezes que já estava bem e que se algo acontecesse eu ligaria, que eles relaxaram e me pediram para aproveitar ao máximo.
- Então hoje você vai beber? – nosso outro colega de classe se meteu em nossa conversa.
- Não. – Sorri para Lucas.
Eu era um pouco chata mesmo. Não bebia, não fumava. Para que isso tudo se eu passava vergonha sóbria? E eu me divertia mesmo assim. Eu dançava feito uma louca, mas mesmo assim, dançava. E desde que tivesse uma música tocando, eu já estaria embriagada sem álcool algum.
- Ok, estamos chegando! – Sarah avisou e nós procuramos nossa mala.
***
Havíamos chegado há cerca de uma hora e já estávamos no hotel, eu fiquei no mesmo quarto que Sarah e Well, graças a Deus! Ou não tanto.
- Bíola, se eu precisar transar... – Sarah começou enquanto terminava de passar um gloss nos lábios.
- Pode trazer. Eu fico trancadinha no banheiro. Só não façam barulho, por favor. – Eu avisei de imediato.
Eu não fazia aquelas coisas, mas eu não impedia que as pessoas ao meu redor fizessem quando eu estava por perto. Pelo contrário, eu adorava saber as loucuras dos meus amigos. Já que eu não tinha um pingo de coragem para fazer nenhuma delas.
- E você? – Well perguntou sem levantar o olhar para mim. Ele estava deitado na cama, os pés no ar e encarando a tela do celular. – Se quiser transar, como vai ser?
Eu gargalhei. É, só eu mesmo.
A animação que estava há horas correndo em minhas veias, pouco a pouco estava diminuindo. E eu não fazia ideia do motivo disso. Do porquê, de repente, eu queria fugir daquela noite quente.
- O que você achou? – Sarah virou de frente para mim e me fez admirá-la.
Ela usava um vestido preto, curto e justo, destacando as curvas do seu corpo, o volume do cacheado do seu cabelo a deixou ainda mais bela.
- Com certeza você irá transar hoje. – Foi tudo que eu respondi e ela sorriu orgulhosa.
- Obrigada. E você? Cuida, Fabíola, se arruma. – Ela puxou meu braço e me levantou daquela poltrona confortável.
Olhamos dentro da minha mala e escolhemos uma roupa para mim. Peguei minha necessaire com a minha maquiagem e comecei a me arrumar. A animação voltava aos poucos.
Sarah colocou músicas no fundo e começou a dançar com Well enquanto eu ainda me aprontava. Rimos das coreografias malfeitas e criamos passos novos para as músicas que tocavam no iPad.
- Pronto! – eu falei para meu reflexo no espelho.
Eu usava um cropped com pedrarias prata e aberto no meio do meu busto. Uma saia preta até a metade das minhas coxas e com pequenos babados no final do tecido. Um sapato fechado e com pequenos saltos. Meu cabelo estava solto e ondulado. Os olhos com um esfumado bem-feito, e um batom vermelho nos lábios.
- Para tudo! – Well pausou a música e olhou para mim. – Eu que vou transar com você hoje.
- Está gostosa demais! – Sarah completou.
Eu tinha os melhores amigos para levantar minha autoestima e eu já estava com animação nível mil novamente.
- Então, vamos? – eu chamei ao olhar o relógio.
Já passavam das dez da noite e os meus amigos só gostavam de chegar em lugares assim quando já estava lotado, para que a atenção toda voltasse para eles. E eu estava no meio disso também.
- Vamos. – Well pegou seu celular e colocou no bolso da bermuda vermelha.
Ele usava uma camisa preta e os cabelos loiros estavam penteados para trás. O verde dos seus olhos em destaque. Ele tinha uma beleza surpreendente.
- E só para atualizar vocês... – Meu amigo começou a falar assim que descemos a escada, em direção ao bar. – Eu não irei dormir aqui no hotel, vou passar a noite com o boy daqui.
- Uau! – eu sorri. – Em cada estado tem um.
Well deu de ombros e nós atravessamos a porta para sermos agarrados pela música alta e luzes fortes e coloridas.
- Eu tinha esquecido como o pessoal da faculdade consegue transformar qualquer lugar em balada. – Sarah sussurrou em meu ouvido.
Nós seguimos em frente e observei todos os olhares em nós. Maroon 5 cantava Animals no fundo e eu não deixei de notar pessoas novas ao nosso redor. Não estava só a galera da faculdade e eu fiquei um pouco inquieta. Mas isso não demorou muito.
Em instantes, Sarah começou a beber ao meu lado e nós nos aproximamos de um grupo da sala com quem tínhamos mais intimidade. Well se afastou assim que chegamos porque ele estava indo encontrar seu ficante da vez.
- Ela já está bêbada? – ouvi Raquel perguntar a Sarah e ela falava de mim.
- Não! – eu gritei respondendo. – Eu só estou feliz. – Então voltei a dançar.
