Capítulo 4 🌙 Capítulo 4 – Ecos do Verão

A manhã seguinte nasceu cinzenta em Istambul, como se o céu soubesse que os corações mais inquietos não combinam com dias de sol.

Elif acordou com um gosto agridoce na boca. Não era exatamente tristeza - era um nó. Um daqueles que se formam no peito quando se está prestes a lembrar de algo importante, mas a mente ainda não sabe onde procurar.

Ela tinha sonhado com ele de novo. Kemal. O nome ecoava em seus pensamentos como uma canção que ela não conseguia esquecer.

No sonho, ele estava mais jovem. Os olhos dele tinham a mesma intensidade de agora, mas havia algo diferente - medo. Como se estivesse fugindo de algo. Ou de alguém.

Elif espreguiçou-se lentamente, como se tentasse espantar as sensações que ainda grudavam em sua pele. Mas não adiantava. Desde aquele primeiro encontro com Kemal no saguão da fundação, alguma coisa dentro dela se revirava.

Não era só atração. Era reconhecimento.

Ela não disse a ninguém, mas depois daquele dia começou a abrir uma velha caixa onde guardava lembranças da infância. No fundo, entre papéis amarelecidos, encontrou um caderno rabiscado com flores e recortes de revistas. E, colado ali, um esboço desbotado de um rosto masculino, desenhado com lápis preto. Sem perceber, ela o havia desenhado. Anos antes.

Era ele. O garoto do verão.

O verão em que tudo mudou.

Enquanto isso, em sua cobertura silenciosa e elegante, Kemal olhava para o teto como se o gesso branco escondesse todas as respostas que ele procurava.

O silêncio o envolvia como uma redoma. Antes, era conforto. Agora, era castigo.

Naquela noite, ao deitar-se no sofá em vez da cama, sentiu-se mais só do que nos piores dias de sua infância. Mais só do que nas madrugadas que passou nas ruas de Kadıköy vendendo quadros e consertando rádios quebrados por moedas.

Mas havia algo em Elif que bagunçava tudo.

Ela não era como as mulheres que o cercavam hoje em dia - envoltas em perfumes caros e palavras medidas. Ela era como o vento do mar que vinha do sul: imprevisível, livre, viva.

Ele lembrava dela.

Não apenas do presente.

Lembrava dela de antes. Quando tinha 17, e passava os dias fugindo do pai violento e da vergonha de ser um Karslıoğlu renegado. Um dia, no calor de julho, estava pintando no meio da rua. Tentava vender uma aquarela inacabada. A cidade era grande demais para ele. E então ela passou.

A menina com olhos escuros e um vestido azul claro. Sorriu para ele. E naquele sorriso, houve uma pausa no mundo.

Ela sumiu antes que ele pudesse perguntar seu nome.

Ele a buscou nos dias seguintes, mas jamais a viu de novo.

Até agora.

Mais tarde, naquela mesma tarde em que os ventos haviam mudado de direção, Elif recebeu uma mensagem inesperada:

Kemal:

"Estou indo a um evento da Fundação amanhã. É sobre arte popular e juventude. Disseram que você organizou parte disso. Podemos conversar depois? Tem algo sobre o passado que talvez você também lembre."

O coração dela disparou.

O salão do evento era amplo, decorado com obras de jovens artistas de periferia. O cheiro de tinta fresca se misturava ao de café turco, e as vozes ecoavam com empolgação.

Elif estava junto à equipe de curadoria, tentando manter a postura profissional, mas o coração parecia não saber seguir protocolo.

Quando Kemal entrou, usando uma camisa escura e blazer leve, os olhos deles se encontraram de imediato.

Não precisaram de palavras. Apenas caminharam um em direção ao outro.

- Você lembrou, não foi? - ele perguntou, com um leve sorriso.

Ela assentiu.

- Kadıköy. A rua de paralelepípedo perto da estação. Você pintava.

- E você sorriu - ele disse. - E sumiu.

Elif sorriu de volta, tímida.

- Eu te desenhei. E nem sabia por quê.

Ele riu. E naquele riso havia espanto, nostalgia e desejo contido.

- Sabe o que eu acho, Elif? - ele se aproximou mais. - Que às vezes o destino coloca alguém no nosso caminho para nos lembrar quem somos de verdade. E às vezes... ele faz isso duas vezes. Só pra ver se a gente aprende.

Ela ficou em silêncio por um momento. E então respondeu:

- Ou pra ver se, da segunda vez, a gente tem coragem de ficar.

Kemal olhou para ela como se o mundo inteiro tivesse parado. Como se tudo antes dela tivesse sido ensaio.

- Eu não vou desaparecer dessa vez, Elif.

Ela respirou fundo. E então, como quem pula sem saber se há água abaixo, respondeu:

- Então fica.

E naquele instante, em meio a quadros e olhares, começaram a construir algo que tinha mais raízes do que ambos imaginavam.

Um amor que já havia começado.

Muito antes de saberem seus nomes.

                         

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