Com vinte e cinco anos e pronta para me formar, o que era para ter acontecido o ano passado. Mas perdi o emprego e descobri que poderia estar doente, então ficou difícil puxar todas as disciplinas. Mas essa era a parte que eu evitava lembrar no momento. Porque sobrara um medo muito grande em minha mente, que eu não fazia ideia de como me livrar dele no momento.
De todo modo, eu precisava seguir adiante. Segui para a sala de aula e revi os colegas de classe que não via há tempos desde às férias. Era óbvio que existiam pessoas que eu não queria rever, tipo nunca. Mas eu estava numa fase tranquila da vida. Tentava me dar bem com todo mundo. Era quase um desafio, mas eu conseguia.
- Vocês ficaram sabendo? – Well se aproximou com tamanha velocidade e euforia.
Depois das duas primeiras aulas, eu e Sarah seguimos para o refeitório e ficamos esperando o homem da noite que iria buscá-la. Eu não estava me dando trabalho de decorar os nomes, porque provavelmente no outro dia, seria outra pessoa, com outro nome, então...
- Que você atrapalhou nossa conversa? – Sarah sorriu com sarcasmo para o nosso amigo.
- Não enche, sua louca. – Ele revirou os olhos. – A conferência de Metodologias Ativas No Ensino em São Paulo vai ser esse final de semana! – ele anunciou com felicidade.
- Esse? Mas já? – eu perguntei. – Não estava previsto para a metade do ano?
Essas conferências em outros estados sempre me animavam, porque além de aprender coisas indispensáveis para licenciatura, eu e meus amigos sempre nos divertíamos o máximo que podíamos. Bem, eu menos que todos, como eles sempre faziam questão de lembrar.
- Sim. Mas houve uma confusão com as datas e blábláblá... E vai ser esse final de semana mesmo. Mas isso não é o importante. – Ele se sentou ao lado de Sarah e eu segurei o riso.
- Lá vem! – Sarah virou o rosto para lhe encarar.
- Eu conheci um boy novo esses dias que é de São Paulo. E adivinha onde eu irei passar minhas noites? – Well sorriu maliciosamente.
- Você é uma cachorra! – Sarah bateu em seu braço e nós sorrimos. – Ele tem algum amigo hétero?
- Esta é a outra parte. – Well olhou para mim e eu fiquei na defensiva. – Ele tem um amigo super gatinho que eu vou apresentar a Bíola.
- Não. – Eu disse simplesmente.
E o show de argumentos dele e de Sarah encheram meus ouvidos. Seria divertido se não fosse tão irritante.
- Caramba, garota. Está na hora de colocar o que você guarda debaixo dessa saia na ativa. – Well revirou os olhos.
- Não precisa ser diretamente isso logo assim. – Sarah fez uma careta, mas eu sabia que era exatamente isso que ela queria eu fizesse. - Só uns beijinhos de início, amiga.
- Daqui a pouco você completa trinta anos e não vai romper teu hímen. – Well falou com tanta serenidade que parecia ser um assunto de vida ou morte.
Eu esperei os dois terminarem suas palestras, para eu finalmente abrir a minha boca.
- O problema é que ninguém quer ficar em beijos na minha idade, de início. O ficar deles é na cama e a minha Deusa interior é romântica. – disse, esperando mais uns daqueles comentários.
- Vai morrer virgem então. – Sarah deu de ombros.
- Não se eu esbarrar em alguém sem querer, aí ficarmos conversando e daí vamos nos apaixonar e depois de fazer passeios fofos, vamos pra cama. – Respondi de imediato.
Sarah e Well me encararam como se eu fosse algum tipo de alucinação. As testas franzidas e os lábios entreabertos.
- Ou então o clichê... – Eu continuei. - Quando a gente se conhecer se odiar, e ficar implicando um com o outro. Aí fazemos um passeio e descobrimos que temos que ficar na mesma cama. – Terminei minha linha de raciocínio.
Sei que não fazia sentido para ninguém, mas para mim, sim. Então estava tudo bem.
- Ai, amiga, sonhou toda. – Well mexeu nos cabelos claros.
Dei uma risada e Sarah se levantou da mesa no mesmo instante, o celular em mãos.
- O meu clichê acabou de chegar. E se tudo dê certo, amanhã não irei conseguir andar. Esse é o meu conto de fadas preferido e real. – ela soltou beijinhos no ar e saiu pelos portões da faculdade.
- Mal posso esperar para quando ela se apaixonar. – Well comentou e eu lhe encarei.
- Se apaixonar? – perguntei. – Achei que não acreditava nisso.
- Mas é claro que eu acredito. – Ele se sentou ereto para me olhar atentamente. – Mas eu só acredito no que está mais próximo da realidade, no mundo real. – ele mordeu o lábio.
- Eu entendo. E nada mais racional que isso. – Eu ignorei sua real observação.
- Fabíola, você entendeu o que eu lhe falei. – Os olhos verdes estavam sérios. – Não estou querendo lhe apressar a nada, mas, amiga, nunca houve um cara! O cara, ao menos. Além daquele que virou prostituto.
Soltei uma risada.
Houve outro cara, sim. Mas era mais uma amizade que qualquer outra coisa. Eu o conheci no Ensino Médio, mas sempre o vi como amigo. Então, depois de uns seis anos, ele resolveu dar em cima de mim, e me chamou para sair durante um ou dois anos, mas eu achava que não gostava dele assim. Depois de umas semanas, eu descobri que tinha sentimentos por ele sim, mas o medo não me deixava aceitar. Só que já era um pouco tarde demais. Ele começou a namorar e agora estava noivo, mas às vezes ainda me mandava umas mensagens estranhas e me deixava confusa.
Talvez seja porque as únicas "histórias de amor" que eu realmente vivi, tivessem sido traumatizantes ou não correspondidas o suficiente para que eu não quisesse aceitar qualquer coisa. Eu só queria alguém que me falasse que havia passado o dia inteiro sonhando comigo e que realmente sonhasse.
- O que eu estou tentando dizer, amiga. – Well me chamou de volta ao presente. – É que você é linda demais, gostosa demais e eu viraria até hétero por você. E é mais que isso, é uma pessoa inteligente, madura. Sério, eu só quero que você viva e não guarde isso só para você. Se joga, amiga! Se arrisca. E eu tenho várias táticas para conquista que são infalíveis. – Ele mostrou a língua e fechou os olhos.
Sorri mais uma vez e apertei sua mão. Agradecendo pelos elogios e agradecendo por me aturar. Mesmo sendo tão diferentes um do outro.
- Agora, eu realmente preciso assistir aula. – Eu me levantei daquela cadeira e puxei Well. – Um dia de cada vez, está bem?
- Eu sinto que nessa viagem vai acontecer! – ele deu de ombros e seguimos para a aula.
Well nunca errava suas superstições. Então, eu acho que ele sabe.