Os nossos colegas estavam sentados em nossa frente e Sarah e eu estávamos perto da pista de dança. Dançando e rindo das outras pessoas.
- Você quer apostar quanto que está todo mundo falando de você? – Sarah gritou perto de mim.
- Eu não tô nem aí. – eu gritei de volta e desci até o chão com o toque da música. – Ninguém vai estragar minha noite, Sarah.
Eu sorri para minha amiga e juntas dançamos uma coreografia diferente da de todo mundo e toda atenção virou para nós. Ignorei. Não devia a ninguém ali. E eu estava tão animada, estava alterada sem precisar de nenhuma droga correndo em minhas veias.
Depois de alguns minutos, Sarah e eu voltamos para perto de nossos colegas e Well estava de volta, junto com seu boy.
- Amiga, vamos maneirar nesse não-álcool, não, é? – Well comentou.
Eu sorri e cumprimentei o cara que estava ao seu lado e ignorei os outros comentários. Sentei-me ao lado de Raquel e Sarah logo em minha frente.
- E aí, Fabíola? Já tem alguma pessoa em vista? – Júnior perguntou.
Eu o encarei porque eu não sabia que ele tinha alguma intimidade comigo.
- Sim, Bíola. Eu preciso te apresentar...
- Já falei que não quero. – Eu interrompi Well antes mesmo dele me falar qualquer coisa.
Eu estava me divertindo demais, sem precisar de ninguém enchendo meu saco para eu procurar algum homem. Eu estava incrivelmente bem.
- Sério que você ainda é assim? – Alice, que eu não havia notado que estava ali falou. – Ainda perdida em seus livros e nada de um homem em carne e osso?
Eu ignorei mais uma vez. Eu não estava tão disposta a ouvir pessoas que não sabiam nada da minha vida comentarem sobre mim como se eu estivesse sendo observada para um leilão.
- Ela é só diferente. – Sarah começou a falar. – Vocês bem que poderiam beber e deixar os outros em paz. Vão beijar, porra. E esqueçam quem não está beijando.
Eu olhei para minha amiga e sorri.
- É só porque é muito difícil acreditar que... Você é, não é? – Raquel olhou fixamente em meus olhos e eu quis muito mandá-la ir para aquele canto.
Eu só precisava ir dançar. E não chegar perto daquelas pessoas pelo resto da noite.
- Eu acho que ela só não encontrou alguém que realmente valha a pena. – Well interveio.
- Não sei, não. Olha quanta gente aí! – Júnior indicou a pista de dança.
Só havia estranhos ali e eu não estava mais disposta a ouvir falarem de mim como se eu não tivesse mais ali. Estava cansada de sempre ser o saco de pancada para pessoas com tédio e não notei a raiva que eu estava até me levantar daquele pequeno sofá e olhar para cara de cada pessoa ali.
- Parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui. – Eu gritei. - Acontece que eu estou cansada de vocês tentarem me lembrar o tempo todo do quanto eu sou diferente, do quanto sou estranha. Eu sei que para vocês, eu tô encalhada! Que eu não saio com ninguém, que eu não me permito ou qualquer coisa que vocês falam até quando eu não estou por perto. – Eu estava tão revoltada que não notei que a música havia parado e só minha voz esbravejava naquele lugar. - Mas eu estou cansada, cansada de verdade, droga! Me deixem passar os meus dias do jeito que eu gosto, me deixem morrer virgem ou sem nunca ter beijado alguém, só me deixem. Eu estou bem comigo mesma e se vocês não podem ter uma amiga assim, eu ficarei bem sozinha.
E então eu comecei a andar pisando em fundo para longe daquelas pessoas e finalmente a música voltou a tocar. Eu estava irritada, pressionada. Eu estava puta da vida!
E enquanto eu andava em frente, sem olhar para o meu redor, eu tive a suspeita de que eu ficava bêbada em ficar perto de gente bêbada, porque as outras pessoas pareciam normais e quem fazia besteira só era eu mesmo. E foi assim que eu tropecei em um homem no meio do caminho. Eu estava sóbria e minhas amigas que beberam nem caíram, mas ali estava eu. Provando a vergonha que só eu conseguia passar.
Mais raiva! AAA! Raiva!
- Calma, minha querida. – O homem em que tropecei pegou em meu braço me ajudando a levantar.
- EU NÃO SOU SUA QUERIDA! – eu gritei mais uma vez, com quem quer fosse e voltei a andar em frente.
Eu pensei seriamente em voltar para o meu quarto naquele instante. Mas outra vontade falou mais alto. E no meu estado de espírito no momento, aquela atitude me parecia bem mais atraente.
E eu atendi a minha vontade de tomar um porre só para ver como iria ser, eu acho que iria subir nas mesas pra dançar porque rir atoa e gritar com todo mundo eu já estava fazendo.
E esse foi um caminho traiçoeiro.