Montava planilhas das futuras aulas, observava o conteúdo programático e dava uma olhada no diário virtual. Enquanto também organizava um novo trabalho da faculdade e eu dividia informações com uma colega de sala sobre um artigo que precisaríamos escrever para a próxima semana. Tudo isso ao mesmo tempo em que minha irmã me ajudava a montar minha mala para viagem.
- Você acha que fica com mais cara de descolada esse casaquinho vermelho ou o preto? – Nanda me indicou dois cabides.
Não fiz muita força para encarar as duas peças de roupas e continuei a encarar a tela do computador.
- Fernanda, em pleno verão por que você acha que eu deveria levar casaco para São Paulo?
- Tem razão! – minha irmã falou em alto e bom som. – Vamos escolher seus biquínis.
- O quê? – me virei sobre a cadeira e lhe encarei.
- Óbvio que vocês irão à praia. Por favor, faça isso por mim. – Minha irmã me olhou muito séria e eu fiz uma careta.
Não prolonguei o assunto porque eu sabia os amigos que eu tinha e sabia muito bem que eles me arrastariam até a praia. E não é como se eu estivesse reclamando, eu amava o mar.
- Coloque o que você achar que for necessário. – Eu respondi, dessa vez pegando o celular para responder no meu grupo de trabalho da faculdade. – Só não exagera que é um só um final de semana.
Minha irmã sorriu vitoriosa e voltou a focar em todas as roupas e possíveis climas que poderiam atingir a cidade, possíveis festas e lugares específicos para cada vestimenta.
- Só não esquece que terei palestras e preciso está vestida decentemente. – Eu sorri enquanto ela pegava um macaquito azul curto e aberto em minha barriga.
Voltei a tela do computador, com a vista embaçada de sono e o cansaço querendo me pegar mais uma vez. A primeira semana era sempre mais puxada. Percebi que só faltava planejar mais um dia de aula quando notei algo que eu não queria sentir novamente.
Respirei fundo. Fechei os olhos. Contei de um até dez e bebi um pouco de água.
Eu já vinha sentindo aquela dorzinha novamente há cerca de meia hora, mas eu a estava ignorando. Assim, ela poderia sumir sem ninguém notar e sem precisar de toda atenção que ela sempre tomava.
Procurei de maneira discreta na minha mesinha do computador a minha cartela de comprimidos que nunca me abandonava nos últimos dias. Notei que minhas mãos estavam trêmulas e suadas.
- De novo, não! – sussurrei baixinho, tomando meu remédio e implorando para que fizesse efeito rápido o suficiente para que minha irmã não percebesse.
Ignorei os pingos de suor que surgiram na minha testa e eu percebi que estava mais preocupada do que das últimas vezes que aquilo aconteceu. Talvez por saber tudo aquilo que estava em jogo para mim e eu ainda não havia feito nada para tentar evitar meu destino.
- Bíola, você está bem?
Droga.
Minha irmã se aproximou de mim, olhei o meu reflexo nela mesma e o medo surgindo em seus olhos mais uma vez.
- Está acontecendo de novo? – ela se ajoelhou em minha frente e apertou a minha mão três vezes.
- As mesmas dores no abdômen. – falei baixinho e me odiei ao ver o seu rosto cercado de preocupação.
- Você já tomou remédio? Faz tempo que começou? Estão muito fortes? – ela me lançou um mar de perguntas e se colocou em pé para procurar meus remédios.
- Hey, calma. Eu estou bem. – Menti, mas não consegui me levantar da cadeira para acalmá-la ainda. – Já tomei o remédio, faz um tempinho que estou sentindo e estão indo e voltando. – Respondi suas perguntas.
Minha irmã parou em minha frente. Os mesmos olhos que os meus me encarando. Tentei sorrir para ela.
Fernanda acompanhou cada uma daquelas minhas crises, ela sempre estivera perto de mim e eu me senti culpada por depois de tanto tempo ver aquela preocupação em seus olhos novamente.
- Você sabe que precisa fazer exames com mais frequência, não é? – sua expressão estava séria enquanto ela tirava minha mala de cima da cama. – A última vez foi quando? Julho?
- Isso. – Eu sussurrei e fechei os olhos quando mais uma pontada de dor me atingiu.
- Vem cá, deita. – Minha irmã chamou assim que terminou de arrumar minha cama. – Você precisa descansar. Você trabalhou e estudou até tarde da noite, dê um tempo ao seu corpo também.
Desliguei o computador, fechei os livros e me deitei na minha cama. Não estava com tanta disposição assim para bancar a teimosa. As contrações de dores que eu sentia estavam aumentando e eu estava exausta.
- Descansa, Bíola. – Minha irmã apertou minha mão mais três vezes. – Qualquer coisa, você pode me chamar. Estarei aqui do lado.
Ela se afastou de mim e abriu as janelas, para que a brisa da noite e a luz da lua me abraçasse. Ela sabia o quanto eu amava aquela sensação. E esperava que ela também soubesse o quanto eu a amava. Afinal de contas, ela era o meu espelho. Só que sem as partes complicadas e idealizadoras que eu tinha.
Fechei os olhos e implorei para que o medo saísse das minhas estranhas. Eu sempre estava presa a um sorriso, mas eu estava me desfazendo.